Dulce PDV
Eu tinha oito anos novamente. A mesma menina sofrida, com muitas cicatrizes no corpo. Perdida nos corredores do Democracy, não conseguia encontrar uma saída. Todas as portas e janelas estavam fechadas.
Cansada demais para continuar andado, sentei-me no chão tomando cuidado para não deixar cair o pote de vidro que carregava a um tempo que não conseguia medir. Com o indicador, bati no vidro e a borboleta dentro do pote não se moveu. Estaria morta? Não conseguia parar de olhar para a borboleta, me sentia confortável, porém triste.
De tanto olhar para o pote meus olhos foram ficando pesados e inertes...
Subitamente, arregalei os olhos como quem acaba de acorda de um sonho turbulento. Olhei para os meus braços e percebi que voltara a ter 18 anos. Ao levantar do chão, procurei pelo pote e ele havia sumido. Extremamente confusa, comecei a sentir medo por estar sozinha no colégio, só que não era um medo comum. Era um medo antigo... Enraizado.
De repente, ouvi o som de passos. Um estalar compassado de saltos no piso de madeira. Atordoada, girei o corpo vagarosamente na direção do som e percebi que não havia absolutamente ninguém no corredor.
- Tem alguém aí? - Minha voz ecoou mansamente pelo local. - Oi? - Falei um pouco mais alto.
Assim que me calei, senti uma mão sobre meu ombro esquerdo. Sobressaltada, me virei rapidamente e não pude acreditar em meus olhos.
- Olá. - A garota idêntica a mim sorriu.
- Meu Deus... - Murmurei envolta em dúvidas. Estava sonhando?
Eu sabia quem era, mas não tinha como acreditar que ela estava mesmo diante de mim. Por isso, de forma hesitante, estiquei o braço e toquei suavemente a bochecha de Candy. Imediatamente ela fez o mesmo e senti como se eu estivesse diante de um espelho, só que não havia moldura.
- Não tenha medo. Eu te protejo. - Acariciou minha face.
- Isso não é real. - Dei um passo atrás.
- Aonde vai?
Quanto mais ela falava comigo, mais perturbada eu ficava. Que delírio é esse?
- Fique longe de mim. - Pensei em correr, só que não me movi.
- Não seja estúpida! Ainda podemos acabar com o Democracy. - Saiu me puxando pela mão. - Aquele Falcon não vai me vencer. - Rosnou, então olhou para trás e corrigiu. - Nos vencer.
- Como assim? - Não consegui fazer com que ela parasse. - Pare!
- Não posso, temos que ser rápidas. Anda, não faz corpo mole! - Se chateou. - Todos vão se arrepender de terem nos maltratado. - Resmungou por entre dentes e seguimos por outro corredor. - Vão provar do mesmo fogo... O Democracy irá queimar!
- Não! - Puxei meu braço e parei.
Candy respirou fundo mostrando impaciência.
- Não é hora de bancar a fraca. Nós chegamos até aqui e temos o dever de ir até o fim.
Balancei a cabeça achando cada palavra absurda demais.
- Não vou incendiar nada. Acabou. A vingança acabou!
- Não fala merda! Não acabou! Eles não sofreram! Qual é a sua? - Esbravejou e eu engoli em seco. Então Candy estreitou os olhos, analisando-me com repulsa. - É por causa dele, não é? O maldito e asqueroso Falcon fez sua cabeça? Esqueceu de tudo? Abandonou os planos?
- Estou cansada. - Sussurrei fatigada.
- QUE MERDA! - Vociferou batendo o pé no chão. - SUA BURRA! Agora é que estamos conseguindo tudo que sempre desejamos. Pense, Dulce, pense! Você está caindo no jogo do Falcon.
- Está enganada. - Não sabia como revidar. - Mas eu quero parar. Chega de Democracy e chega de Falcons.
O lábio superior de Candy tremeu como se remoesse um grande ódio. Determinada a acordar daquele maldito pesadelo, dei-lhe as costas e segui em frente.
- Acha que ele ia te querer se ainda fosse deformada? - Murmurou. Logo senti um paralisante espasmo no peito. - Christopher nem te tocaria. Não se esqueça de quem você realmente é.
Completamente amargurada, olhei para trás e Candy começou a se aproximar lentamente. Sua fisionomia fria e sarcástica me assustou.
- Você não consegue lidar com essa dor, não é? Precisa de mim, sempre precisará. Só que... - Arqueou a sobrancelha. - Eu não preciso mais de você.
Alcançou-me colocando as mãos em meu pescoço. Ela apertou com força e não consegui mais respirar.
- Isso... não é real. - Gemi com dificuldade. Procurei desesperadamente me convencer daquilo.
- Quem é que sabe? - Riu. - Vou descobrir quando você morrer.
Totalmente aflita, tentei arrancar as mãos dela da minha garganta. Não entendia de onde ela tirara tanta força, mal conseguia me debater. Lutando por ar, arranhei seu rosto e Candy gritou, afastando-se com medo de eu ter deixado marcas.
Cambaleei, mas logo consegui correr. Forcei minhas pernas a darem o máximo de si, porém de nada adiantava, pois eu não sabia como fugir do prédio.
- Você não tem para onde ir, Dulce! - Passou a correr atrás de mim.
Tentei abrir a porta de uma sala e estava trancada, tentei outra, e a encontrei do mesmo jeito. Candy gargalhava me assistindo enlouquecer e fiquei cada vez mais apavorada. Desorientada, segui para o refeitório e, assim que cheguei lá, me vi encurralada.
- Você é patética. - Candy cruzou a soleira, fumando com uma estranha tranquilidade. - Por que não desiste? Já teve seu momentinho feliz. Não entende que você não se encaixa com o mundo? O problema nem é se encaixar, e sim o fato de não ter fibra e resistência para ir contra ele.
- Está errada. - Falei baixo.
- Mesmo? - Revirou os olhos. - Não suportou nem a afronta de Tânia... - Deu uma longa tragada. - Não importa. Antes eu até podia te suportar porque no fundo, bem no fuuundo mesmo, gosto de você, mas agora que temos propósitos diferentes... - Sorriu torto. - Não leve para o lado pessoal, tudo gira em torno da sobrevivência... A sobrevivência do mais forte.
- Eu não vou morrer. - Ainda não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo.
- Sempre dificultando as coisas. - Jogou o cigarro no chão. - Você já está morta, só não sabe.
Candy partiu pra cima de mim dando-me um soco. Caí sobre uma das mesas, totalmente indefesa.
- Não é possível. - Chocada, arregalei os olhos não compreendendo como podia sentir tanta dor.
Candy sorriu indicando sua cabeça e não entendi o que estava querendo dizer. Antes que eu tivesse forças para levantar, ela se armou com uma cadeira e veio até mim.
Com as pernas tremendo, rastejei para longe dela e busquei forças para correr.
- Sua covardia me irrita! - Vociferou.
Assim que consegui ficar de pé, ela atingiu minhas costas com a cadeira e a dor foi alucinante.
- AAAAAAAAAAHHHHH! - Desabei de joelhos, com as mãos nas costelas. Candy se colocou bem na minha frente e ergueu a cadeira de aço para me golpear mais uma vez. - Não faça isso. - Implorei fechando os olhos.
Ela não se compadeceu e senti um grande impacto no meu rosto e ombro. Caí para lado espirrando... Sangue? Não suportando a dor, comecei a chorar.
- Ótimo. Mais essa? PARE DE CHORAR SUA IMBECIL!
- SOCORROOOO! - Gritei o mais alto possível. - ALGUÉM ME AJUDE!
- Ninguém vai te ajudar. - Colocou o pé em minha garganta. - Existem tantas diferenças entre nós... - Bufou. - Eu nunca me prestaria a esse papel ridículo.
Coloquei as duas mãos em seu tornozelo, tentando debilmente afastar seu salto da minha garganta.
- Não... - Gemi usando o que sobrara de minhas forças, mas de nada adiantava diante do poder opressor de Candy.
- Não te farei mais sofrer, acabarei com isso agora. - Respirou fundo e empurrou ainda mais o pé e minha garganta.