Diziam que era uma privilegiada – de fato.
Casara-se cedo. Ainda não havia chegado aos 40 e os filhos estavam entrando na adolescência – a transição mostrava-se tão tranquila quanto era possível ser. Para ela e para eles.
Gostava de exercitar mais o cérebro do que os músculos. Mas isso também não a assustava, a natureza tinha sido generosa. Sentia-se bem, magra, saudável e com um acréscimo de orgulho por si mesma, sobretudo nos últimos meses, em que sorrateiramente olhava-se no espelho e flagrava um sorriso presunçoso em seu próprio rosto. Enxergava-se mais bonita, mais segura e com a estranha certeza de que não era ameaçada por meninas de 20 anos, a quem a vida ainda não ensinara que o que se esconde é mais tentador do que aquilo que se mostra demais.
Era uma mulher satisfeita consigo mesma. Ainda que não fosse assim o tempo todo. Mas quem é quem está em permanente estado de satisfação? Apenas aqueles que desistiram da vida.
Inquietude é a mola propulsora do ser humano.
Num dia de sol ameno e tarde morosa questionou a própria existência. Desejou aventurar-se por terras desconhecidas e sensações inebriantes. Cobiçou aquela liberdade libertina que os que aparentam não pertencer a ninguém desfrutam.
Fantasia.
Capricho, curiosidade, um tanto leviana. Existiam muitas formas de definir aquele contexto, mas nenhuma delas fazia jus ao imbróglio. Certamente, porque não era possível estabelecer uma explicação eficaz para o arroubo que nascia na alma.
A sociedade claramente ensinava: quem tem tudo não precisa de mais nada – e o julgamento alheio seria implacável.
“Aquiete-se!” – gritava sua consciência carregada.
A decisão mais sensata, afinal.