Fanfic: Totalmente Demais! [Terminada]

-- Já se passou uma semana desde que varremos o submundo – disse Carlos Daniel. O homem mais velho rodeou a mesa de Ucker e tomou assento à frente. – E que semana! – Esticou o pé sobre o metal antigo e amassado e soltou um grunhido de satisfação.

-- Você sempre foi modesto, chefe.

Mas, neste caso, o orgulho de Carlos Daniel era compreensível. Com toda a preocupação de Ucker sobre o bem-estar de Dulce, nenhuma vez havia considerado a possibilidade da “Charme!” Estar ligada ao crime organizado. Ninguém tinha. Os sinais estavam ali.

Mas o tio de Dulce tinha sido um pequeno operador tentando se dar bem com os garotos grandes. Tinha assumido todo o risco e dado a eles parte de um grande lucro na esperança de provar sua lealdade. Não contara que a esposa, a tia de Dulce, daria para trás. Ela havia ameaçado entregar à polícia os livros que vinha mantendo como garantia. Como resultado, ambos tiveram um fim prematuro. Os outros participantes principais do esquema tinham contado com a coisa que Dulce mais detestava. Acharam que a sobrinha gostosona, precisando de dinheiro, colaboraria, e o negócio prosseguiria como sempre.

Dulce correra mais perigo que qualquer um imaginava na época. Aquela percepção ainda tinha o poder de embrulhar o estômago de Ucker e fazer dele uma pedra de gelo. Pensar em Dulce era algo que o assombrava 24 horas por dia. Sonhos eróticos faziam com que se virasse na cama a noite toda e recordações mais leves deixavam-no sem concentração durante o dia.

-- Deixe eu me vangloriar, Ucker.

Ucker voltou a atenção para o chefe.

-- Depois de todos esses anos, eu mereço isso. Falta este pouquinho para eu me aposentar... – Carlos Daniel fez um gesto com a mão. – E nunca pensei em enfrentar um caso tão grande.

Ucker riu da empolgação na voz do superior.

-- Assim que ouviu as palavras acusação de assassinato, nosso companheiro soltou nomes, datas, crimes... casos que nunca pensamos que fôssemos resolver e caras que nunca achamos que fôssemos prender.

Carlos Daniel deu um sorriso largo.

-- É incrível o que a promessa do Programa de Proteção a Testemunhas pode fazer com senso de lealdade de uma pessoa.

-- Ele foi leal – argumentou Ucker. – Ao número 1.

- E quanto a você?

Ucker levantou-se, empurrando a cadeira para trás com tanta força que bateu na parede.

-- Que diabos quer dizer com isso? Está questionando minha lealdade?

Carlos Daniel não se alterou.

-- Ao departamento, não. Mas a você mesmo, estou.

Ucker gemeu e sentou de novo na cadeira. O instinto paternal atacava novamente.

-- Vou lhe dizer uma coisa. Preocupa-se com sua aposentadoria e eu me preocupo comigo.

-- É mesmo? Acho que você nunca pensou em si mesmo desde o dia em que sua mãe atravessou na frente de um ônibus em movimento.

Ucker não perguntou de onde ele havia conseguido aquela informação. Sua vida era um livro aberto para aqueles que precisavam saber. Mas Ucker nunca falava abertamente sobre seu passado. Para ninguém... a não ser Dul.

Carlos Daniel pode ter tido um interesse paternal por Ucker, mas Ucker nunca havia confiado detalhes pessoais em retorno.

-- Se você fosse outra pessoa, eu lhe daria uma surra por tocar nesse assunto – resmungou. E se ele estivesse normal durante a última semana, desde que abandonara Dul, Ucker teria dado a surra de qualquer jeito.

Mas estava um miserável ambulante, um filho da mãe com olhos de zumbi. Percebeu que escutar Carlos Daniel não podia fazer mal. Droga, àquela altura, podia até ajudar.

-- Você esteve com ela? – perguntou Carlos Daniel.

-- Quem?

O capitão levantou-se da cadeira.

-- Sabe de uma coisa, Ucker, tenho de encontrar o promotor para almoçar e não tenho tempo de brincar com você de quem é mais burro. Se quer viver a vida sozinho, da forma que tem feito, vá em frente. Se quer deixar que ela saia da sua cama para a cama de outro...

-- Ei.

-- Ei o quê? Acabei de dizer que parei de brincar de quem é mais burro. Você ganha o prêmio sem esforço. – Carlos Daniel pousou as mãos sobre a mesa. – Aquela moça faz de você um ser humano, Ucker.

-- Vai jogar bola com o promotor. Não preciso dessa palhaçada.

-- Não, você precisa dela. – Carlos Daniel endireitou-se. – A propósito, você fez um baita trabalho nessa investigação, Ucker. – A voz se suavizou. – Você chamou atenção para o caso antes que até eu acreditasse que a moça precisava de proteção, você a manteve salva e treinou-a bem. Tenho orgulho de você, filho.

A boca de Ucker ficou seca. Antes que pudesse responder, Carlos Daniel desapareceu porta afora.