– SAÚDE , AMIGO ! – exclamou Matheus batendo o copo de cerveja de leve de encontro ao de Alfonso na festa de aposentadoria do almirante. O tilintar do vidro se perdeu no mar de vozes bem moduladas, de música entediante de câmara e do ruído quase inaudível do ar-condicionado da mansão.
– Deve ser dito, o velho tem estilo. Alfonso deu de ombros. Havia crescido como pobre o bastante para saber apreciar o fato de que, ao usarem copos ali na festa em vez da habitual e vulgar garrafa de cerveja, o sujeito do bufê incumbido de lavar a louça não ficava sem serviço e sem seu meio de sustento. Para além disso, no entanto, a opulência mais o confundia do que impressionava. E de que adiantava? Os ricos se preocupavam mais em ostentar sua fortuna do que os caras fortes em ostentar os seus... Músculos. Nem sonharia em dizer isso a Matheus, naturalmente. Em comparação aos Herrera a família dele, o almirante Sullivan não vivia num lugar muito melhor que o estacionamento de trailers onde Alfonso crescera.
– O que acha que ele vai fazer agora que está aposentado? – perguntou Matheus num tom corriqueiro, enquanto olhava ao redor, observando a multidão de convidados.
– Colocar uma daquelas camisas floridas e ficar cuidando do jardim?
– Espero que alguém tire fotos. – Alfonso riu. Depois de mais um gole de cerveja, deu de ombros.
– Ele mencionou que vai dar consultoria em Washington D.C. e talvez iniciar alguns programas aqui na base naval. Ali estava algo excelente em Matheus. Não se importava com o fato do almirante e Alfonso terem uma relação um pouco mais próxima. Por outro lado, o tio de Matheus era senador e o pai possuía metade do Norte da Califórnia, o que lhe assegurava seus próprios contatos influentes.
– Para que se aposentar, então? – indagou ele.
– A aposentadoria foi feita para uma pessoa relaxar, certo? Não é como estar de licença remunerada diariamente? Alfonso fez uma careta. Aquilo era relaxar demais a seu modo de ver. Como aquela festa. Esse tipo de evento não era do seu feitio. Olhou ao redor, à procura de um garçom e outro copo de cerveja. Ao contrário dos pobres civis que se viram obrigados a usar smokings, ele e Matheus, juntamente com outros oficiais, tiveram permissão para usar os uniformes brancos de gala. Não eram como a farda de serviço, mas semelhantes o bastante para fazê-lo sentir-se confortável.
– Senhor. – O garçom fez uma ligeira mesura enquanto trocou o copo vazio dele por um repleto de cerveja gelada. Alfonso moveu os ombros contra o tecido restritivo do uniforme. Ao menos, costumara se sentir confortável antes. Pela primeira vez, era como se o uniforme não lhe caísse bem.
– O que está havendo? – perguntou Matheus trocando o próprio copo.
– Você está inquieto como nunca desde que chegamos.
– Quero apenas ir embora assim que possível. Este tipo de festa não faz o meu estilo.
– Amigo, você tem que festejar onde houver música tocando. – O sorriso de Matheus desapareceu tão logo as palavras saíram da sua boca. Essa havia sido a frase favorita de Phil. Alfonso olhou para o próprio copo de cerveja. Haviam sido treinados para isso. Haviam embarcado em toda e qualquer missão cientes de que havia não apenas a possibilidade, mas a probabilidade, de que, cedo ou tarde, um deles não voltasse. Então, qual a razão do drama emocional? Por que não diminuía, passava?
– Herrera,Sullivan. fico contente que tenham vindo – declarou o almirante num tom alto, social e caloroso. Em contraste à voz autoritária e seca que costumava usar para vociferar ordens. Não havia muita diferença, na verdade, a não ser pelo sorriso largo no rosto.
– Parabéns por sua aposentadoria, senhor – disse Matheus. – A base não será a mesma sem o senhor. Ele, de fato, tinha traquejo social, e o almirante se deixou convencer.
– Dei o melhor de mim para deixar uma marca forte – declarou ele antes de dirigir a Alfonso um olhar indulgente que o deixou com a pulga atrás da orelha. – E gosto de pensar que estou deixando para trás um legado. Que a minha influência continuará, se entendem o que quero dizer.
– A marca de um grande líder é o impacto que deixa em suas tropas – concordou Matheus. Alfonso não teve que olhá-lo para saber que, sob aquele tom condescendente, o amigo estava rindo consigo mesmo.
– E falando em legados – prosseguiu o almirante, voltando a adquirir aquele sorriso social.-Herrera há alguém que quero lhe apresentar.
– Senhor? – Droga. Ele não queria conhecer ninguém.
– Minha filha. Uma jovem adorável. Articulada, brilhante e ocupando um excelente cargo. É descomprometida, tem um sólido portfólio e, sendo minha filha, é bem versada nos requisitos necessários para apoiar o lar de um militar. Era evidente que Portilla não estava acostumado a bancar o Cupido. E Alfonso desejou fervorosamente que não estivesse fazendo isso no momento. Não era obtuso. Sabia o jogo que o almirante estava fazendo. O velho gostava da história dele. Fuzileiro naval, linguista, soldado condecorado que havia triunfado depois de uma infância ruim. A palavra “genro” estava praticamente escrita na sua testa. O único detalhe era que não tinha a menor intenção de se casar.
– Lamento, senhor – disse logo – será ótimo conhecer sua filha, mas não vou convidá-la para sair. Estou saindo com outra pessoa. Foi somente quando viu o choque no rosto de seu superior que Alfonso se deu conta de que era a primeira vez que dizia não. Retesou os ombros automaticamente. Não era como se tivesse recusado uma ordem, disse a si mesmo. Tudo o que fez foi contornar a honra duvidosa de concordar com um encontro às cegas com a filha do almirante.
– Elliot, querido – falou a sra. Portilla, dirigindo um sorriso de desculpas a Alfonso antes de ignorá-lo com um aceno de cabeça. – É a hora do brinde.
– Excelente. – Elliot arqueou as sobrancelhas grisalhas para Alfonso. – Você vai esperar, é claro. Eu gostaria de terminar esta conversa. O hábito quase levou Alfonso a fazer uma continência.
– Sou um soldado, não um capacho – resmungou irritado por entre dentes tão logo o almirante se afastou o bastante para não ouvi-lo.
– E qual é o problema? Você pode conhecer a filha dele, bancar o gentil e, em seguida, voltar para o seu ninho de paixão com aquela loira sexy outra vez. Alfonso franziu as sobrancelhas.
– O quê? Não acha que consegui deduzir por que você está com esse ar desejoso a noite inteira? – Matheus deu risada. – A verdade está praticamente estampada na sua cara. Fico surpreso que esteja conseguindo tomar a cerveja com um anzol tão fincado na sua boca. Seria tão inútil negar quanto tentar alimentar um chacal para salvar a pele. Além do mais, pensou Alfonso com grande desconforto, nem sequer sabia se não havia sido mesmo “fisgado” de certa forma. Foi poupado de ter que pensar numa resposta adequada graças ao som alegre de um sininho. Foi a primeira vez que se sentia grato pela iminência de um discurso. Sua gratidão durou cerca de cinco minutos.
– Odeio política – falou por entre dentes. – Se você quer chegar a algum lugar, conseguir com que alguma coisa seja feita, tem de fazer o jogo. – Matheus deu de ombros como se isso não tivesse importância. Mas torceu os lábios, uma indicação amarga de que também achava o jogo lastimável. Alfonso ignorou as aclamações monótonas ao microfone e deixou que os pensamentos voltassem a girar em torno de Anahi. Tão logo esse brinde tivesse terminado, a despeito de quem o almirante quisesse que conhecesse, iria embora dali. Queria vê-la. Conversar com ela. Provar-lhe o gosto doce dos lábios e da pele mais uma vez, tocá-la, tê-la em seus braços por inteiro. Não era de surpreender, uma vez que não conseguira tirá-la dos pensamentos. Exceto a parte em relação a querer conversar. E isso era provavelmente de causar choque, não apenas surpresa. Todavia, por mais que as coisas tivessem sido escaldantes entre ambos, sabia que ela não ficaria mais satisfeita com apenas sexo por muito mais tempo. Já arriscara algumas perguntas, dando a entender que queria conhecê-lo melhor. Lembrava da irritação nos olhos dela naquela manhã. Era evidente que esperava mais. E, se ele a queria, teria de oferecer mais. Mudou o peso do corpo de um pé para o outro, inquieto, com a sensação de que o uniforme o aprisionava de repente. Falar sobre seu passado não era, nem nunca fora problema. Mas, naquelas circunstâncias, contar sobre o que fazia? Precisaria de uma grande dose de charme para conseguir fazê-la se despir outra vez depois que revelasse que não apenas era da Marinha, mas um fuzileiro naval. Mas ao menos tinha a certeza de que já omitira a verdade por tempo demais. Não conseguia mais prosseguir desse jeito.
– Bem, e agora... – murmurou Matheus com um sorriso malicioso. Alfonso acompanhou-lhe o olhar. Reconheceu o homem primeiro. Cabelo loiro avermelhado, num corte moderno, um smoking com lapelas de couro de jacaré, indicando que era customizado e um anel de rubi no dedo mínimo que faiscou quando ele acenou amistosamente para a multidão. Michael? O que estava fazendo ali? Trabalharia com eventos e estava ali com parte do entretenimento? Alfonso perguntou-se o que teria deixado de notar naquele primeiro dia na praia quando ficara embasbacado por Anahi. Observou enquanto o homem loiro se virava para ajudar alguém a subir até o pequeno palanque. Seus dedos se fecharam em torno de mãos delicadas. Ficou claro que precisou dar um puxão em quem quer que estivesse do outro lado para que a pessoa se movesse. Apesar de intrigado, Alfonso não pôde deixar de sorrir, intimamente divertido. Havia alguém ali que não gostava das luzes dos holofotes.
Então, enquanto as pessoas aguardavam, ele, enfim, viu quem Michael estava tentado fazer subir no palanque ao fundo da sala. O cabelo dela era de um tom loiro intenso e cascateava na forma de cachos soltos por sobre um ombro nu, onde se via a tatuagem de uma rosa. Um elegante vestido longo preto realçava-lhe as curvas esculturais do corpo de estatura alta. O tecido dava a ilusão de que o modelo do vestido era solto, mas a envolvia de uma maneira que atraiu os olhos dele para os contornos tentadores dos seios arredondados e da cintura fina. Seios que o haviam deliciado ainda naquele dia pela manhã. Uma cintura que segurara inúmeras vezes para puxá-la para si e estreitá-la no calor dos seus braços, observando-lhe o ritmo maravilhoso de vaivém do corpo ao longo de sua ereção. Anahi. A sua sexy tentação. Desviou os olhos dela para o homenageado da noite, subitamente notando a semelhança no formato do rosto, no arco das sobrancelhas. O arrepio na nuca que costumava se manifestar como um sinal de alerta fez com que os pelos ficassem eriçados. Anahi era a filha do almirante? Droga . Ficando subitamente no centro de todos os olhares, Anahi manteve a expressão neutra e os ombros retos. Odiava essas coisas. Sua mãe era tão inclinada a sociabilizar quanto seu pai era mandão, o que significava que tivera de comparecer a vários eventos sociais por ano.