Alfonso acompanhou cada expressão que passou pelo rosto de Anahi. Choque. Depois, incredulidade. E logo fúria. Então, adquiriu um ar frio e distante, neutro, como se tivesse se fechado em si mesma.
Droga. Por mais que quisesse evitar quaisquer ideias casamenteiras do almirante em relação à filha e a ele, estava igualmente determinado a continuar desfrutando a paixão avassaladora que só encontrava nos braços de Anahi. Depressa! , pensou, olhando na direção do almirante, que ia prolongando o discurso. Quanto mais tempo Anahi tivesse para mergulhar em sua evidente mágoa, mais difícil seria convencê-la a lhe dar ouvidos. Enfim, o oficial agora aposentado ergueu sua taça de champanhe num último agradecimento. Alfonso acompanhou distraidamente o restante dos convidados, também erguendo a sua. Mas seus olhos não deixaram Anahi. O que foi bom, pois logo a multidão começou a se mover, ela desapareceu no meio das pessoas. Era evidente que o fato de ter crescido sob a influência militar lhe ensinara uma coisa ou duas. Por sua vez, Alfonso tinha um longo treinamento a seu favor. Notou a direção que ela tomou e, contornando a multidão pela lateral, interceptou-a antes que chegasse à principal saída. Pousou a mão em seu ombro com apenas pressão o bastante para não deixá-la escapar. Anahi soltou um som sibilante por entre dentes que se assemelhou ao ruído de água fria sendo atirada em labaredas. Alfonso afastou a mão.
– Surpresa – disse num tom comedido, lembrando subitamente que estavam cercados pela família dela e os seus próprios superiores. E não precisava que ninguém soubesse de detalhes sobre o relacionamento de ambos.
– Eu não fazia ideia de que você era filha do almirante Portilla.
– E eu não fazia ideia de que importava a você quem era o meu pai. – A frieza na voz dela espelhou a do olhar. Ele jamais teria imaginado que uma mulher tão ardente pudesse se mostrar tão gélida.
– E não importa – declarou, saltando fora da armadilha. Em alerta, sabendo que havia mais por vir, escolheu as palavras com cuidado. – Não me dei conta de que tínhamos interesses em comum. Anahi lhe lançou um olhar especulativo que o fez desejar estar com equipamento de combate.
– Eu também não. Essa é uma daquelas coisas que geralmente surge durante uma conversa. Outra coisa que nunca tivemos. Alfonso se moveu para tornar a lhe bloquear a saída.
– Aonde você vai?
– Estou indo embora. Alfonso já nadara em pleno Oceano Ártico uma vez e jurava que não estivera tão gelado quanto o tom dela. Arqueando as sobrancelhas, fez um gesto na direção das portas-janelas abertas que havia à esquerda de ambos.
– Por que não vamos por ali? – sugeriu.
– Podemos conversar.
– Não. – Com os lábios tão apertados que estavam brancos, ela respirou fundo e, então, soltou o ar devagar.
– Não, obrigada. Prefiro não sair para o pátio. Prefiro não conversar. Quero ir para casa.
– Vou com você.
– Prefiro ir sozinha. Antes que Alfonso pudesse argumentar, foram interrompidos.
– Tenente. – O almirante saudou-o com o sorriso mais largo que Alfonso já vira estampado em seu rosto. A taça de champanhe vazia que segurava podia explicar parte da euforia, mas o fato de estar aposentado também devia contribuir.
– Senhor. – Ele colocou-se um pouco de lado para que o almirante pudesse conversar com a filha. Mas, em vez de palavras, o sorriso de Portilla diminuiu e tudo que dirigiu à filha foi um meneio de cabeça. Então, provando que uma dúzia ou mais de brindes não haviam afetado sua percepção, alternou o olhar entre ambos.
– Vocês já se conhecem? Alfonso aguardou que Anahí respondesse.
– Trocamos um olá na praia há alguns dias – respondeu ela, enfim, ao pai.
– E então?
– E então, nada – disse Anahi num tom tão seco quanto a fisionomia. Alfonso não compreendeu a razão da evidente tensão entre pai e filha. Anahi era, sem dúvida, a mulher mais inteligente que já conhecera. Além disso, era dona de uma vivacidade incrível, de pura energia. E com seus cachos vibrantes, rosto expressivo e entusiasmo, ela resplandecia. Até agora. Seu lado vivaz continuava intacto. O cabelo era o mesmo, e os expressivos olhos azuis também. O sorriso, emoldurado por lábios cheios pintados de rosa-escuro, não se modificou. Mas era como se alguém ativesse apertado um botão e a desativado. E isso era a última coisa que devia acontecer a uma mulher daquelas. Mesmo furiosa com ele, ela ainda soltava poucas faíscas. Como uma mulher geniosa que aprendera a controlar seu temperamento. Mas agora? Alfonso alternou um olhar entre ela e o almirante. O que, afinal, estava acontecendo entre os dois?
– Falei a você para ficar pelo menos durante uma hora após as celebrações para cumprir alguns deveres sociais específicos que solicitei – disse Elliot à filha, alternando o olhar entre seu rosto e sua bolsa, que ela segurava com tanta força de encontro a si que os nós dos dedos estavam esbranquiçados.
– E eu falei que viria comemorar a sua aposentadoria, como a minha mãe pediu. E que eu teria que ir embora tão logo o evento tivesse terminado. Alfonso começava a ter a impressão de que aquele não era um relacionamento amoroso entre pai e filha.
– Eu lhe dei uma ordem, mocinha. Espero que seja obedecida. – O almirante fez um gesto para Alfonso. – Felizmente, vocês dois já quebraram o gelo. O tenente Herrera é um dos meus protegidos. Gostaria que vocês passassem algum tempo juntos para se conhecerem melhor. E ali estava a óbvia tensão, pensou Alfonso, ainda perplexo. Deu um passo à frente, colocando-se sorrateiramente entre pai e filha. Antes de poder abrandar a situação, Anahi abriu um sorriso glacial e sacudiu a cabeça.
– Lamento. Já passamos tempo o bastante juntos, nos conhecendo melhor, e descobrimos que somos incompatíveis. Agora, se me derem licença... O sorriso frio englobou a ambos antes que ela girasse nos calcanhares e se afastasse. Deixou logo a sala. Era difícil dizer quem estava mais chocado. Alfonso, ou o pai dela. Elliot ficou com o ar de quem não tinha tanto charme quanto acreditava.
– Com licença – disse ele num tom tenso antes de ir atrás da filha. Alfonso achou mais sensato permanecer onde estava. Nenhum dos dois acharia a sua presença bem-vinda àquela altura. Mas não a deixaria ir. Alfonso olhou ao redor atentamente. Pronto. Adiantou-se pela grande sala de estar até um pequeno grupo de pessoas.
– Desculpe – disse sem se importar com o protocolo, ou com boas maneiras até então. – Michael, preciso conversar com você. O irmão de Anahi arregalou os olhos ao se dar conta de quem Alfonso era. Olhou-o de alto a baixo, notando o uniforme e, então, sacudiu a cabeça devagar.
– Sim, precisamos conversar. Ele desculpou-se jovialmente com o casal em sua companhia e, então, fez um gesto na direção das portas-janelas que davam para o pátio da mansão. O mesmo lugar aonde Anahi se recusara a ir para conversarem. Pelo menos, um dos irmãos Portilla estava disposto a ouvi-lo.
– Eu não sabia que você era da Marinha – disse Michael tão logo passaram pelas portas-janelas. Com um aceno elegante, indicou que se sentassem no balanço largo.
– Faz diferença? – perguntou Alfonso, sem querer sentar, porque via aquilo mais como um interrogatório do que um bate-papo amistoso. Recostando-se confortavelmente no encosto de madeira do balanço, com um pé dobrado sobre o joelho, Michael pareceu não se importar. – Para mim, não.
– Mas faz diferença para Anahi – deduziu Alfonso – Por que ela não disse nada logo de início?
– Bem, vocês não tiveram exatamente uma conversa aprofundada lá na praia. – Michael estudou-o atentamente, arqueou as sobrancelhas e, então, acrescentou: – A não ser que vocês tenham tido um pequeno tetê-à-tête depois do encontro na praia... Foi isso? Fuzileiros navais não se deixavam dobrar tão facilmente. E obviamente, uma negação ou confirmação não se fez necessária. Michael tirou prontamente as suas próprias conclusões.
– Oh, isso é interessante. Onde vocês se encontraram outra vez? E acabaram se... Entendendo? Pelo visto, sim. Não foi à toa que ela esteve com aquele olhar sonhador a noite inteira. Deve ser por isso, então, que não quis trazer o dr. Certinho à festa.
– Quem?
– Apenas um cara. – Michael sacudiu a mão no ar, descartando o assunto. – Não tem a menor importância. O que importa é saber dos detalhes. Quando vocês ficaram juntos? Onde estiveram e quais são as suas intenções? Essas são as perguntas que precisam de resposta.
– Que cara? – persistiu Alfonso, mudando o peso do corpo de um pé para o outro de modo que adquiriu uma posição um tanto intimidante. – Qual é o tipo de relacionamento dele com Anahi? Estão envolvidos? É alguém de quem ela gosta de uma maneira especial?
– Se fosse o caso, ele estaria aqui. Por sua vez, ponderou Alfonso, estava ali, mas não com Anahi. Havia uma mensagem em alguma parte daquilo.
– Por que ela não gosta de militares?
– Bem, você conheceu nosso pai. – Pela primeira vez, a fachada descontraída de Michael desmoronou, mostrando uma camada de dor e amargura abaixo. Alfonso vira essa mesma expressão nos olhos de Anahi no bar, quando falara sobre militares. Parecia que o almirante não era um dos pais mais legais do mundo. – Desculpe. – Michael recobrou o habitual charme e levantou-se. – De verdade. Acho que você seria bom para Anahi.
– Então, por que está pedindo desculpas? – Porque ela não vai falar mais com você. Lamento – repetiu Michael. Mas Alfonso não aceitava aquilo. E o que não aceitava mudava.
– Ouça, você é um ótimo sujeito – explicou Michael. – E Anahi merece alguém assim, sem dúvida. Mas ela jamais vai ter um relacionamento com um militar. – Hesitou, como se estivesse preocupado com a reação de Alfonso.
– Lamento. Alfonso sentou-se no balanço, observando o outro homem afastar-se. Até três semanas antes, havia adorado seu trabalho. Treinara para o que fazia, abraçava e vivia para isso. Nunca questionara o fato de ser um fuzileiro. Nem nunca quisera outra coisa. Mas no espaço de duas semanas, o mesmo trabalho que adorava, com o qual se identificava, havia lhe tirado duas coisas das quais não quisera desistir. Seu amigo. E a mulher mais fascinante que já conhecera. Não podia fazer absolutamente nada em relação a Phil. Mas a Anahi, sim. Tudo de que precisava era um plano, uma pequena estratégia e um meio de atraí-la de novo. Ele a teria de volta. Oh, teria, sim.