COM OS olhos focados na águia de prata da insígnia da Marinha dos Estados Unidos numa placa na parede, Alfonso manteve-se em posição de sentido. O oficial detrás da mesa ignorava a sua presença, dividindo a atenção entre uma papelada à sua frente e um telefonema. Com os ombros retos e firmes, o queixo erguido e os sentidos em alerta, ele sabia que seu rosto não contraía irritação alguma por ser deixado à espera, embora já tivessem se passado dez minutos. As perguntas que lhe povoavam à mente também não transpareciam em sua expressão impassível.
Não estava se perguntando por que fora retirado da missão em que estivera e recebera ordens para retornar à base naval de Coronado sem o restante da equipe. Nem tampouco curioso quanto à razão para essa reunião com o oficial ter sido assinalada como confidencial. Ambas as coisas faziam parte do procedimento padrão de operações. A pergunta que o intrigava era por que estava se reportando diretamente ao contra-almirante Lane. Muitas das ordens vinham de Lane, mas passavam pela cadeia de comando. Ele nunca se reunira com o contra-almirante. Nem sequer vira mais Lane pessoalmente desde a festa de aposentadoria do almirante Portilla em setembro, meses antes. A raiva se reavivou em seu peito como sempre acontecia quando relembrava aquela noite. Como já fizera inúmeras vezes anteriormente, lembrou a si mesmo que era absurdo ficar tão melancólico por causa de uma mulher que mal conhecia. O único motivo para Anahi continuar a lhe despertar interesse era porque não havia passado tempo o bastante com ela para que o gosto de novidade tivesse passado. Sexo sensacional, um corpo que atormentava seus sonhos eróticos e uma personalidade que quase o convencera que relacionamentos eram possíveis também fora da cama... Apenas isso, nada com que devesse ficar obcecado. Dormira com mulheres o bastante antes dela e, embora não se lembrasse de nenhuma que o tivesse afetado tanto, tinham sido encontros passageiros e não havia razão para que o que acontecera entre ambos também não tivesse sido. Não era do tipo sentimental e não nutria paixão por nenhuma mulher que ficara no passado – ou deveria ter ficado. Não. Não havia razão para estar zangado. E nem para se lembrar da textura exata dos lábios dela, da fragrância de seu cabelo, ou da maciez das curvas junto a seu corpo. Era ridículo desejar poder vê-la, apenas mais uma vez, nua acima do seu corpo, ondulando na mesma cadência que a sua rumo ao auge do prazer. A última coisa de que precisava na vida era da distração de se perguntar como Anahi estaria se saindo no novo emprego, se já se adaptara à vida em San Diego, ou se ainda sentia falta de Nova York. Se acabara de desempacotar tudo e se já estivera na praia nesse ano. Com a mesma disciplina que usava para levar seu corpo aos limites, para treinar com a elite e ser bem-sucedido nas missões que a maioria das pessoas julgaria impossíveis, Alfonso afastou da mente as lembranças e toda a tensão emocional que as acompanhava. Era melhor se concentrar na pergunta mais imediata, em tentar entender por que, afinal, estava ali. Mais a título de distração do que por achar que encontraria a resposta, fez mentalmente uma lista de todos os conflitos conhecidos que poderiam requerer uma missão de um só homem. Ainda não tinha a menor ideia quando, enfim, o contra-almirante terminou o telefonema.
– Herrera – disse ele quando recolocou o fone no gancho. Já em posição de sentido, Alfonso concentrou toda a atenção no oficial comandante.
– Senhor.
– Você esteve na Síria recentemente. Uma vez que foi uma declaração, não uma pergunta, ele não respondeu. Ainda olhando para a águia, teve ciência de que sua mente se acelerou. A mais recente missão fora um sucesso. A equipe fora, inclusive, elogiada pelo chefe comandante pelo serviço benfeito. Aonde aquilo levaria?
– Ao longo de um ano, você passou seis meses a serviço no Oriente Médio, completou 72 missões e ganhou três condecorações. Eram os dados exatos. Mas o contra-almirante não estava à espera de confirmação.
– Você tem a reputação de ser um forte membro de equipe. Um homem que entende ordens, mas um que pensa rápido e tem iniciativa quando é necessário. E qual fuzileiro não era dessa maneira? – Você provou que respeita as regras e as segue meticulosamente. Alfonso teve de se conter para não revirar os olhos. Qualquer integrante de sua equipe poderia estar ali ouvindo as mesmas palavras. Nenhum dos comentários era exclusivo à carreira dele. Assim, onde, afinal, o superior queria chegar? Não estava avaliando o seu histórico de serviço por falta de assunto. Era algum tipo de teste. Era um teste que já ganhara, deduziu Alfonso – ou perdera, dependendo da perspectiva – levando em conta que ainda estava ali. Mas o que estaria em jogo? – Enquanto a sua ficha de serviço mostra uma afinidade com o trabalho em equipe e a liderança, a sua avaliação psicológica indica uma inclinação para a autonomia e a autoconfiança. Isso sugere que trabalha bem sozinho, possivelmente até melhor do que em equipe. A avaliação psicológica dele? Ora, o contra-almirante havia esmiuçado todos os registros até chegar à avaliação psicológica inicial dele para saber se estava apto para aquela nova incumbência. O que, afinal, estava acontecendo? Pela primeira vez desde que havia entrado no gabinete, Alfonso olhou atentamente para o contra-almirante. Franzindo a testa, estudou o cenho carregado do homem mais velho, o brilho frio como o aço nos olhos que estreitava. O que quer que estivesse acontecendo, era algo grande.
– Vou ser retirado da minha equipe.
– Vai ser temporariamente realocado. Com um movimento rápido do queixo, Alfonso fez sinal de assentimento quanto à nova missão e aguardou novas ordens. E esperou esclarecimentos. O contra-almirante olhou pela janela por alguns momentos, como se estivesse decidindo quais informações deveria partilhar. Então, apertando os lábios com força, tornou a lhe encontrar o olhar. Com ar grave, respirou fundo antes de falar: – Houve um sequestro. Uma civil com laços militares e informações potencialmente perigosas foi retirada à força de sua casa dois dias atrás. Investigações identificaram o grupo por trás do ato e indicaram a localização dela. As palavras dela e laços militares acrescentaram uma dimensão de urgência a uma missão já incerta. – O cativeiro se encontra dentro da área continental dos Estados Unidos – informou-o o contra-almirante. – O líder dessa facção de terroristas, como também muitos dos que o servem, é um cidadão americano. Delicado. E estava fora do habitual modus operandi dos fuzileiros navais. – Dentro de dois dias, uma equipe neutralizará esse cativeiro. Todos os esforços serão feitos para manter os alvos vivos. Alfonso fez uma careta mentalmente. Infelizmente, alvos tinham o potencial de se tornarem perdas indiretas. E reféns corriam igualmente esse risco. – A sua ordem é retirar a refém do cativeiro. Você irá sozinho, reportando-se apenas a mim. Terá vinte minutos antes que a equipe desembarque e ataque. Não informará a ninguém sobre esta missão, nem trabalhará em equipe com os homens designados para ela. A mente de Alfonso tomou diferentes rumos. Uma parte questionava por que, afinal, seu papel na missão ficaria oculto. Outra parte avaliava o que precisaria fazer sem arriscar a missão da equipe ou a segurança da refém. Uma terceira parte já entrava na função missão, distanciando-se emocionalmente ao mesmo tempo em que incorporava as expectativas de vitória. – Você foi requisitado especialmente para essa missão, Herrera.
Alfonso franziu a testa. Como fuzileiro, seu treinamento era intenso e suas habilidades, diversificadas. Mas o mesmo se dava com o restante da equipe. Era o comandante da Força de Ataque, o rádio operador e linguista. E era excelente no que fazia. Mas novamente podia dizer o mesmo de muitos dos demais companheiros. Assim, por que ele especificamente? Aguardou. Se Lane quisesse deixá-lo saber por que fora requisitado, diria. O contra-almirante encarou-o. Não era o uniforme, a patente nem o contraste do cabelo branco com o rosto de granito que o tornavam intimidante. Era a fria expressão de determinação que dizia que esse era um homem que faria o que fosse preciso para que o trabalho fosse realizado, não porque achasse que as consequências valiam a pena, mas porque nem sequer via consequências. Apenas a meta. Depois de estudar Alfonso por alguns momentos, apertou o botão do interfone na mesa. Mas não disse nada. Apenas aguardou. Alfonso também aguardou. Por menos tempo, porém, do que levou para respirar fundo. A porta privada à direita do contra-almirante se abriu. Seu mentor, o homem que o recrutara, que moldara a direção da carreira de Alfonso e era o pai da mulher mais sexy do mundo entrou no gabinete. Elliot Portilla não disse uma palavra. Apenas ficou olhando para Alfonso com uma expressão indecifrável. O contra-almirante, que se levantara, ergueu uma pasta de arquivo da mesa, bateu-o na perna algumas vezes e tornou a estudar Alfonso. Finalmente, com um longo olhar na direção do almirante, entregou-lhe a pasta.
– A sua missão. – Por dizer ficou a ordem de que o conteúdo da pasta fosse lido e memorizado ali no gabinete. Alfonso tinha acesso às informações, mas os dados ficariam sigilosamente guardados. Acostumado a isso, Alfonso lançou um novo olhar ao almirante, mas não descobriu nada. Em seguida, soltou o cordão que fechava a pasta e retirou dela uma pilha de papéis. Acima, havia uma foto colorida de 20 x 25 cm. O coração dele quase parou. O ar ameaçou lhe faltar. Um sentimento que mal reconheceu como medo contraiu-lhe o estômago. Olhou imediatamente para o almirante.
– Senhor? Elliot endureceu o maxilar. Baixou o olhar por um segundo para as mãos e, então, voltou a lhe sustentar o olhar.
– Estou solicitando um favor,neste caso. Vários, na verdade. Tenho certeza de que entende a razão. Chocado, Alfonso olhou outra vez para a pasta, mas não respondeu. Elliot contornou a mesa com passos rápidos, determinados. Só parou quando seu rosto ficou a poucos centímetros do de Alfonso. Por entre dentes, ordenou: – A partir deste momento e até que a missão seja concluída, você se reportará diretamente a mim e ao contra-almirante Lane. Você irá resgatá-la. E a manterá a salvo. Frios olhos azuis fixaram-se em Alfonso como se estivessem gravando as ordens em seu cérebro.
– Traga a minha filha de volta. Sã e salva, tenente. A parte do “senão” não precisou ser acrescentada. A mensagem ficou implícita na maneira como o almirante enrijecia o maxilar, na furiosa veemência de suas palavras.
– Você a resgatará antes que a equipe estoure o local do cativeiro. Vai tirá-la de lá em total segurança. E vai mantê-la escondida e a salvo até que receba a minha ordem para trazê-la de volta para casa. Alfonso não teve que perguntar se a missão era autorizada. Sabia que o contra-almirante se encontrava numa linha bastante tênue, fazendo um favor ao velho amigo. Mas não a ultrapassara. Mesmo que ele próprio o tivesse feito... Tornou a olhar para a foto. O rosto de Anahi o olhava de volta. Uma foto de identificação oficial do governo. O cabelo vibrante estava penteado para trás, mas cachos errantes escapavam para brincar alegremente em torno do seu rosto. A foto captava o azul brilhante de seus olhos, os mesmos olhos que povoavam os seus sonhos. O sorriso sexy parecia um tanto maroto. Lembrava-se bem do contato daqueles lábios nos seus, de seu gosto doce. Tentou conter a onda de fúria que o percorria. Não havia lugar para emoções numa missão. Não numa missão bem-sucedida. E essa seria, prometeu a si mesmo. Encontrou os olhos do almirante com os seus, que estavam igualmente duros e determinados.
– Eu a trarei de volta, senhor. Sã e salva.