Anahi SENTIA a mente rodopiar. Não soube ao certo se o mesmo não acontecia ao seu corpo. Os cinco dias anteriores tinham sido surreais. Como algo saído de um terrível pesadelo, algo com que nem mesmo o subconsciente a teria torturado. E agora terminara? Ou quase terminara?, pensou, olhando ao redor da tenda. Era uma tenda espantosamente bem equipada para uma parada temporária. Dois catres, um fogão portátil, um conjunto de aparelhos que pareciam até capazes de controlar foguetes. Um pequeno arsenal a um canto e uma mesa e cadeiras no outro. E Alfonso no centro. Caixas estavam empilhadas junto a uma das paredes de lona grossa e vários livros encimavam um dos catres. Ela tornou a olhar para ele enquanto se dava conta de que nervos e músculos que haviam ficado dormentes durante o avanço veloz pela neve começavam a protestar. Mas Alfonso não estava prestando atenção. Baixara o capuz e deixara os óculos de proteção de lado para colocar fones de rádio. Observou-o atentamente, notando quais botões ele apertava e quais interruptores acionava.
– Base, aqui é Escoteiro. Refém a salvo. Vamos esperar suas instruções. Escoteiro desligando.
– Isso é tudo? – Ela franziu a testa ao vê-lo desligar tudo com um simples toque de um botão. Quis pegar o rádio e berrar pelo fone. Insistir para que alguém aparecesse e os tirasse dali. Queria voltar para casa, droga.
– Sim, é tudo. Não, ela quis gritar. Queria um banho e roupas quentes. Muito chocolate. Sua própria cama, pipoca, abraçar o irmão.
– Onde estamos? – sussurrou, mais do que preparada para ouvi-lo responder “Em algum lugar congelado do inferno”.
– No Alasca. Na Encosta Norte – explicou Alfonso, movendo-se pela tenda para ligar pequenos aquecedores. Não demorou para que um agradável calor se espalhasse ao redor. Em seguida, ligou uma série de pequenos monitores. Em princípio, pareceram todos brancos, como se estivessem desligados. Aproximando-se mais para olhá-los, ela compreendeu que as imagens brancas eram neve. Enfim, viu no último monitor a rocha atrás da qual ele escondera a motoneve. Eram câmeras de segurança. Alfonso achava mesmo que havia o risco de alguém segui-los? Essa e milhares de outras perguntas fervilhavam na mente de Anahi.
Mas as primeiras que brotaram de seus lábios foram: – Quanto tempo vamos esperar aqui? Alguém virá nos buscar? Quem enviou você para me salvar?
– Ficaremos aqui até recebermos novas instruções – respondeu Alfonso sucinto.
– E isso vai demorar horas? Um dia? Dois? O que significa exatamente? Anahi deu-se conta de que sua voz soara estridente, nervosa, mas não conseguiu evitar. Sentindo-se presa, mal conseguindo respirar, arrancou o lenço do rosto e, freneticamente, tentou desatar os cordões do capuz. Como estava com as mãos enluvadas, não conseguiu. Estava ofegante agora. Pontos pretos espocavam diante de seus olhos. Antes de poder sucumbir ao grito que se formou em sua garganta, Alfonso estava a seu lado. O contato de seus dedos quentes e gentis no rosto gelado dela enquanto desatava os cordões acalmou-a um pouco, especialmente depois que lhe removeu os óculos de proteção e lhe baixou o capuz.
– Respire pausadamente – instruiu-a. – Inspire, prenda o ar e solte-o devagar. Isso mesmo, garota. Continue assim. Sustentando-lhe o olhar, Anahi seguiu as instruções, respirando lenta e pausadamente, até que começou a recobrar o frágil e abalado controle.
– Desculpe – murmurou, enfim. O calor que se espalhou por suas faces deveria ter sido bem-vindo naquele frio rigoroso, mas o constrangimento nunca era bom.
– Não há do que se desculpar – assegurou Alfonso, continuando a afrouxar-lhe a jaqueta e, então, tirou-lhe as luvas. Ocorreu a Anahi que era melhor que não tentasse livrá-la das botas e das meias porque se passaria um longo tempo até que quisesse ficar descalça novamente.
– Você está exausta, estressada e deve estar faminta. A expectativa natural depois de ter sido salva é voltar para casa.
– E tem como me explicar por que não posso? – perguntou ela num sussurro baixo, sem deixar de fitá-lo. Já esperou uma recusa, uma negativa. Era o que o pai teria feito. Todas as informações, incluindo em qual estado do país ela e o irmão iriam para a escola no mês seguinte, sempre tinham sido dadas em cima da hora e de maneira bem sucinta.
– Esta é uma missão de duas etapas. Resgatar você é a primeira. A segunda é neutralizar o inimigo. Se formos apanhados, isso pode comprometer os esforços da equipe. Além disso, é noite. É mais seguro esperarmos até o dia clarear para prosseguir. Anahi estava boquiaberta.
– O que foi? – perguntou ele, enquanto retirava a própria jaqueta para pendurar as duas num gancho.
– Você, bem... Você respondeu a minha pergunta. – Anahi se deu conta de como soava tola assim que fez o comentário. Mas nunca obtivera respostas quando criança. Sempre ouvira que soldadinhos recebiam ordens sem questionar, que questionar era um sinal de desrespeito, de demonstrar dúvida em relação ao superior.
– Você não perguntou sobre informações confidenciais – explicou Alfonso, rindo do que ela julgava um milagre. – Responderei o que puder. Você tem o direito de saber o que está acontecendo. Foi como se ele tivesse aberto as comportas. Antes que Anahi se desse conta do que acontecia, seu rosto estava banhado pelas lágrimas e de seus lábios escapavam soluços convulsivos. Alfonso olhou-a com espanto, parecendo desesperado para fazê-la parar de chorar.
– Desculpe – disse ela, tentando controlar os soluços.
– O que... – Alfonso sacudiu a cabeça, dando-se conta de que aquele não era o momento para uma conversa racional. Vencendo a distância entre ambos, puxou-a para os seus braços. Anahi não se importou com o fato de ter ficado zangada com ele durante meses ou de ter imaginado inúmeras cenas em que tornavam a se ver e, sentindo a sua falta e sofrendo com o distanciamento, ele lhe implorava para deixá-lo entrar em sua vida outra vez. Em sua imaginação, sempre recusava. Na vida real, agarrou aquela oportunidade como se Alfonso fosse o único oxigênio disponível ali. Logo que o fez, suas lágrimas cessaram. Seu coração parou de doer. Sentiu-se como se fosse uma garotinha assustada e ele o seu protetor. Queria que a envolvesse inteira com seu calor, sua confiança.
– Não sei o que há de errado – disse numa voz trêmula e um tanto entrecortada. – Estou a salvo, certo? Estou livre daquele lunático e de suas exigências absurdas. Não pode me fazer mal. O capanga dele não pode me tocar, não é mesmo? Alfonso retesou os músculos por um momento, tenso e, então estreitou-a mais junto a si. Como se pudesse envolvê-la como se fosse um escudo, mantendo-a a salvo, protegida de fato.
– Está em segurança comigo – assegurou veemente. E ela nunca quisera estar com ninguém mais.