Embrulhada quase como uma múmia, com o rosto e o cabelo ocultos, apenas os olhos se viam. E estavam expressivos como nunca, dizendo mais do que mil palavras. Transmitiam preocupação, tristeza, um doloroso adeus. Eram mensagens altas e claras. Assim como os remanescentes de paixão que se alastrava tão facilmente entre ambos. Bastaria ele retribuir com um olhar. Uma só palavra, nem mesmo uma promessa. E poderia fazer com o que havia entre eles prosseguisse. Ela lamentaria o fato eventualmente. Passaria a odiar o trabalho dele, a ligação com um homem em relação ao qual ela tinha sentimentos tão negativos, o próprio pai. Ele odiaria o fato de magoá-la, se ressentiria da pressão silenciosa para que mudasse, e, com o tempo, não tão silenciosa. Mas entre agora e o momento em que tudo isso acabasse acontecendo, poderiam ter muito tempo explorando essa paixão. Tendo sexo incrível. Desfrutando deliciosamente a companhia um do outro. Isso era viver o presente, não? Mesmo sabendo que seria algo que se tornaria extremamente doloroso depois que terminasse.
– Vamos botar para quebrar. Com isso e um sorriso rápido, ele ajeitou os próprios apetrechos em torno do rosto e fez um gesto para que ela passasse pela abertura de saída da tenda. Não trocaram mais uma palavra, nem mesmo depois que ele a prendeu com segurança ao cabo e lhe mostrou como subir enquanto a içassem do alto da montanha. Levaram dez minutos para chegar até a base da elevação. Quando chegara ao local, depois que montara a tenda, Alfonso deixara preparado os ganchos e roldanas para os cabos e cavara buracos para os pés e as mãos na neve congelada. Um pouco de neve se acumulara dentro deles durante as trinta horas ou mais desde então, criando momentos um tanto mais complicados, mas, no geral, foram içados até o alto da montanha de maneira fácil. Como havia feito anteriormente, Anahí manteve o pique e cooperou ao máximo. Ele quis lhe dizer que ela tinha sangue militar nas veias. Era tão corajosa, determinada e forte quanto muitas das pessoas com que ele já servira. Mas achou que ela não veria o seu comentário como um elogio e, portanto, absteve-se de fazê-lo. No alto da montanha, para onde alguns homens da equipe tinham sido enviados previamente, ele afundou os dedos na neve espessa e ergueu-se na beirada com a ajuda do cabo. Então, virou-se, estendendo o braço até Anahí. Sem hesitar, apesar de estarem a dez metros do chão, ela lhe deu a mão e deixou que a ajudasse a subir, primeiro erguendo-a junto à beirada e, então, colocando-a de pé, com o auxílio do cabo e dos demais. Ele mal havia trocado algumas palavras com os homens pelo aparelho de comunicação quando luzes surgiram na trilha montanhosa do lado oposto, para além de onde o veículo em que a primeira equipe subira estava parado.
– A sua carruagem já está vindo – explicou Alfonso a Anahí apontando na direção das luzes.
– Escoteiro, aqui é Tapete Mágico – disse-lhe prontamente o motorista do jipe militar que se aproximava através do aparelho de comunicação.
– Está me ouvindo? – Aqui é Escoteiro – respondeu Alfonso.
– Já o temos no nosso campo visual.
– O pacote já está pronto para ir?
– Afirmativo. O “pacote” o observava com imensos olhos azuis enquanto ouvia o diálogo através dos próprios fones de ouvido.
– Estamos chegando. CAOS levará a encomenda pessoalmente. Tapete Mágico desligando. Droga. O almirante estava no jipe? Ele deveria avisar Anahí. Podia estar livre da responsabilidade pessoal por não ter contado a ela sobre a sua ligação profissional com o almirante, levando em conta as circunstâncias da ocasião. Mas dessa vez? Sabia quem era o pai dela, exatamente onde estava e que chegaria a qualquer momento no jipe. Se lhe contasse, estaria infringindo completamente as normas. Se não contasse, seria o fim de qualquer chance de ambos ficarem juntos. Ele recordou o rosto da mãe de Phil no funeral. Algum dia, poderia ser ele mesmo a estar num caixão coberto por uma bandeira. Poderia pedir a Anahí que aceitasse uma possibilidade dessas? Correr o risco de que, algum dia, fizesse parte de uma cerimônia daquele tipo, aceitando uma bandeira dobrada e condolências militares? Porque ele a amava o bastante para querer estar a seu lado para sempre, compreendeu com um doloroso aperto no coração. E estarem juntos para sempre era algo que não tinha como prometer. Era melhor não prometer nada, não pedir nada. E não deixar nada disponível. Desse modo, Anahi não sairia magoada. E quanto à própria mágoa dele? A angústia profunda que se apoderava do seu coração? Bem, era um soldado especialmente treinado, preparado para lidar com qualquer tipo de dor e sobreviver.
– Obrigada – disse Anahí numa voz tão suave quanto um sussurro através dos fones. Temendo o que mais ela pudesse dizer, Alfonso sacudiu a cabeça depressa e apontou para o grande jipe fechado, montado sobre um grande chassi de tração, para neve que se aproximava do alto da montanha pela trilha. O tempo de privacidade terminara. As comunicações estavam abertas desde o momento em que tinham começado a subir a montanha e não havia mais volta. E logo o almirante estaria ali. Alfonso enrijeceu o maxilar. Era hora de dizer adeus. Anahi observou enquanto o veículo monstruoso se aproximava, parecendo uma tartaruga gigantesca de metal atravessando a neve. Era o seu meio de voltar para casa. De escapar do bizarro inferno em que sua vida se transformara inesperadamente naquela semana. Então, por que foi tomada por uma desesperadora vontade de descer a encosta da montanha e se esconder na tenda? Ou melhor ainda, de se aninhar nos braços de Alfonso e lhe implorar que não a deixasse ir? Ele não lhe permitira agradecer. Porque seriam ouvidos pelos demais, sabia, ou porque talvez também não se sentisse à vontade com agradecimentos. Mas ele a salvara. Salvara sua vida. Sua virtude. E provavelmente sua sanidade. Era um herói. Observou-o enquanto ele se colocava entre ela e o veículo que se aproximava, com um rifle de prontidão, como os demais homens da equipe também estavam. Era o procedimento padrão. Embora Alfonso tivesse falado com o motorista do jipe pelo aparelho de comunicação, não correria risco algum em relação à segurança de Anahí e só ficaria tranquilo depois que tivesse certeza de que eram militares americanos que se aproximavam no veículo. Anahí deu-se conta disso enquanto o observava, vigilante, de prontidão, e, de repente, tudo que ele fizera povoou-lhe a mente numa avalanche de lembranças. Tudo porque era um soldado. Um fuzileiro. Um herói. Como ela podia ter reservas quanto a isso se era graças a todas essas coisas que estava viva? Como podia desejar que Alfonso trabalhasse em outra coisa sendo tão incrivelmente talentoso como um fuzileiro? Enquanto houvesse facínoras e lunáticos e o mal no mundo, homens como Alfonso os combatiam. Mantinham o restante do mundo a salvo, exatamente como ele a mantinha a salvo agora. Quis agradecê-lo novamente. Dizer-lhe quanto ele significava para ela, quanto se sentia grata por tudo que fizera. E quanto estivera errada em rejeitá-lo por causa do trabalho como militar.