PRÓLOGO
ELES A chamavam de Rosa Escarlate.
Quando o nome dela era anunciado em tons sensuais, quase respeitosos, no Leather and Lace, um clube exclusivo para cavalheiros, um silêncio maravilhado começava a deslizar pela multidão. O cômodo ficava mudo, a conversa barulhenta dava lugar a uma expectativa silenciosa.
Empresários com camisas abertas nos colarinhos interrompiam seu flerte sussurrado com as garçonetes usando minissaias pretas e blusas minúsculas. Todos os participantes de uma despedida de solteiro retornavam às suas mesas, acotovelando o noivo para que assistisse e lamentasse. Homens solteiros, que vinham toda semana apenas para assistir a ela, voltavam a se sentar nas poltronas fofas de couro preto e olhavam extasiados para o palco através de olhos semicerrados. Logo o tilintar do gelo nos copos deles era o único som no ambiente luxuriosamente nomeado, até as garçonetes sabiam que não se deveria
interromper a clientela quando Giovanna estava no palco.
Ela dançava apenas duas vezes por semana, aos sábados e domingos, e desde a noite em que começara ali, Giovanna Escarlate se tornara uma das atrações mais renomadas na cena noturna de Chicago. Porque, enquanto a cidade estava há muito acostumada a dançarinas sem emoção tirando suas roupas e girando sob a batida pesada da música sensual, eles simplesmente não tinham visto nada como ela.
Ela não era sem emoção; era elegante. Seus traços delicados e curvas naturais faziam todos os homens que a viam se perguntar como seria tocar aquela pele macia.
Ela não tirava a roupa… ela se despia. Lentamente. Sedutoramente. Como se tivesse todo o tempo do mundo para dar prazer a um homem.
Ela não girava, ela requebrava, movimentando-se com uma graça fluida. Todos os gestos, todas as voltinhas eram um convite para olhar para ela.
A vibração dela não era sexual, era sensual, erótica e expressiva o suficiente para fazer um homem fechar os olhos e percebê-la. Embora, é claro, quando estivesse no palco, ninguém nunca fechasse os olhos.
Enquanto o trabalho dela poderia diminuir algumas
mulheres aos olhos daqueles ao redor, Rosa o dominava, assumia e erguia a um nível artístico em vez de pura excitação sexual.
Ela gostava do que fazia. E eles gostavam de vê-la.
A batida baixa e abafada de um número fumegante começou, porém o palco permaneceu escuro enquanto os assistentes posicionavam uma cortina vermelha de cetim usada. Usada apenas por ela. Havia sido uma adição recente por parte do gerente, que percebera que o clima classudo da artista era parte do apelo da Rosa Escarlate. Assim como o mistério dela.
Enquanto a maioria das outras dançarinas do clube se apresentava sob luzes intensas acima de suas cabeças e em exposição total, Rosa dançava sob sombras e poças de iluminação proporcionadas por holofotes precisamente cronometrados. A máscara de veludo vermelho nunca lhe abandonava o rosto. Muitos imaginavam que o gerente estava brincando com a popularidade da aura de mistério que cercava Rosa
Finalmente, a música ficou mais alta, e os holofotes gelificados, cuja cor variava de um tom de rosa suave ao vermelho-sangue, iluminaram o palco, movimentando-se para frente e para trás, cada um deles tocando brevemente em um ponto: a junção da cortina
de cetim fechada.
– Agora, para o deleite de seus olhos – disse uma voz masculina suave, no sistema de som –, a flor perfeita de Chicago, a Rosa Escarlate.
Ninguém aplaudiu ou cochichou. Ninguém se mexeu. Todos os olhares estavam sobre o centro da cortina, de onde a mão começou a emergir.
Era branca. Delicada, com dedos longos e pulso esguio. Havia um desenho colorido, pintado no corpo, iniciando na ponta de um dedo, como uma folha minúscula. Estava ligado a uma videira, que envolvia a mão dela, em volta do pulso. Quando o braço emergiu, mais da videira frondosa, completa, com espinhos afiados, foi revelada. O desenho cintilava, sensual e perverso, sedutor e perigoso.
Sinuosa, vagarosa, sem pressa, ela surgiu entre o drapeado da cortina, até se revelar completamente. Porém, sua cabeça permanecia abaixada, os longos cabelos castanho-avermelhados escondendo o rosto.
O ritmo pulsava. A dançarina permaneceu parada, como se completamente absorta da multidão. Finalmente, os holofotes mudaram de cor, os vermelhos intensos abrindo caminho a um amarelo suave. E, como se ela fosse um botão fechado sendo acordado em um
amanhecer suave, Rosa começou a se mexer.
Sua cabeça se ergueu lentamente, a beleza delicada do pescoço alvo destacada por mais pinturas corporais. Os cabelos caíram pelas costas quando ela se virou em direção à luz, como se acolhendo a manhã.
Os lábios fartos, vermelhos e úmidos estavam entreabertos, enviando imagens vívidas e fantasias eróticas às mentes de todos os homens que estavam perto o suficiente para conferir seu resplendor… Aquela era uma mulher moldada para a arte do beijo. E do prazer sensual.
E a visão do rosto dela se limitava àquilo ali. Uma máscara delicada de veludo vermelho cobria o restante. A máscara brilhava com joias verdes como aquelas coladas à videira, deixando a plateia certa de que os olhos da mulher sedutora deviam ser de um verde- esmeralda vivo. Como a maioria já sabia que o mistério com relação ao rosto dela não seria revelado, seus admiradores voltaram a atenção ao restante dela.
Ela vestia camadas de um tecido delicado, cortado no formato de pétalas. Ainda agindo como a flor sendo acordada pelo sol, ela começou a se render ao calor do holofote. Requebrando, alongou-se preguiçosamente como um gato sob uma poça de luz. Os movimentos
eram lentos, revelando um pedaço da coxa, um vislumbre do quadril.
Então a música embalou. Assim como o passo dela. Ela arqueou o corpo e requebrou pelo palco com uma graça feminina. Mas, para a maioria, ela parecia solitária, tirada de seu meio, revelando um desejo sensual que implorava pela saciedade que nunca viria.
Qualquer um na plateia teria se oferecido para saciá-
la.
Qualquer um.
Todos os movimentos que ela fazia movimentavam
as camadas esvoaçantes da roupa, até as pétalas quase dançarem em volta dela por conta própria. Elas se entreabriram para revelar as pernas esguias, proporcionando uma espiada aqui e um vislumbre acolá.
E então elas começaram a desaparecer.
Todos os homens do lugar se inclinaram para frente. Sempre que ela se virava, mais um pedacinho de tecido caía no chão. As mãos se movimentavam tão facilmente que as camadas pareciam cair por si só. Os véus externos e volumosos em tom de rosa-claro se foram primeiro, seguidos pelos pedaços de cetim mais pesados. Logo as pernas longas e perfeitamente
torneadas estavam reveladas até as coxas. Uma veste de cetim que lhe cobria a barriga caiu em seguida, arrancada das alças de um top de biquíni.
Ela continuou sua dança de sereia enquanto o tecido caía, o ritmo aumentando, os quadris investindo em resposta. Finalmente, quando já não vestia mais nada além de um fio-dental vermelho reluzente e duas pequenas pétalas rosadas delicadas nas pontas dos seios, ela olhou para a plateia, dignando-se a lhes conceder sua atenção. Normalmente, nesse instante, ela ofereceria um sorriso atrevido, arrancaria as pétalas dos mamilos e então se encolheria atrás das cortinas. Ela lhes lançaria uma olhadela, breve, sexy a ponto de tirar o fôlego, e então desapareceria nos recantos escuros do clube até o momento de sua segunda apresentação da noite. Mas esta noite… esta noite ela hesitou. Não. Esta noite, ela congelou.
Porque, quando deu uma olhadela final para seu público, vendo uma boa quantidade de rostos familiares na plateia, sua atenção foi capturada por uma figura sombria nos fundos do cômodo, ao lado do balcão do bar. Ignorando o silêncio cheio de expectativas daqueles que já conheciam sua performance, de todos que estavam aguardando pelo desfecho compensador
que tinham ido ver, ela concentrou toda sua atenção
nele.
Não conseguia enxergar muita coisa daquela distância, tanto por causa da máscara que usava quanto por causa dos holofotes ainda reluzindo em seu rosto. Mas Rosa viu o suficiente para que seu coração, que já batia freneticamente por causa da performance, acelerasse enlouquecidamente.
Dali, ele parecia ter cabelos negros, olhos negros e roupas também negras. Ela não conseguia distinguir nenhum dos traços dele, apenas aquela presença alta e sombria, com ombros largos e quadris estreitos. Ele podia ser perigoso, considerando seu tamanho e a escuridão sombria que o engolia sob o ponto de vista dela, mas agora, naquele momento, Rosa se sentia atraída por ele. Arrebatada. Fascinada.
Os olhares de ambos se sustentaram. Ele sabia que havia captado a intenção dela. E, naquele instante, ela desejava desesperadamente descer do palco, cruzar o salão, aproximar-se o suficiente para ver se o rosto dele era tão belo quanto sua forma sombria sugeria. E então mais perto ainda, para ver quais verdades repousavam naquelas profundezas misteriosas daqueles olhos negros como tinta.
Mas de repente alguém assobiou… e outra pessoa vaiou. Ela percebeu que havia perdido o ritmo da música, a dança, a plateia e todos os motivos pelos quais estava ali.
Excitação. Sedução. Aqueles eram os motivos pelo quais ela estava lá. E isso tornava ainda mais estranho o fato de que, agora, era Rosa quem estava sendo seduzida.
Chega. Hora de finalizar.
Varrendo o olhar pela multidão, ela lançou a todos um olhar perversamente sexy, como se a pausa tivesse sido inteiramente proposital. E inteiramente para o deleite pessoal deles. Com aquele olhar, ela os convidou a imaginar quem havia acabado de lhe despertar a excitação, lambendo os lábios em expectativa. Quem havia feito a pele dela corar, seu sexo umedecer e os mamilos enrijecerem.
Ela só desejava saber a resposta.
Com mais uma olhada longa de soslaio por entre olhos semicerrados, ela pôs as mãos nas pequenas pétalas, róseas para combinar com a pele delicada de seus mamilos tesos, e as arrancou.
A multidão estava uivando quando ela desapareceu atrás da cortina. Eles aplaudiram por longos minutos
durante os quais ela recuperou o fôlego e tentou obrigar a pulsação a retornar à sua batida normal, calculada.
Quando se acalmou, aproveitou uma oportunidade para espiar através da cortina, o olhar cercando aquela região escura perto do bar.
Porém, o estranho sombrio havia ido embora.