NOS DOIS dias seguintes, Anahi começou a perder a cabeça gradativamente. Começou? Diabos, ela estava perdendo a cabeça desde que a noite em que caíra em uma mesa cheia de biscoitos e Alfonso Herrera pousara em cima dela. O sujeito a estava consumindo há anos. Naquela semana, no entanto, ele estava rumo à vitória da medalha de ouro na competição “Vamos Enlouquecer a Anahi”.
Depois de sua tentativa de sedução fracassada na Leather and Lace, ele a evitava o máximo possível quando estava no trabalho. Eles não ficaram a sós de jeito nenhum durante todo o restante do sábado à noite, ou quando ambos trabalharam outra vez no domingo. Do mesmo jeito. Ela ainda estava marcada pelo que tinha acontecido no restaurante naquela tarde.
Ele levava seu trabalho muito a sério, certificando-se para que ela nunca fosse sozinha a lugar algum. Mas ele não ficara a sós com ela nem por um minuto. Era como se temesse que a “Rosa” fosse dar em cima dele mais uma vez na primeira oportunidade que conseguisse, e estivesse se certificando para que ela
não conseguisse tal oportunidade.
Grrrr… homens. Tão desconfiados.
Mas, se Alfonso a estava frustrando com sua indiferença na boate à noite, de dia ele a estava matando totalmente. Ele havia aparecido diversas vezes nos últimos dias, surgindo na confeitaria para comer um bolinho e beber um café. E em todas as vezes ele estava todo fofinho, doce e sensual. Tão diferente do sujeito sombrio e concentrado na boate que ela teria achado que eram duas pessoas diferentes.
Ela honestamente não sabia qual deles a atraía mais. Provavelmente qualquer um com quem ela por acaso estivesse na hora. Engraçado… ele a conhecia como duas mulheres diferentes. E, ao mesmo tempo em que o nome dele era Alfonso em qualquer um dos casos, ela o conhecia como dois homens diferentes também.
Ambos estavam bagunçando a cabeça dela. Ela estava cometendo todo tipo de erro bobo na confeitaria naquele dia, como usar extrato de hortelã em vez de amêndoas em uma fornada de biscoitos.
Desistindo da cozinha, já que Anahi tinha muitas horas antes de os pedidos de restaurantes precisarem ser entregues, ela resolveu resolver um pouco da burocracia antes de fechar. Era logo depois do almoço,
e ela estava trabalhando sozinha, mas podia ouvir o sino caso alguém entrasse.
Mas até isso não deu certo. Ela adicionou uma coluna em um recibo de pagamento quatro vezes e ainda assim o valor não batia. Estava tentada a telefonar para Camil e pedir à prima para acertar os livros de finanças. Mas, a julgar pela conversa que haviam tido mais cedo naquele dia, Camila finalmente havia conseguido chamar seu vendedor de carros de cabelo bagunçado para sair. E Anahi não queria fazer nada que a distraísse.
Anahi só queria que ela mesma tivesse uma distração. Porque ela não conseguia tirar Alfonso da cabeça. Ele havia invadido sua vida. Não, as duas vidas dela. Quando ele a encarava de lá do outro lado do salão e a devorava com seus olhos à noite, enquanto a rejeitava fisicamente, ela se sentia pronta para uivar de fúria.
E quando ele aparecia ali durante o dia, o vizinho bonitão que queria lamber o creme dos doces dela, e ela era obrigada a rejeitá-lo? Era o inferno puro.
Ela desejava Alfonso, o guarda-costas à noite. Não
Alfonso, o sujeito sensual do quarteirão durante o dia.
Ela queria sexo. Não romance. Queria algo temporário. Não eterno.
Queria sexo com ele. Não namorá-lo.
Era simplesmente uma questão de vontade para determinar qual delas possuía o que eles desejavam primeiro. Deus, ela esperava que fosse ela.
– Anahi?
Assustada, Anahi deu um gritinho e se virou em direção à entrada da loja, vendo um cliente ao balcão. Tanta coisa estava acontecendo que ela fora ensurdecida pelos próprios pensamentos.
Reconhecendo a mulher, um sorriso cansado tomou seus lábios. Lilith era uma cliente regular que supostamente era capaz de ler pensamentos. Um pouco avoada, mas uma cliente boa, legal.
– Desculpe. – Ela limpou as mãos no avental. – Minha cabeça estava nas nuvens.
– Se todas as nuvens tivessem o cheiro dessa confeitaria, não seria um lugar ruim para ficar.
Talvez para a clientela. Mas, depois de praticamente morar naquele lugar durante dois meses, Anahi estava saturada dos cheiros doces nauseantes que invadiam suas narinas da manhã até a noite.
– Acredite, não é tão bom ir do trabalho para casa com o cabelo com cheiro de licor de anis e as roupas exalando gengibre.
– Veja pelo lado positivo, dizem que o cheiro de alcaçuz é ótimo para quem está de dieta porque controla seu apetite.
Não parecia para ela que a morena sensual e de cabelos curtos tinha algo com que se preocupar no que dizia respeito a isso. Honestamente, nem para Anahi. Há muito ela havia perdido seu apetite por doces… nada mais de cintas modeladoras para ela.
– O alcaçuz de frutas mantém o apetite. Eu tento ignorar os cheiros aos menos alguém queime alguma coisa.
– Ah, qual é, ninguém na Natale’s nunca deixa queimar nada.
Lavando as mãos rapidamente, Anahi não as secou antes de Lilith apontar impacientemente para a única bomba folhada de creme remanescente no mostruário.
Quando Lilith disse a ela que comeria na hora, em vez de embrulhar para viagem, Anahi pediu:
– Pode ler a minha mão?
Ao mesmo tempo em que não acreditava totalmente naquele tipo de coisa, Anahi sabia que muitos clientes confiavam muito nas leituras espirituais de Lilith. Embora nunca tivesse cogitado isso antes, Anahi meio que se perguntou se outra mulher poderia ajudá-la a
resolver o atoleiro que estava sua vida. Especialmente a parte que envolvia Alfonso.
– Não, estou tirando uma folga do mundo mediúnico agora.
– Que sorte a minha. Pela primeira vez na vida acho que eu realmente pagaria para que alguém me contasse quem diabos serei na semana que vem.
Anahi, a confeiteira? Anahi, a stripper? Anahi, a nova- iorquina? Anahi, a moça de Chicago? Anahi, a excitada?
Aquela era uma questão para a qual ela realmente queria uma resposta. Será que ela iria conseguir sexo um dia outra vez, e, ah, por favor, por favor, por favor, será que seria mesmo Alfonso Herrera o responsável por tirar seu atraso?
Ela não perguntou nada daquilo a Lilith, embora a médium tivesse prometido que tentaria ajudá-la assim que estivesse “de volta à ativa”, fosse lá o que isso significasse. Mas talvez fosse tarde demais. Ela poderia já ter feito algo estúpido, como fazer sexo com Alfonso o guarda-costas, travestida de Rosa Escarlate. O que seria fabuloso, mas faria com que ele a odiasse se descobrisse a verdade.
Ou algo mais estúpido, como sair em um encontro com Alfonso, o cara que morava no quarteirão, o que faria
os pais dela começarem a planejar o casamento deles. Então ela odiaria a si mesma.
Pedindo um cappuccino para acompanhar a guloseima, a morena misteriosa ficou à vontade em uma mesa em frente, ligando um laptop. Depois de preparar um cappuccino espumoso, Anahi o levou para ela.
– Navegando um pouco?
– Vou tentar. O máximo que já usei da internet foi atualizar meu site e responder ao meu e-mail.
– Não se esqueça das compras on-line. Ou talvez você queira começar a assombrar algumas salas de bate-papo?
– Não, estou fazendo pesquisa.
Deixando a mulher à vontade, Anahi voltou ao trabalho. Concentrando-se em limpar o mostruário, ela ficou surpresa ao ouvir a sineta chacoalhando quando mais um cliente tardio adentrou. Essa mulher ela não reconheceu… e definitivamente não teria reconhecido se a tivesse visto antes. A morena de pernas longas estava vestida com roupas de couro preto lustroso e parecia uma gata predadora. A pequena moto estacionada do lado de fora sugeria que a mulher era do tipo que corria riscos e quebrava regras.
Anahi gostou dela logo de cara.
– Ei, Anahi – chamou Lilith –, o que você entende de computadores?
Oferecendo um sorriso breve à nova cliente, ela respondeu:
– Bem, não sei como encontrar fotos do Heath Ledger sem roupa, e não descobri como enviar raios mortais para spammers, mas sou responsável pelo site da confeitaria. – Era bem básico, mas Anahi tinha muito orgulho dele.
– Saquei. Então você sabe como aumentar fotografias? Outras que não sejam de atores de cinema pelados?
Anahi sorriu.
– Sim, dê-me um segundo. – Ela olhou para a recém- chegada. – O que posso fazer por você?
– Um café expresso e uma bomba folhada de creme.
– Sinto muito, Lilith pediu nossa última bomba. Optando apenas pelo expresso, a mulher pagou e
aguardou por sua bebida. Após prepará-la, Anahi foi até
Lilith para ver que tipo de ajuda poderia oferecer.
Não foi de muita utilidade. Acontece que a médium precisava aumentar uma imagem granulada de um jornal para ver um anel no dedo de um sujeito. E Anahi
simplesmente não possuía o conhecimento de como fazê-lo.
A recém-chegada com roupas de couro, no entanto, possuía. Juntando-se a elas, ela fez algumas perguntas, então se abaixou sobre o computador de Lilith e se pôs a trabalhar. Observando-a digitar, os dedos voando sobre o teclado, Anahi imaginou que a mulher tivesse experiência no assunto. Mas, quando ela confessou que estava invadindo o site do jornal para tentar encontra a foto original, Anahi suspeitou que a mulher tivesse muito mais do que simples coragem.
Ela era misteriosa. Talvez até mesmo um pouco perigosa.
Na verdade, ambas pareciam assim, na verdade. Lilith com suas supostas habilidades psíquicas. A outra mulher com sua atitude arriscada, do tipo “quem se importa?”. Tão diferentes da pequena Anahi da confeitaria.
Talvez, no entanto, não muito diferentes da Rosa Escarlate. Ela se perguntava o que aquelas duas iriam pensar se soubessem que ela não era exatamente a doce e simples confeiteira que aparentava ser.