Anahi se sentou em um dos outros bancos, diante dele, a caneca sobre o balcão entre eles. Observando-o
atentamente, com um pouco de receio, ela predisse a própria curiosidade antes de as palavras deixarem sua boca:
– Como você aguentava dia após dia?
Era uma boa pergunta, e uma que ninguém havia feito a ele ainda. Ah, ele recebera perguntas sobre a ação e as coisas que vira. Perguntaram se ele havia atirado em alguém, matado alguém, salvado alguém. Perguntaram o que ele fizera para aliviar o tédio, para completar sua missão.
Mas ninguém havia perguntado o que o mantivera firme todo santo dia. Não até agora.
– Desculpe, isso provavelmente não é da minha conta.
– Tudo bem. Se quer saber a verdade, foi isto que me manteve firme. – Ele gesticulou para o cômodo.
Ela franziu o cenho ceticamente.
– Não falo da confeitaria. Falo desse estilo de vida. Um lar, família, toda a segurança e proteção com os quais cresci e que pensei que estariam exatamente os mesmos quando eu voltasse. Só que… não estavam.
Encarando-o, Anahi revelou seus pensamentos em seus expressivos olhos azuis. Ela entendia o que ele queria dizer… compreendia exatamente. Alfonso não
desviou o olhar, apreciando a conexão, embora eles estivessem separados por vários metros de ar perfumado. Mentalmente, no entanto, eles estavam se tocando. Criando um vínculo. Compartilhando a marca única de alienação que cada um estava sentindo com relação ao mundo no qual haviam crescido.
Ela balançou a cabeça finalmente.
– Bem, obviamente você tem algumas coisas a resolver, rapazola.
Ele sorriu, lembrando-se do que havia dito sobre
Mogli, o menino lobo.
– Sim, bem, você também, certo? Você não conseguiu o que esperava quando voltou para casa, não é?
Ela balançou a cabeça negativamente.
– O que você fazia em Nova York, afinal? – perguntou ele, sem saber a história toda. Ele sabia que Anahi tinha um bom emprego lá, mas que havia desistido para voltar para casa e ajudar a família.
– Eu trabalhava… no ramo artístico – murmurou ela, levando a caneca à boca. Ela soprou por cima do café, mandando vapor pelo ar. O calor lhe coloriu as bochechas, já coradas por um tom rosado delicado devido ao calor da agitação na cozinha. – No palco.
Uma atriz. A ideia o surpreendeu por um segundo, embora fizesse sentido. Anahi era bonita e tinha personalidade, e muita autoconfiança. Ele suspeitava que ela fosse sensacional no palco.
– Mas eu me machuquei no último inverno e não trabalhei desde então.
Ele baixou a caneca, aguardando.
Uma pequena ruga surgiu entre os olhos dela quando explicou:
– Rompi meu ligamento cruzado anterior no joelho esquerdo e precisei ser operada. Foi necessário um longo período de reabilitação.
– E você passa o dia inteiro trabalhando em pé na cozinha? – perguntou ele, estarrecido ao pensar em quanta dor ela deveria ter experimentado. Ele conhecia sujeitos que haviam tido tais lesões durante sua vida esportiva na escola. Não era nada divertido.
– Estou melhor. – Ela apontou para o banquinho onde estava sentada. – E trabalho bastante sentada.
Alfonso queria saber mais. Muitas coisas. Como o tipo de vida que ela levava em Nova York e se alguém havia compartilhado aquela vida com ela. E o sabor do pescoço dela. E o que ela planejava fazer uma vez que o pai estivesse bem o suficiente para retornar à
confeitaria. E o que ela havia comido hoje que tinha deixado seus lábios tão vermelhos. E por que ela estava resistindo a algo que estava acontecendo entre eles.
E quando ela iria estar na cama dele.
Porém, o telefone interrompeu antes que ele pudesse perguntar, muito menos conseguir respostas. Pedindo licença para atender, Anahi revelou frustração em todas as palavras trocadas com seu interlocutor. Alfonso ouviu o suficiente para compreende o que estava acontecendo: a pessoa responsável pelas entregas que trabalhava em meio período telefonava para avisar que estava doente.
– Não consigo acreditar nisso – murmurou ela, depois de desligar o telefone. – Todos estes pedidos, e ele deixa por minha conta. – Quase resmungando, ela acrescentou: – Os Cubs vão jogar hoje? Parecia que o filho da mãe estava no estádio.
Feroz. Ele gostava disso.
– Não xingue, Any, Eu vou ajudar. Piscando, ela respondeu:
– Hein?!
– Vou ajudar você a realizar as entregas. – Saltando do banco, ele foi até um carrinho alto carregado com
caixas de papelão rotuladas com os nomes de diversos restaurantes locais. – Afinal – disse ele, oferecendo um sorriso pueril por sobre o ombro –, para que servem os amigos?