QUANDO Alfonso conseguiu enfrentar mais uma noite na Leather and Lace sem assisti-la dançar, Anahi ficou um pouco nervosa. Ela não queria perguntar para ele a respeito das noites seguintes, afinal eles estavam se divertindo tanto fazendo coisas loucamente sensuais um com outro. Mas não conseguia evitar se perguntar sobre o assunto.
Na noite de domingo, Alfonso estivera ocupado demais para observá-la dançando. Ou assim ele alegara. Ele convenientemente precisava apagar mais um incêndio na boate toda vez que ela estava agendada para dançar.
Suspeito. Ela não queria estar desconfiada, mas estava.
Ele havia dito que podia lidar com isso… mas não estava agindo como se ao menos quisesse tentar.
Não era que ela não compreendia. Na verdade, colocando-se no lugar dele, diria que provavelmente teria um grande problema com outras mulheres olhando cobiçosamente para o homem dela, pensando em
maneiras de ter aquele corpo incrível e rosto maravilhoso.
O homem dela. Dela? Ai, Deus, será que de alguma forma ele havia se tornado o homem dela?
Sentada em seu apartamento, Anahi percebeu que sim, que em algum momento nas semanas mais recentes Alfonso havia se tornado o homem dela.
Talvez tivesse sido quando ele fizera amor com ela na traseira da van. Ou quando ele cuidara dela depois da queda no camarim. Talvez fosse por causa do sorriso sensual dele e do jeito íntimo como ele a observava quando achava que ninguém estava olhando.
Talvez fosse até mesmo por causa do jeito como ela se sentia todas as vezes que acordava nos braços dele.
Aqueles momentos antes do amanhecer. Sim. Provavelmente aqueles momentos tinham feito isso.
Porque, toda vez que acontecia, fosse no apartamento dele ou no dela, Anahi sentia necessidade de ficar ali o observando dormir. Analisando a linha rija do maxilar dele e a curva da bochecha. Perguntando-se como um homem poderia ter uma boca tão sensual e ainda assim ser tão durão. Perceber as pequenas cicatrizes no corpo dele, e a tatuagem, e lamentar pelas coisas que ele deveria ter passado
quando era soldado.
Sim. Naquele momento, o coração dela se abriu. E ela o deixou entrar da mesma forma que havia adentrado em seu corpo.
Havia momentos com os quais ela se permitia não se importar. Ao menos cogitar se poderiam fazer aquela relação louca funcionar. Talvez um casamento mascarado… a Rosa Escarlate e o sensual vigilante noturno.
Aquilo era tão careta.
Mas não era mais louco do que ideia de uma união oficial entre Anahi Portilla e Alfonso Herrera da rua Taylor.
– Será que isso seria realmente tão ruim? – sussurrou ela. Anahi estava dizendo a si que seria, mas em momentos como aquele tinha grande dificuldade de se lembrar por quê. – Preciso de açúcar – murmurou ela quando seguia para a cozinha, morrendo de vontade de comer um doce. Ela era boazinha na confeitaria e tentava resistir à tentação, então nunca levava nada para casa. Em momentos como aquele, no entanto, Anahi se arrependia dessa disciplina.
Alfonso havia telefonado há pouco, dizendo que estaria saindo da pizzaria dentro de uma hora e que iria dar uma passada lá. Ela olhou para o relógio, perguntando-
se se tinha tempo para correr até o mercado da esquina. Estava tão desesperada que encararia até um pacote de bolinhos industrializados a essa altura.
Antes que pudesse pegar seus sapatos e sair para comprar algo para se empanturrar, o celular tocou. Olhando para o identificador de chamadas e reconhecendo o número da cidade de Nova York, ela começou a sorrir imediatamente, encontrando agora outra rota de fuga infalível, pelo menos mentalmente, de seus problemas.
– Lay – exclamou ela, quando atendeu.
– Amiga! – Foi a resposta. – Faz uma eternidade que não nos falamos. Onde você esteve?
Jogando-se no sofá, Anahi colocou os pés para cima e se recostou, tão feliz por ouvir uma voz de sua vida pregressa que se perguntou se o destino havia enviado a ligação de Layane como algum tipo de presente mental. Layane era uma boa amiga da época das Rockettes. A morena impressionante de pernas longilíneas tinha sido colega de quarto de Anahi durante a turnê e as duas se deram bem desde o primeiro dia de estadia no hotel, quando optaram por pedir batatas fritas ao serviço de quarto às 2h, apesar da ordem das supervisoras para que fossem dormir às 23h.
– Ainda estou em Chicago.
– Ainda mexendo com a confeitaria? – perguntou Layane, soando completamente chocada. – Não acredito que você durou tanto tempo assim aí.
– Junte-se ao clube. Algumas vezes me esqueço de que não passei os últimos sete anos com os braços enfiados até o cotovelo em massa de biscoito.
– Como está seu pai?
– Melhorando a cada dia, e já perturbando a minha mãe para que ela o deixe voltar a trabalhar.
– Isso é ótimo. E, assim que ele voltar, você pode largar tudo.
Sim, ela podia. Por que aquela ideia lhe dera uma injeção de tristeza Anahi não sabia. Não era como se ela gostasse de trabalhar na confeitaria. Mesmo que tivesse feito amizade com toda a equipe, desenvolvido intimidade com os clientes dos restaurantes e com os fregueses regulares que passavam todo dia para tomar café da manhã.
Bem, talvez ela gostasse. Um pouco. Mas certamente não o suficiente para querer ficar ali permanentemente.
Layane riu baixinho.
– E aí você pode voltar para casa. Ainda está
pensando em virar coreógrafa ou professora de dança?
Sim, mas não tanto nos últimos tempos, no entanto. Mas ela não disse isso a Layane.
Felizmente, a amiga mudou de assunto:
– Você precisa voltar logo para casa. Está perdendo tanta coisa… – Iniciando uma explicação de todas as coisas que estavam acontecendo, com as Rockettes e com a vida pessoal dela, Layane logo fez Anahi rir tanto que ela precisou limpar as lágrimas. A amiga era indômita e a mulher mais corajosa que ela já conhecera.
As histórias eram divertidas, particularmente quando contadas com o toque de Layane. Mas, mesmo enquanto gargalhava, Anahi não conseguia evitar se perguntar se a amiga estava verdadeiramente feliz. Ela soava um pouco… vazia. Solitária. Entediada.
O que fez Anahi se lembrar subitamente do jeito como estava se sentindo pouco antes de machucar a perna.
Exatamente do mesmo jeito.
Todas as coisas que Layane estava descrevendo eram coisas que Anahi estivera fazendo alguns anos antes em Nova York. Ela não sentia falta de nenhuma delas. Honestamente, tudo de que ela sentia falta de fato eram das amigas e do apartamento. O estilo de
vida ela já havia começado a superar antes mesmo de ser obrigada a abandoná-lo.
Voltar àquela vida não soava muito palatável.
Ela afastou aquele pensamento louco… Não retornar para a vida dela? Insano. Como se ela tivesse algo melhor rolando… aqui?
– Então, quem foi o sujeito que você jogou no chafariz?
– O cara francês. Pierre de Paris. Só que acho que o nome dele provavelmente era Petey de Poughkepsie ou coisa assim. Ele não era mais francês do que a torrada seca de trigo que comi esta manhã. – Suspirando, a amiga perguntou: – Por que homens são tão ruins?
– Nem todos são – disse ela, antes mesmo de pensar melhor no assunto.
Layane captou o tom na voz dela e se agarrou a ele.
– Conte. Quem é ele? O que ele faz? Quando você começou a sair com ele?
Não tendo ninguém em quem realmente confiar desde que havia chegado ali… sobre seus sentimentos, seu relacionamento com Alfonso, ou mesmo um pouquinho sobre seu sensual emprego de fim de semana, ela se flagrou contando tudo para Layane. Falou por uns bons cinco minutos, sem deixar a amiga
interromper. Finalmente, percebendo isso, ela sussurrou:
– Você ainda está aí? Layane murmurou:
– Ai, querida. Isso é sério. Sim. Era. Muito sério.
– Esse Alfonso... Eu me lembro de você falando a respeito dele.
Anahi temia isso. Alfonso sempre fora, para ela, o homem dos sonhos que ela nunca tivera.
Agora ela o tinha para si. E não sabia se iria conseguir ficar com ele. Ou se ele ao menos queria que ela ficasse, considerando que mais uma vez ele não tinha sido capaz de assistir a ela dançando na boate.
– Ele pode ser um homem com quem vale a pena sossegar, Anahi. Desistir da dança… Espere. Qual é o nome do lugar que você falou, onde está dançando?
Ela devia saber que isso interessaria mais à amiga do que qualquer romance em potencial.
– Chama-se Leather and Lace.
– Caramba, garota, você está tirando a roupa.
– Sim. Estou tirando a roupa. E estou me divertindo horrores. – Bem, o strip-tease não estava lhe rendendo a diversão. Alfonso estava. Mas ela já havia falado o
suficiente sobre Alfonso.
Layane exigiu saber todos os detalhes da vida secreta de Anahi, não soando nem um pouco crítica e fazendo um monte de perguntas.
– Isso parece divertido. Sabe, pensei em fazer aula de strip na minha academia, mas há uma lista de espera.
– Você está brincando!
– Não, querida, não estou. Está super na moda… Tem uma lista de espera de três meses para entrar na turma e todo mundo que conheço está colocando o nome lá. Se você voltar, precisa me ensinar a fazer isso e talvez eu me aposente e podemos inaugurar uma escola em algum lugar. Ensinar as donas de casa a mexerem o traseiro.
Anahi riu baixinho diante daquela ideia boba. Então pensou na palavra que Layane tinha utilizado. Se.
– O que você quer dizer com se eu voltar? Por que eu não voltaria?
Layane ficou calada, como se pensando no que dizer. Sabendo que a amiga possuía a sabedoria das ruas que Anahi nunca tivera, ela queria muito ouvir a resposta. Qualquer coisa sobre a qual Layane refletisse era digna de ser ouvida.
Finalmente, a amiga murmurou:
– Por que você voltaria, quando a vida que você realmente deseja está aí?
– Você acha que eu quero ser uma confeiteira pelo restante da minha vida? – protestou Anahi, chocada pelo fato de a amiga ao menos sugerir isso.
– Não sei se você quer ser uma confeiteira ou uma stripper. Uma entregadora de pizza ou uma bailarina. Tudo que sei é que, o que quer que você termine querendo fazer, estará atrelado àquele homem que você amou por metade da sua vida.
Anahi ficou boquiaberta. Ela estremeceu com tanta intensidade que o telefone caiu em seu colo. Atrapalhando-se para pegá-lo, ouviu as palavras de Layane ecoando em sua cabeça. Principalmente porque tinham vindo muito depressa, apenas meros minutos, depois que Anahi estava se desdobrando para tentar descobrir exatamente o que sentia por Alfonso.
Ela realmente não devia ter de pensar tanto no assunto. Sabia o que sentia por Alfonso. Era a mesma coisa que sempre sentira por ele, só que mais profunda agora, adulta. Sensual. Madura.
Eterna.
Layane estava certa. Ela o amava. Parte dela sabia
que ela deveria se sentir mal por isso, afinal era o que ela temera… e o motivo pelo qual ela derrubara as barreiras entre eles quando ele correra atrás dela pela primeira vez. Mas Anahi já sabia que não se arrependia de ter cedido. Como poderia se arrepender, quando estava se sentindo tão emocionalmente viva em anos?
– Você ainda está aí? – perguntou a amiga, quando
Anahi finalmente levou o celular à orelha outra vez.
– Ainda estou aqui.
Layane riu. Então, numa voz muito baixa, acrescentou:
– É melhor eu comparecer ao casamento.
E então tudo o que Anahi ouviu em seguida foi o silêncio.
– EI, IRMÃOZINHO, quando você vai vir conversar com o advogado de assuntos comerciais comigo e com o Papà?
Alfonso olhou para Tony, que o seguiu porta afora no Herrera`s na tarde de sexta-feira. Ele estava planejando subir o quarteirão para ir até a Portilla`s. Estava com muita vontade de comer bombas de creme. Bombas bem fresquinhas que só poderiam ser encontradas na cozinha de Anahi.
Ou em Anahi. Mas esse era outro tipo de sobremesa imoral.
– Sei lá, Tony, eu realmente não pensei nesse assunto.
O irmão franziu a testa.
– Não entendo. Pensei que estivesse tudo acertado. Você sabe o quanto Papà deseja se aposentar totalmente.
– Bobagem.
Rindo, o irmão assentiu em concordância.
– Tudo bem. Sabemos que ele não vai nem mesmo sair da cozinha até alguém arrancar a colher de madeira da sua mão para que ele possa ir ao próprio funeral. Mas eu sei que ele está esperando que você sossegue.
Alfonso sossegar. Soava tão arcaico. E opressor.
– Se você está preocupado a respeito de se juntar a nós como parceiro comercial em vez de ser apenas um funcionário, certamente estou disposto a permitir que você compre uma parte da empresa com aquele dinheiro que disse que economizou enquanto estava no serviço militar.
Honestamente, aquela tinha sido uma das grandes preocupações de Alfonso. Ele não queria ninguém o cobrindo; desejava pagar uma parcela justa. E, se ele
estivesse cogitando entrar nos negócios com Tony, com certeza iria insistir naquelas condições. Possuía o dinheiro, tinha o desejo de se envolver em um negócio de sucesso e de ajudá-lo a crescer.
Mas tal negócio não era uma pizzaria. Ele sabia do fundo do coração. Só não tinha descoberto ainda como contar isso à família.
– Não tomei nenhuma decisão.
Tony o encarou, obviamente tentando descobrir o que estava acontecendo na cabeça do irmão. Alfonso pensava no melhor jeito de expressar que não desejava a vida que a família havia mapeado para ele. Mas, antes que qualquer um dos dois pudesse dizer qualquer coisa, Alfonso viu Anahi subindo a rua, vindo por trás de Tony. Levando em conta que seu irmão era uma montanha de tão grande, ela provavelmente ainda não tinha visto Alfonso.
A visão do rosto dela trouxe um sorriso bobo ao rosto dele. Mas ele não se importou. Pelo menos não até seu irmão se virar para olhar por cima do ombro para o que quer que o tivesse deixado tão feliz.
– U-hu – disse Tony, quando olhou para Alfonso de novo. – Anahi? É a Anahi? Caramba, Maite vai adorar isso.
– Maite não vai ficar sabendo disso – murmurou Alfonso. Anahi estava a menos de 20 passos de distância e, se ouvisse sobre o que eles estavam conversando, ela provavelmente iria fugir. E então iria ignorá-lo pela semana seguinte até ele ser capaz de contornar as defesas dela outra vez.
Diabo, mas a mulher era espinhosa.
– Por que não? Caramba, a família vem querendo que vocês fiquem juntos desde sempre.
– Esse é o problema. Anahi não é o tipo de mulher que gosta de fazer o que esperam dela.
Talvez fosse um motivo pelo qual eles se dessem tão bem. Porque Alfonso se sentia exatamente do mesmo jeito a respeito da própria família. Ele só não tinha sido capaz de deixar isso claro para eles ainda.
– Tudo bem, não vou fazer nada para estragar isso. Mas não sei por quanto tempo vou conseguir esconder de Maite. – Tony sorriu, balançando a cabeça para frente e para trás. – A mulher consegue arrancar qualquer coisa de mim com aquela sensuali…
– Não quero ouvir isso – interrompeu Alfonso gentilmente. Ele continuou a observar Anahi, percebendo o instante exato em que ela o viu. Um sorriso breve lampejou no rosto dela. Mas, quando ela viu quem
estava com ele, o sorriso desapareceu.
– Oi, Tony. Alfonso – murmurou ela, chegando até eles. Ela soava tão fria e calma. Como se não tivesse estado em uma banheira enorme com bolhas quentes e champanhe gelado com ele 12 horas atrás, amando-o até a água esfriar e o champanhe esquentar.
Deus, que noite! Mais uma noite fantástica nos braços de Anahi.
Ele não sabia o que faria sem aquelas noites.
– Como vai, cunhadinha? – perguntou Tony, oferecendo-lhe um abraço. – Desculpe por não ter podido almoçar com vocês no domingo. O trabalho… está me matando. – Ele olhou para Alfonso e movimentou as sobrancelhas. – Se ao menos eu tivesse um sócio para poder tirar folga…
Alfonso deu um jeito de suprimir um suspiro. Então voltou a atenção para Anahi
– Eu estava exatamente a caminho da confeitaria. Estou louco por algo doce.
Ela riu.
– Ontem à noite eu também estava. Quase saí e comprei um bolinho industrializado para me acalmar até você… – Ela calou a boca rapidamente, lembrando- se de que Tony estava ali.
O irmão mais velho de Alfonso nunca tinha sido o rei da atuação. Na verdade, a esposa o chamava carinhosamente de “cabeça de vento”. Bem, geralmente era de modo carinhoso. Agora, no entanto, Tony conseguiu se safar:
– Bem, foi ótimo ver você, Any, mas preciso voltar ao trabalho. Alfonso, você pode dar uma passada no banco depois que for à confeitaria e pode também trazer algumas das fabulosas bombas de creme da Any para a gente?
Eles estavam com um estoque imenso de bombas de creme no restaurante; porém, presumiu ele, era o melhor que Tony conseguia fazer tão em cima da hora.
– Claro, Tony. Pode apostar que sim.
Ambos observaram Tony retornar ao restaurante, com cumprimentos alegres e bons votos a todos os clientes pelos quais passavam no caminho de volta à cozinha. Quando ficaram a sós na calçada, Anahi continuou a encarar a porta de vidro do restaurante. Finalmente, ela murmurou:
– Ele sabe, não sabe? Alfonso assentiu.
– Como?
Com um dar de ombros impotente, ele lhe contou a
verdade:
– Ele viu meu olhar quando notei você vindo em minha direção agora há pouco.
Ela finalmente desviou o olhar da porta e o direcionou para Alfonso. Encarando-o, buscou o significado do que ele havia dito.
Ele não tentou esconder. Estava apaixonado por Anahi e seus olhos afirmavam isso, mesmo se sua boca não o fizesse.
Ele só não sabia se ela queria enxergar a verdade ali.
Ele compreendia por que ela não quereria. Expor a realidade dos sentimentos deles significava que eles teriam de lidar com eles. Significava que ela poderia acusá-lo de quebrar o acordo de “amantes secretos” e dar um gelo nele outra vez.
Também poderia significar que ela reconheceria estar apaixonada por ele também. E que talvez pudessem fazer algo funcionar entre eles. Algo bom. Correto.
Permanente.
– Não consigo lidar com isso, Alfonso – sussurrou ela, parecendo tomada de pânico. – Ele vai contar a Maite.
– Não de propósito.
– E ela vai alardear para todo o universo conhecido, e a vizinhança vai me pintar casada e gorda em menos de um ano, e meus pais vão ficar procurando uma casinha perfeita para nós bem perto da deles, colocando o nome de nossos futuros filhos nas listas de espera para estudarem no Coração Sagrado e no St. Raphael.
Ela soava pesarosa, como se a ideia de viver aquela vida a arrasasse. Ele entendia o motivo. Porque também não queria aquilo. Nada daquilo. Ah, ele queria Anahi, sem dúvida. Mas e quanto ao estilo de vida deles? Bem, não seria parecido com nada que alguém na rua Taylor pudesse compreender.
Mas, antes que ele pudesse confortá-la, Anahi balançou a cabeça e começou a caminhar.
– Não posso conversar sobre isso agora. Não aqui. Ele a acompanhou.
– Esta noite.
– Vou à casa dos meus pais esta noite. Minha irmã Mia está vindo passar o fim de semana na cidade e eu tive de prometer que iria jantar lá… coisa que não posso fazer amanhã ou no domingo.
Em um relacionamento normal, ela o convidaria para acompanhá-la. Em um relacionamento normal, ele a acompanharia.
Eles não eram normais, é claro.
– Telefone para mim quando terminar e eu vou encontrar você na sua casa.
Ela hesitou, olhando para ele de soslaio.
– Eu preciso de um tempinho, Alfonso. Apenas de um tempinho. Podemos… talvez tirar uma folguinha até amanhã?
Uma noite. Ela não estava pedindo muita coisa. Mas a ideia de passar a noite sem ela quase o matou.
– Tudo bem, Anahi. – Ele pegou o braço dela, segurando o cotovelo antes que ela pudesse sair. Ela olhou para os lados freneticamente, como se para conferir se alguém estava vendo aquilo, porém Alfonso não a soltou.
– Não entre em pânico – pediu ele. – Não veja problemas onde não existe nenhum.
Ela lhe lançou um sorriso agradecido e murmurou:
– Estou lhe dando um beijo de despedida mentalmente. – Então desvencilhou o braço e saiu andando.
Ele a beijou mentalmente também, até ela desaparecer dentro da confeitaria.
PASSAR A noite de sexta-feira com a família na verdade se revelou uma experiência muito agradável. Anahi meio
que estava temendo aquilo, uma vez que se sentira feito uma estrangeira em meio a todos desde o dia em que chegara em casa. Mas havia algo diferente naquela reunião. Talvez porque Mia estivesse em casa e, portanto, recebesse boa parte da atenção. Ou porque os filhos de Maite estivessem lá: os netos sempre anulavam a existência de todo o restante do mundo para os pais dela.
Ou talvez fosse apenas porque Anahi tivesse se obrigado a relaxar. Ao não precisar falar muito, ela não precisava se policiar relação a cada palavra que dizia. Não precisava se preocupar em deixar escapar algo sobre sua carreira de dançarina, a qual eles presumiam ter sido totalmente abandonada por causa do joelho dela.
O fato de não estar tão no limite de fato permitia a ela relaxar e, para sua surpresa, até mesmo se divertir.
Ela ainda estava ponderando sobre isso no dia seguinte, ao se lembrar do sorriso do pai quando ele falara sobre retornar ao trabalho em breve. Quando contara que tinha conversado com o irmão – que estava prestes a se aposentar – sobre ele ir trabalhar na confeitaria, Anahi começou a enxergar alguma luz em sua vida. Com mais um membro da família tomando
parte nos negócios, a pressão para Anahi se envolver acabaria. Talvez ela pudesse retornar a algo como uma vida de verdade por conta própria.
Qualquer que fosse a decisão, permanecer em Chicago ou voltar para Nova York, continuar a vida de stripper ou desistir dela, amar Alfonso ou deixá-lo ir… Ela sabia que não queria ser uma confeiteira durante muito tempo mais.
Alfonso tentou falar com ela algumas vezes no sábado, mas ela perdeu as ligações. Não intencionalmente. Na primeira vez, estava no banho, e, na segunda, estava esperando clientes na confeitaria. Assim que teve tempo para retornar as ligações, foi ele quem não atendeu.
Ainda assim, não tendo falado com ele por mais de um dia, desde aquele momento tenso na rua quando ela percebera que Tony havia topado com a verdade sobre o relacionamento deles, ela estava um pouco nervosa. Ao seguir para o trabalho na Leather and Lace, Anahi buscou o carro dele no estacionamento imediatamente, mas não o viu. Ela havia chegado cedo, provavelmente duas horas antes do horário necessário, e sabia que aquilo se devia à esperança de encontrá-lo lá.
– Oi, Rosa – disse alguém, assim que ela entrou pela
porta dos fundos.
– Oi, Bernie. Como foi a semana?
O segurança deu de ombros, oferecendo a ela um de seus imensos sorrisos pueris.
– Colidi algumas cabeças, limpei o chão com um ou dois bêbados. Você sabe, o de sempre.
Rindo, ela começou a passar por ele.
No entanto, ele pôs uma das mãos no ombro dela e a impediu de prosseguir. Ele olhou para a enorme bolsa de lona que ela segurava, que estava cheia de roupas comuns e suprimentos.
– Posso ajudá-la de alguma forma, Rosa? Carregar isto? Comprar seu jantar?
Ela balançou a cabeça.
– Você é tão gentil, mas não, sério, está tudo certo. – O sujeito estava se desdobrando para cuidar dela desde a primeira noite de trabalho de Anahi. Se ele já tivesse passado uma cantada nela, ela suspeitaria que aquele cuidado todo se dava por ele estar interessado nela. Mas ele nunca fora nada, exceto um amigo legal, se não superprotetor.
Ainda sorrindo enquanto seguia em direção ao seu camarim, Anahi percebeu o quanto se sentia confortável ali. A equipe da boate já era como uma segunda
família. Bernie e Harry. Leah e Jackie e as outras dançarinas. Todos eram pessoas com quem ela se importava, que pareciam se importar com ela.
Ela não queria desistir daquilo. E aquele era mais um motivo pelo qual ela não sabia como lidar com a aparente inabilidade de Alfonso de assistir à sua performance. Era como se, desde que ela se tornara amante dele, ele não mais gostasse que ela estivesse fazendo aquele trabalho.
Era assim que lhe parecia. Mas ela não tinha certeza.
– Talvez ele realmente só esteja ocupado –
murmurou ela, tentando se convencer.
Quando chegou ao camarim, Anahi colocou a nova chave na fechadura e a girou. Antes de ela entrar, no entanto, Leah a impediu.
– Ei, parece que sempre sou eu quem recolhe seus presentes! – disse a garota sorridente. Ela estendeu uma caixa embrulhada em papel laminado dourado. – Hum. Eu já lhe disse o quanto amo chocolate?
Anahi olhou para a caixa, olhou para os próprios quadris fartos, pelo menos uns três centímetros maiores do que eram quando ela voltou de Nova York, e suspirou.
– Eu já lhe disse o quanto o chocolate se acumula nos meus quadris e no meu traseiro?
Além disso, os doces eram bombons de cereja. E ela não era muito fanática por eles. Se fossem caramelos, ela provavelmente ficaria muito mais tentada a encher a mão. Sendo assim, Anahi os dispensou facilmente.
– Tire-os de vista, pode ser?
Leah agarrou a caixa junto ao peito.
– U-hu! Lembre-me de vigiar a próxima caixinha de joias que mandarem para você.
Entrando no camarim, Anahi tirou as roupas lentamente e vestiu o roupão. Ela fez tudo com calma; havia muito tempo sobrando. Durante a hora seguinte, arrumou-se para a noite. O burburinho de vozes femininas no camarim não era suficiente para abafar o som de vários passos no saguão acima da cabeça dela. Os clientes já estavam entrando e as dançarinas já estavam no palco, a julgar pelo som do baixo que ela praticamente conseguia sentir reverberando no peito.
Todo o lugar estava vivo e vibrante. Exatamente do jeito como ela se sentia quando estava ali. O único outro momento no qual ela se sentia tão bem era quando estava com Alfonso. O que ela iria fazer se não pudesse mais manter seu emprego ali?
– Não pense nisso – lembrou a si mesma, quando olhou para o relógio. Estava ali há mais de uma hora e ele ainda não havia chegado, o que a estava deixando muito agitada.
Anahi deixou seus pensamentos de lado e terminou de passar a maquiagem. O público poderia não ver muito do rosto dela, mas isso não significava que ela não utilizava o básico de maquiagem de palco. Ela estava passando pó compacto nas bochechas, quando ouviu uma batida à porta.
– Entre. – Quase prendendo a respiração, ela soltou um suspiro satisfeito quando viu Alfonso. – Oi.
– Oi, você – disse ele. Ele fechou a porta detrás de si, se abaixou e deu-lhe um beijo na boca. Rápido, sólido… quente e sexy. – Eu estava precisando disso – falou, quando finalmente se aprumou.
– Eu também.
– Quero mais depois. Ela sorriu.
– Eu também.
– As coisas já estão esquentando lá em cima, mas eu queria ver você antes que ficassem agitadas demais.
Anahi se virou, levando a esponjinha de pó ao rosto outra vez.
– Você acha que vai estar ocupado demais outra vez para estar lá durante minhas apresentações?
Alfonso encontrou os olhos dela no reflexo do espelho.
– Não sei – murmurou ele. – Não posso prometer nada.
Ele ainda estava hesitante; ela percebia pela voz dele. Alfonso estava evitando reconhecer com realmente se sentia, iria se sentir, sobre o fato de ela tirar a roupa. Anahi queria chorar, sentindo que sabia qual seria a resposta.
Ele odiava aquilo. Com certeza estava tranquilo com o fato de ela fazer strip-tease quando era uma estranha. Mas agora que eram amantes? Bem, se ele fosse como todos os homens da espécie, iria se transformar no homem das cavernas que uma vez, brincando, fingira ser e ficaria todo autoritário. Iria querer que ela desistisse, ficaria ranzinza e fazendo beicinho até ela desistir.
Não havia muitos homens capazes de aceitar uma namorada que tirava a roupa até ficar só de calcinha fio-dental diante de um monte de estranhos… Por que ela deveria esperar que Alfonso fosse diferente?
– Estou fazendo o melhor que posso, Any.
– Tudo bem – murmurou ela, piscando rapidamente
para evitar a umidade inesperada nos olhos, chorando não por que não compreendia; ela entendia. Mas porque temia muito pelo que aquilo iria significar quando finalmente se tornasse um ponto importante entre eles.
– Ai, Deus, alguém pegue um balde!
Ouvindo o berro do corredor, diante de seu camarim, Anahi se levantou imediatamente.
– Alguém a segure! Alfonso estremeceu.
– Espere aqui enquanto vou ver o que está acontecendo.
Ela simplesmente revirou os olhos.
– Até parece.
Seguindo-o até o lado de fora, viu de imediato um grupinho de meia dúzia de dançarinas reunidas em torno de alguém deitado no chão. Alfonso abriu caminho e se abaixou imediatamente.
– Leah, o que aconteceu? Você está bem?
– Ela está passando mal – disse alguém. – Vomitou no chão todo.
Pobre Leah. Tinha ficado doente no fim de semana anterior, e agora de novo. Anahi se perguntou brevemente se a pobre garota estava escondendo uma
gravidez inesperada ou algo assim. Então, assim que o grupo se dissipou e ela viu o rosto de Leah, descartou a ideia.
A bela loura parecia acabada. O rosto estava pálido, molhado de suor, e ela parecia fraca demais para até mesmo ficar de pé sozinha. Estava completamente diferente da jovem bonita com quem Anahi havia conversado uma hora atrás. Provavelmente tinha sido atingida por algum vírus de ação rápida.
Alfonso não perdeu tempo fazendo perguntas. Abaixou- se para carregar a dançarina, tomando-a nos braços com facilidade, como se ela fosse uma criança, e a levou até o camarim no fim do corredor.
– Arranjem um pano gelado.
Uma das dançarinas correu para pegar assim que Alfonso pediu, o restante continuava reunido ali. Anahi não sabia dizer se o interesse ávido delas se dava por causa de Leah ou por causa da visão incrível de Alfonso bancando o herói. Os braços musculosos estavam abaulados e flexionados, porém ele falava delicadamente com Leah enquanto a deitava com cuidado no sofá irregular do camarim. Ele até mesmo removeu o cabelo do rosto dela.
Era o suficiente para fazer a mais durona das
mulheres se derreter. Até mesmo a meia dúzia de strippers que cercava o sofá.
Anahi, é claro, não estava surpresa. Ela conhecia a ternura da qual o sujeito era capaz. Também conhecia o jeito como ele havia sido criado e imaginava que ele teria feito a mesma coisa se sua irmã Lottie fosse a pessoa deitada naquele piso.
– O que aconteceu? – perguntou ele a Leah. Ela gemeu.
– Aconteceu do nada. Eu não estava enjoada ou nada assim, então de repente… bum.
– Você comeu mariscos hoje? – questionou alguém.
– Ou algum almoço requentado? – perguntou outra pessoa.
Leah balançou a cabeça, aceitando com gratidão um amontoado de papel-toalha úmido que Jackie, sua colega de camarim, havia trazido. Ela pressionou o papel contra a testa e respondeu:
– Comi uma salada no almoço, e então mais nada até me empanturrar com os chocolates da Rosa.
Sete cabeças se viraram para olhar para Anahi, sete pares de olhos arregalados e curiosos. Talvez até mesmo um pouco acusadores.
Ela abriu a boca para responder, perguntando-se se
elas pensavam que ela havia feito alguma coisa para Leah passar mal, mas não precisou. A dançarina doente em pessoa falou outra vez:
– Eu os encontrei na entrada quando cheguei para trabalhar hoje, e havia o nome de Rosa neles. Ela nem mesmo abriu a caixa, apenas deu para mim.
Aquilo pareceu acalmar a todos. Todos, exceto Alfonso. Porque, enquanto todas voltavam a atenção para Leah, oferecendo-se para pegar gelo ou levá-la para casa, ele franziu a testa e enrijeceu tanto o maxilar que pareceu prestes a quebrar.
– Onde estão esses chocolates?
– No meu camarim.
Ele olhou para cima e encarou Jackie.
– Vou pegar – disse ela, saindo do cômodo rapidamente.
Parecia ridículo, e Anahi não acreditou nem por um segundo que Leah havia sido nocauteada por algum tipo de doce envenenado… intencionalmente para ela. Aquilo era uma coisa estrita a programas como CSI, e ela não acreditava naquilo de forma alguma. A julgar pelo olhar de Alfonso, no entanto, Anahi era esperta o suficiente para não falar isso. Ele iria conferir por si só, não importando o que ela pensasse.
– Alfonso, acabei de saber que uma das garotas está doente. O que está acontecendo? – Harry entrou desenfreado no cômodo, sem fôlego, como se tivesse acabado de descer as escadas correndo. A expressão de preocupação no rosto do sujeito era suficiente para fazer todos os seus empregados ficarem mais tranquilos; ninguém poderia acusar Harry Black de não valorizar e cuidar de suas dançarinas, o que provavelmente o tornava uma raridade naquele meio… e provavelmente era por isso que as poucas dançarinas que desistiram de trabalhar no local o fizeram apenas para mudar de carreira.
Ao ver Leah, ele se apressou.
– Devemos ligar para a emergência? Leah balançou a cabeça.
– Acho que não. Mas quero ficar deitada aqui por um tempinho, se não tiver problema.
– Ah, querida, nem pense em se levantar – disse outra voz. Uma voz feminina. Delilah havia ouvido as notícias também, e seguira o marido até o camarim coletivo. Ela soava preocupada… uma raridade no caso dela. – Podemos cobrir você esta noite e alguém pode levá-la em casa se você quiser.
O cômodo estava ficando lotado. Mas todo mundo
abriu caminho para Jackie quando ela retornou com a caixa de chocolates.
– Aqui está, Alfonso. – Franzindo a testa, ela pôs a mão no braço dele e meneou a cabeça em direção ao canto da sala.
Alfonso pegou a caixa e seguiu Jackie. Eles trocaram algumas palavras, e o que quer que ela tivesse dito fez a testa dele se enrugar ainda mais. Ele manteve a caixa firmemente segura na mão e Anahi se perguntou se ele iria esmagá-la.
Harry se juntou a eles, murmurando:
– O que houve?
A resposta de Alfonso foi dita baixinho; ele obviamente não queria que os outros ouvissem. Jackie, tendo entregado o tal recado que havia deixado Alfonso ainda mais exaltado, ligou para a emergência afinal, então retornou para ajudar a cuidar da amiga. Todas estavam pairando acima de Leah. Alguém se ofereceu para pegar um travesseiro para ela colocar sob os pés, outra ofereceu um balde para a cabeça. Aquilo quebrou o gelo e o grupo riu.
Anahi não as acompanhou. Alfonso suspeitava que alguém tivesse tentado lhe dar chocolates envenenados. O diabo que ela iria ficar de fora daquela conversa!
Aproximando-se dos dois homens, ela perguntou:
– Bem…? Ciente de que eu não sou o alvo de um envenenador maluco?
Alfonso não olhou para ela no início. Nem Harry. Ambos estavam olhando fixamente para a caixa de chocolates sobre a bancada de maquiagem. Um dos homens havia virado todos os chocolates remanescentes, encaixados individualmente na embalagem, então estavam todos de ponta-cabeça. E, na parte de baixo de cada um, muito facilmente visível, havia um buraquinho.
Algo que não teria acontecido na fábrica de doces.
– Ai, diabos – sussurrou Anahi.
Aparentemente alguém havia, de fato, tentado envenená-la.
E, quando Alfonso se virou para ela e disse “conte-me sobre as rosas”, ela percebeu que poderia não ser a primeira vez.