Alfonso NÃO estava na plateia. Anahi buscou pela multidão durante sua performance, perguntando-se se ele estaria à espreita nas sombras, cuidando dela.
Não estava. Era o fim.
De algum modo, ela deu um jeito de não chorar enquanto girava ao som da música. Deu um jeito de não demonstrar aos homens ávidos na plateia que seu coração estava despedaçado.
Não deveria estar assim; afinal, ela sabia que entrar naquela relação louca e selvagem com Alfonso acabaria mal. Desde o primeiro dia, eles desejavam um ao outro em condições opostas. Ele desejava a irmã caçula bonitinha de sua cunhada que trabalhava na confeitaria todos os dias. Ela queria o guarda-costas sensual e atraente que cuidava do corpo nu dela todas as noites.
O fato de ele ter tentado brecá-la e proibi-la de dançar na primeira oportunidade em que tivera um pretexto conveniente enfatizava aquilo ainda mais.
Enquanto ela dançava até o chão, rebolava, dava impulsos e saltos no palco, quatro palavras seguiam o ritmo da música. Elas tocavam sem parar, seguindo o compasso quaternário.
Isso não vai funcionar.
Assim que Anahi finalizou a dança, estava tão furiosa quanto magoada. Independentemente de ser amante dela, Alfonso deveria ser o guarda-costas da boate. E, mesmo quando ela estava mais vulnerável, exposta, ele não estava à vista.
No segundo em que o encontrasse, ela teria algo a dizer a respeito. Mas aquele instante chegou quase imediatamente… Ele estava sendo o guarda-costas dela de fato. Literalmente. Estava parado nos bastidores do
palco, sombrio e predatório. Ele ficou observando enquanto ela saía… de uma linha reta com visão para o centro do placo. Então ele não a tinha visto dançar. E certamente não tinha passado pela experiência de vê-la junto ao restante da imensa plateia masculina.
Nada havia mudado.
– Vou acompanhar você até o camarim – disse ele, o maxilar tão tenso quanto os ombros –, Rosa.
Ela nem mesmo respondeu quando deslizou o roupão por sobre o corpo seminu, então passou por ele em direção à escadaria. Ela não precisava da ajuda dele, não precisava da aprovação dele.
Sim, ela precisava dele. Mas havia aprendido a se virar sem ele, exatamente do jeito que fizera durante todos aqueles longos e solitários anos de sua adolescência, quando ela ansiava por ele.
É claro, nunca tê-lo para si poderia ter ajudado até então. Mas e agora que ela o tinha?
Anahi temia nunca ser capaz de superar Alfonso.
– Ahã. – Assim que chegaram ao pé das escadas, Harry saiu do camarim coletivo.
– Está tudo bem? – perguntou Alfonso, em alerta instantaneamente.
– Tudo bem – respondeu o sujeito mais velho, mas
ele não soava convencido. Na verdade, a voz dele estava fraca; o rosto, um pouco pálido.
Anahi colocou uma das mãos no ombro dele.
– Harry, o que houve? Leah está bem? Ele cobriu a mão dela com a sua.
– Sim. Jackie telefonou mais cedo. Leah está bem. – Ele olhou por cima do ombro para o camarim silencioso. Saiu do cômodo e fechou a porta. – Mas preciso conversar com vocês dois. Podem vir comigo, por favor?
Ao ouvir a urgência na voz dele e ver a preocupação óbvia, Anahi entrou em alerta imediatamente. Algo mais havia acontecido… talvez mais alguém estivesse machucado.
– O que foi? – perguntou Alfonso em voz baixa, obviamente percebendo a mesma coisa.
O homem apenas meneou a cabeça, indicando para que subissem as escadas rumo ao pequeno escritório do outro lado do saguão. Eles tomaram um corredor particular, nos fundos, o que foi bom; afinal, Anahi estava usando apenas seu roupão longo de seda. O que quer que estivesse perturbando Harry devia ser sério, pois ele nem mesmo oferecera para aguardar enquanto ela vestia algumas roupas.
O escritório de Harry era despretensioso e simples. Confortável. Muito parecido com o sujeito autodepreciativo que o ocupava.
No entanto, Harry Black não parecia confortável agora. Quando ele gesticulou em direção às duas poltronas diante de sua mesa, sua mão estava trêmula.
Anahi quase prendeu a respiração, observando-o se sentar atrás da mesa. Antes de ele dizer qualquer palavra, baixou a cabeça e a repousou entre as mãos.
– Não consigo nem mesmo olhar para vocês enquanto digo isso.
Anahi não fazia ideia do que o sujeito poderia estar falando, mas ao lado dela Alfonso inalou profundamente.
– Você…
O chefe deles olhou para cima imediatamente, balançando a cabeça.
– Não. Não fui eu. – Com os olhos úmidos, ele continuou: – Foi Delilah.
Anahi compreendeu subitamente. Delilah era a pessoa atrás dela. Ela havia envenenado os chocolates… e talvez as rosas.
Alfonso murmurou um palavrão, mas Harry não veio em defesa da esposa. Ela merecia o desprezo deles. Não, ela não havia sido bem-sucedida em ferir Anahi,
seu alvo, mas certamente havia machucado Leah.
– Conte-nos – pediu Alfonso, recostando-se na cadeira e cruzando os braços.
Ele semicerrou os olhos, a expressão ameaçadora. Anahi reconheceu aquela tensão em seu corpo musculoso. Que bom que Delilah Black não estava ali confessando pessoalmente. Muito bom. Porque, se Anahi não a partisse em duas, Alfonso o teria feito.
– Pensei que ela quisesse se aposentar – disse Harry. A expressão dele estava aturdida, a mesma que muitos homens exibiam quando estavam tentando compreender suas esposas. Anahi certamente a vira no rosto do pai. – Ela parecia feliz me ajudando na administração da boate.
– Há quanto tempo ela parou de dançar? – perguntou Anahi, sentindo enorme pena pelo sujeito. Ela sentia que Harry necessitava se recompor para contar a pior parte.
– Há alguns anos, quando ela chegou à casa dos 40 anos. Logo depois de nos casarmos. – Abrindo a gaveta da escrivaninha, Harry pegou uma garrafinha prateada e um copo de dose. Serviu-se de uma bebida, erguendo uma sobrancelha em direção a Alfonso e Anahi para saber se eles também queriam.
Nenhum dos dois o acompanhou. Anahi já estava se
sentindo enjoada com aquela história que Harry estava lhes contado. Alfonso..... bem, provavelmente já estava em ponto de fervura sentado na poltrona ao lado dela. Jogar álcool em uma brasa poderia fazê-la explodir.
– E ela pensou que, se conseguisse se livrar de sua atração principal, você de repente a colocaria de volta no palco? Isso não faz sentido – disse Alfonso, o desgosto pingando das palavras dele.
– Não faz sentido para você. Nem para mim – falou Harry, com um suspiro. – Mas para ela faz. – Ficando ligeiramente corado, ele acrescentou: – Eu, bem… acho que posso ter influenciado um pouco nisso, no entanto. Creio que falo muito de você, Rosa… Anahi – esclareceu ele, chamando-a pelo nome verdadeiro pela primeira vez desde que a havia contratado. – E acho que Dee ficou com um pouco de ciúme, pensando que meu interesse ia além do profissional. – Quase enrubescendo até a careca agora, ele acrescentou rapidamente: – De jeito nenhum que isso era verdade. Tenho orgulho de você como se fosse minha filha… mas Dee não entendeu isso.
O sujeito nunca nem mesmo olhara para ela de um jeito diferente. Anahi não duvidava de que ele estivesse sendo sincero.
– Ela foi responsável pelas rosas?
Harry assentiu, dando um grande gole em sua bebida.
– Ela colocou algum tipo de inseticida nela. E, antes que você pergunte, sim, ela danificou a cadeira também. Eu a fiz confessar os dois atos, assim como a adulteração dos chocolates com xarope de ipeca.
Desta vez, foi Anahi quem xingou a mulher baixinho. Ela simplesmente não conseguiu evitar. Mais uma vez, Harry não fez qualquer esforço para defender a esposa.
– Por que ela abriu o jogo? – perguntou Anahi.
– Eu suspeitei assim que vi a caixa de chocolates. Dee ama aquele tipo. E ela chegou em casa com o tal xarope há alguns dias, dizendo que queria deixá-lo à mão caso algum dos sobrinhos se intoxicasse com algum produto de limpeza ou algo assim.
Alfonso se remexeu um pouco, os braços ainda cruzados, o corpo ainda rígido.
– Então você a confrontou? Harry assentiu.
– E ela confessou. Quando viu o quanto Leah ficou mal, sentiu-se péssima.
– Pergunto-me se ela teria se sentido assim se fosse
Anahi deitada no chão – rebateu Alfonso.
Ele soou muito protetor, o que fez Anahi se sentir querida e acolhida por dentro, embora ela tivesse dito a si mesma que era estúpido sentir aquilo.
– Sei lá – admitiu Harry. – Talvez não. Uau, era bom ser apreciada por alguém.
Alfonso finalmente se aprumou e se inclinou em direção à mesa. Fixando um olhar firme sobre Harry, ele questionou:
– Você chamou a polícia?
O homem balançou a cabeça lentamente. Mas, antes que Alfonso pudesse confrontá-lo, ele acrescentou:
– Procurei Leah primeiro e contei tudo. Ela e Jackie resolveram prestar queixa e telefonaram para a polícia pessoalmente.
Alfonso relaxou. Um pouco.
– Compreendo o motivo de isso precisar acontecer.
– Lágrimas rolavam dos olhos acinzentados de Harry, escorrendo um pouco pelas bochechas redondas. – Mas eu não podia entregar minha esposa.
Anahi colocou a mão sobre a perna de Alfonso, sentindo que ele estava prestes a fazer mais um comentário sobre Delilah. Ela apertou a coxa dele, advertindo-o para não fazê-lo. Harry já estava sofrendo o suficiente. Ele não precisava ouvir que era um tolo por amar
alguém tão detestável.
– Eu compreendo – murmurou ela.
– Espero que entenda. E espero que compreenda que vou acompanhá-la nessa empreitada. Ela estará enfrentando acusações de agressão.
– No mínimo – murmurou Alfonso.
– Eu sei que isso pode fazer com que você queria ir embora, Ro… Anahí. Mas eu gostaria que você ficasse.
– O homem sorriu ligeiramente. – Você é parte da família.
Hum. Se Delilah dava veneno aos membros da família, Anahí detestaria ver o que ela fazia aos inimigos.
– Eu sei disso também – falou Anahí tirando a mão da coxa cálida de Alfonso lentamente, já sentindo falta do contato. Já sentindo falta dele. – Você a ama. É isso que as pessoas que se amam fazem… Elas se apoiam, mesmo quando tomam decisões ruins ou tolas aos olhos de terceiros. – Ouvindo um tremor na própria voz quando o assunto lhe atingiu em cheio, Anahí ofereceu um sorriso tiritante.
E ela nem mesmo olhou para Alfonso
– Obrigada por me contar, Harry. Vou me arrumar para minha próxima apresentação. – Sem dar mais
nenhuma palavra para nenhum dos dois, Anahí saiu e voltou ao trabalho.
E Alfonso não se aproximou dela pelo restante da noite.