O Treinador Mcconaughty ficou de pé no quadro-negro falando com monotonia sem parar sobre algo, mas a minha mente estava distante das complexidades da ciência.
Eu estava ocupada formulando razões para o porque Christopher e eu não deveríamos mais ser parceiros, fazendo uma lista delas atrás de um teste velho. Assim que a aula acabasse, eu apresentaria meus argumentos para o Treinador. Não coopera em tarefas, escrevi. Mostra pouco interesse em trabalhos de equipe.
Mas eram as coisas que não estavam listadas que me incomodavam. Eu achava a localização da marca de nascença de Christopher estranha, e fiquei assustada com o acidente na minha janela na noite passada. Não suspeitei de imediato de Christopher me espionando, mas eu não conseguia ignorar a coincidência de que eu tinha quase certeza de ter visto alguém olhando na minha janela só horas depois de tê-lo conhecido.
Ao pensar em Christopher me espionando, eu alcancei o compartimento dianteiro da minha mochila e chacoalhei duas pílulas de ferro de uma garrafa, engolindo-as inteiro. Elas prenderam na minha garganta por um instante, então acharam seu caminho na descida.
De canto de olho, eu capturei as sobrancelhas erguidas de Christopher.
Considerei explicar que eu era anêmica e que tinha que tomar ferro algumas vezes por dia, especialmente quando estava estressada, mas pensei melhor. A anemia não era uma questão de vida ou morte... contanto que eu tomasse doses regulares de ferro. Eu não era paranóica ao ponto de pensar que Christopher queria me ferir, mas de algum modo, minha condição médica era uma vulnerabilidade que parecia melhor guardada em segredo.
— Dulce?
O Treinador ficou de pé na frente da sala, sua mão esticada em um gesto que mostrava que ele estava esperando por uma coisa... minha resposta. Uma queimação vagarosa achou seu caminho até as minhas bochechas.
— Você poderia repetir a pergunta? — perguntei.
A sala deu risinhos.
O Treinador disse, com uma leve irritação:
— Quais as qualidades que te atraem em um parceiro em potencial?
— Parceiro em potencial?
— Vamos lá, não temos a tarde toda.
Eu conseguia ouvir a Ane rindo atrás de mim.
Minha garganta pareceu se contrair.
— Você quer que eu liste características de um...?
— Parceiro em potencial, sim, isso seria prestativo.
Sem querer fazê-lo, eu olhei de lado para Christopher. Ele estava relaxado em seu assento, quase preguiçosamente, estudando-me com satisfação. Ele deu um relampejo de seu sorriso de pirata e balbuciou, Estamos esperando.
Empilhei minhas mãos na mesa, esperando parecer mais contida do que eu me sentia.
— Eu nunca pensei nisso antes.
— Bem, pense rápido.
— Você poderia chamar outra pessoa primeiro?
O Treinador gesticulou impacientemente para a minha esquerda.
— É com você, Christopher.
Ao contrário de mim, Christopher falou com confiança. Ele se posicionou para que seu corpo ficasse virado ligeiramente na direção do meu, nossos joelhos a meros centímetros de distância.
— Inteligente. Atraente. Vulnerável.
O Treinador estava ocupado listando os adjetivos no quadro. — Vulnerável? — ele perguntou. — Como assim?
Ane falou:
— Isso tem alguma coisa a ver com a unidade que estamos estudando? Porque não consigo achar nada sobre características desejadas em um parceiro em lugar alguma do nosso texto.
O Treinador parou de escrever tempo o bastante para olhar sobre seu ombro.
— Todos os animais no planeta atraem parceiros com o objetivo de reproduzir. Sapos incham seus corpos. Gorilas machos batem em seus peitos. Você já observou uma lagosta macho subir nas pontas dos pés e estalar suas garras, exigindo a atenção da fêmea? Atração é o primeiro elemento de toda a reprodução animal, incluindo os humanos. Por que não nos dá a sua lista, Srta. Sky?
Ane levantou cinco dedos.
— Lindo, rico, indulgente, ferozmente protetor, e só um pouquinho perigoso. — Um dedo descia com cada descrição.
Christopher riu baixinho.
— O problema com a atração humana é não saber se ela será retornada.
— Excelente argumento, — o Treinador disse.
— Humanos são vulneráveis, — Christopher continuou, — porque são capazes de se magoar. — Com isso o joelho de Christopher bateu contra o meu. Eu me afastei, não ousando me deixar perguntar o que ele queria dizer com o gesto.
O Treinador acenou.
— A complexidade da atração humana – e da reprodução – é uma das características que nos diferenciam das outras espécies.
Pensei ter ouvido Christopher bufar com isso, mas foi um som muito suave, e eu não consegui ter certeza.
O Treinador continuou: — Desde o começo dos tempos as mulheres se atraíram por parceiros com habilidades de sobrevivência fortes – como inteligência e proeza física – porque homens com essas qualidades tem mais chances de trazer a janta para casa no final do dia. — Ele levantou dois dedões no ar e sorriu. — Janta equivale a sobrevivência, time.
Ninguém riu.
— Igualmente, — ele continuou, — os homens são atraídos pela beleza porque indica saúde e juventude – não há razão para se acasalar com uma mulher doente que não estará por perto para criar as crianças. — O Treinador empurrou seu óculos até a ponte do nariz e deu risada.
— Isso é tão sexista, — Ane protestou. — Me conte alguma coisa que se relacione a uma mulher no século vinte e um.
— Se você abordar a reprodução aos olhos da ciência, Senhoria Sky, verá que as crianças são a chave para a sobrevivência da nossa espécie. E quanto mais filhos você tem, maior a sua contribuição para o patrimônio genético.
Eu praticamente escutei os olhos da Ane girando. — Eu acho que finalmente estamos chegando perto do tópico de hoje. Sexo.
— Quase, — disse o Treinador, levantando um dedo. — Antes do sexo vem a atração, mas depois da atração vem a linguagem corporal. Você tem que comunicar ‘Estou interessado’ para um parceiro em potencial, só que não em tantas palavras.
O Treinador apontou para o meu lado.
— Certo, Christopher. Digamos que você está numa festa. A sala está cheia de meninas de todas as formas e tamanhos diferentes. Você vê loiras, morenas, ruivas, algumas meninas de cabelo preto. Algumas são extrovertidas, enquanto outras aparentam ser tímidas. Você achou uma garota que encaixe no seu perfil – atraente, inteligente, e vulnerável. Como você a deixa saber que está interessado?
— Escolho-a. Falo com ela.
— Bom. Agora para a pergunta principal: como você sabe se ela está na sua ou se ela quer que você continue andando?
— Eu a estudo, — Christopher diz. — Descubro o que ela está pensando e sentindo. Ela não vai vir de supetão e me contar, e é por isso que tenho de prestar atenção. Ela vira seu corpo em direção ao meu? Ela olha nos meus olhos, então desvia o olhar? Ela morde seu lábio e brinca com seu cabelo, como a Dulce está fazendo agora?
Risadas cresceram na sala. Eu derrubei minhas mãos em meu colo.
— Ela está na minha, — disse Christopher, batendo na minha perna novamente. De todas as coisas, eu corei.
— Muito bem! Muito bem! — o Treinador disse, sua voz carregada, sorrindo amplamente para a nossa atenção.
— As veias de sangue no rosto da Dulce estão se alargando e a pele dela está esquentando, — Christopher disse. — Ela sabe que está sendo avaliada. Ela gosta da atenção, mas não tem certeza de como lidar com isso.
— Eu não estou corando.
— Ela está nervosa, — Christopher disse. — Ela está acariciando seu braço para tirar a atenção de seu rosto para seu corpo, ou talvez para a pele dela. Ambos são pontos vencedores fortes.
Eu quase engasguei. Ele está brincando, eu disse a mim mesma. Não, ele é insano. Não tenho experiência em lidar com lunáticos, e aparecia. Eu sentia que eu passava a maior parte do nosso tempo juntos encarando Christopher, de boca aberta. Se eu tinha qualquer ilusão sobre ficar no mesmo nível dele, eu ia ter que bolar uma nova abordagem.
Coloquei minhas mãos contra a mesa, levantei meu queixo, e tentei parecer como se eu ainda possuísse alguma dignidade.
— Isso é ridículo.
Esticando seu braço ao seu lado com uma dissimulação exagerada, Christopher o pendurou nas costas da minha cadeira. Eu tinha o estranho pressentimento que isso era uma ameaça mirada diretamente a mim, e que ele estava alheio e indiferente de como a turma recebia isso. Eles riam, mas ele não parecia ouvir, segurando os meus olhos tão unicamente com os seus próprios que eu quase acreditava que ele tinha esculpido um mundo pequeno e privado para nós que ninguém mais podia alcançar.
Vulnerável, ele balbuciou.
Travei meus tornozelos ao redor das pernas da minha cadeira e dei um solavanco para frente, sentindo o peso do braço dele cair das costas do assento. Eu não era vulnerável.
— E aí está! — o Treinador disse. — Biologia em ação.
— Podemos por favor falar sobre sexo agora? — perguntou Ane.
— Amanhã. Leiam o capítulo sete e estejam prontos para uma discussão imediata.
O sinal tocou, e Christopher rangeu sua cadeira.
— Isso foi divertido. Vamos fazer de novo algum dia. — Antes que eu pudesse bolar algo mais incisivo do que não, obrigada, ele se debruçou atrás de mim e desapareceu para fora da porta.
— Eu vou começar uma petição para despedirem o Treinador, — Vee disse, vindo até a minha mesa. — O que foi a aula hoje? Foi um pornô aguado. Ele praticamente colocou você e Christopher em cima da sua mesa, na horizontal, sem suas roupas, fazendo A Coisa...
Eu a focalizei com um olhar que dizia, Parece que eu quero uma repetição?
— Noossa, — Ane disse, recuando.
— Preciso falar com o Treinador. Te encontro no armário em dez minutos.
— Sem dúvida.
Caminhei até a mesa do Treinador, onde ele estava sentado encurvado sobre um livro de jogadas de basquete. Ao primeiro olhar, todos os Xs e Os faziam parecer que ele estava jogando jogo da velha.
— Oi, Dulce, — ele disse em olhar para cima. V O que posso fazer por você?
— Estou aqui para te dizer que seu novo mapa de assento e plano de aula está me deixando desconfortável.
O Treinador relaxou em sua cadeira e dobrou suas mãos atrás de sua cabeça.
— Eu gosto do mapa de assentos. Quase tanto quanto gosto desse jogo de homem-a-homem em que estou trabalhando para o jogo de sábado.
Eu coloco uma cópia do código de conduta e direitos estudantis da escola bem no topo dele. — Por lei, nenhum estudante deveria se sentir ameaçado nas propriedades escolares.
— Você se sente ameaçada?
— Eu me sinto desconfortável. E gostaria de propor uma solução. — Quando o Treinador não me cortou, eu inspirei um sopro de confiança. — Eu monitorarei qualquer estudante das suas aulas de biologia – se você me sentar ao lado da Ane novamente.
— Christopher podia ser monitorado.
Eu resisti cerrar meus dentes. — Isso acaba com o propósito.
— Você o viu hoje? Ele estava envolvido na discussão. Eu não o ouvi dizer uma palavra o ano todo, mas coloco ele ao seu lado e bingo. A nota dele aqui vai melhorar.
— E a da Ane vai cair.
— Isso acontece quando você não pode olhar pro lado pra pegar a resposta certa, — ele disse secamente.
— O problema da Ane é falta de dedicação. Eu monitorarei ela.
— Nada feito. — Olhando para seu relógio, ele disse: — Estou atrasado para uma reunião. Acabamos aqui?
Fiquei parada com a minha boca entreaberta, espremendo o meu cérebro para cuspir mais um argumento. Mas parecia que eu estava sem inspiração.
— Vamos dar ao mapa de assento mais algumas semanas. Ah, e eu falei sério sobre monitorar Christopher. Vou considerar você dentro. — O Treinador não esperou pela minha resposta; ele assobiou a música tema de Jeopardy e mergulhou para fora da porta.
Às sete horas o céu tinha escurecido para um azul enegrecido, e eu fechei meu casaco para me aquecer. Ane e eu estávamos a caminho do cinema para o estacionamento, tendo acabado de assistir O Sacrifício.
Era meu trabalho resenhar filmes para o eZine, e já que eu já tinha visto todos os outros filmes passando no cinema, tínhamos nos resignado ao último suspense urbano.
— Esse, — Ane disse, — foi o filme mais bizarro que já vi. Como regra, não temos mais permissão de ver nada que sugira horror.
Por mim tudo bem. Levando em consideração que alguém estivera espreitando do lado de fora da janela do meu quarto na noite passada e combinando isso com um filme totalmente desenvolvido sobre um perseguidor essa noite, e eu estava começando a me sentir um tantinho paranóica.
— Consegue imaginar? — Ane disse. — Viver sua vida toda não tendo uma pista de que a única razão para que você é mantida viva é para ser usada como um sacrifício?
Ambas estremecemos.
— E qual era a daquele altar? — ela continuou, irritantemente alheia que eu teria preferido falar sobre o círculo da vida de um fungo do que sobre o filme. — Por que aquele cara mau tocou fogo na pedra antes de amarrá-la? Quando eu escutei a carne dela chiar...
— Está certo! — Eu praticamente gritei. — Para onde agora?
— E posso só dizer que se um cara alguma vez me beijar desse jeito, eu vou começar a vomitar. Repulsivo não consegue descrever o que acontecia com a boca dele. Aquilo era maquiagem, certo? Quero dizer, ninguém realmente tem uma boca como aquela na vida real...
— Minha resenha é para a meia-noite, — eu disse, cortando-a.
— Ah. Certo. Para a biblioteca, então? — Vee destrancou as portas de seu Dodge Neon roxo 1995. — Você está sendo terrivelmente sensível, sabe.
Eu deslizei para o assento do passageiro. — Culpa do filme. — Culpa do pervertido na minha janela ontem a noite.
— Não estou falando só sobre hoje a noite. Eu notei, — ela disse com uma travessa curva de sua boca, — que você ficou excepcionalmente mal-humorada por uma boa meia hora no final da aula de biologia nos últimos dois dias.
— Fácil também. Culpe o Christopher.
Os olhos da Ane moveram-se rapidamente para o espelho retrovisor. Ela o ajustou para olhar melhor seus dentes. Ela os lambeu, dando um sorriso praticado.
— Eu tenho que admitir, o lado obscuro dele me atrai.
Eu não tinha desejo algum de admitir isso, mas Ane não estava sozinha. Eu me sentia atraída por Christopher de uma maneira que nunca me senti atraída por ninguém. Havia um magnetismo obscuro entre nós. Perto dele, eu me sentia atraída pelos precipícios do perigo. A qualquer momento, parecia que ele podia me empurrar do precipício.
— Ouvir você dizer isso me fazer querer... — eu parei, tentando pensar exatamente no que a nossa atração pelo Christopher me fazia querer fazer. Algo desagradável.
— Me diga que você não acha que ele é bonito, — Ane disse, — e prometo que nunca trarei o nome dele a tona novamente.
Eu estiquei meu braço para ligar o rádio. De tudo, devia haver algo melhor a fazer do que arruinar a nossa noite convidando Christopher, mesmo que de forma abstrata, para ela. Sentar ao lado dele por uma hora todo dia, cinco dias por semana, era muito mais do que eu podia aguentar. Eu não lhe daria minhas noites também.
— Bem? — Ane pressionou.
— Ele pode ser bonito. Mas eu seria a última a saber. Sou uma jurada maculada nessa questão, desculpa.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que eu não consigo passar pela personalidade dele. Nenhuma quantidade de beleza pode compensá-la.
— Beleza não. Ele é... ousado. Sexy.
Eu girei meus olhos.
Ane buzinou e bateu em seu freio enquanto um carro parava na frente dela.
— O quê? Você discorda, ou rude-e-diabólico não é o seu tipo?
— Eu não tenho um tipo, — eu disse. — Não sou tão restrita.
Ane riu.
— Você, querida, é mais do que restrita, você é confinada. Limitada. Seu espectro é tão largo quanto um dos micro-organismos do Treinador. Há muitos poucos, se há algum, garotos na escola por quem você ficaria caída.
— Isso não é verdade. — Eu disse as palavras automaticamente. Não foi até eu tê-las dito que me perguntei o quanto eram acuradas. Eu nunca estive seriamente interessada em ninguém. Como eu era estranha. — Não tem a ver com garotos, tem a ver com... amor. Eu não o achei.
— Não tem a ver com amor, — Vee disse. — Tem a ver com diversão.
Levantei minhas sobrancelhas, duvidosa.
— Beijar um cara que eu não conheço – que eu não gosto – é divertido?
— Você não esteve prestando atenção na aula de biologia? É muito mais do que beijar.
— Ah, — eu disse em uma voz iluminada. — O patrimônio genético está deturpado o bastante sem eu contribuir com ele.
— Quer saber quem acho que seria realmente bom?
— Bom?
— Bom? — ela repetiu com um sorriso indecente.
— Não particularmente.
— O seu parceiro.
— Não chame ele disso, — eu disse. — Parceiro tem uma conotação positiva.
Ane espremeu-se em uma vaga próxima das portas da biblioteca e deixou o motor morrer.
— Você já fantasiou sobre beijá-lo? Já deu uma espiadinha de lado e imaginou se jogar no Christopher e comprimir sua boca contra a dele?
Eu encarei ela com um olhar que esperava transmitir um choque alarmado. — Você já deu?
Ane sorriu.
Tentei imaginar o que Christopher faria se fosse apresentado a essa informação. Do pouco que eu sabia sobre ele, eu sentia sua aversão pela Ane como se fosse concreta o bastante para tocar.
— Ele não é bom o bastante para você, — eu disse.
Ela gemeu.
— Cuidado, você só vai fazer eu querer ele ainda mais.
Dentro da biblioteca nós pegamos uma mesa no térreo, perto de ficção adulta. Abri meu laptop e digitei: O Sacrifício, duas estrelas e meia. Duas e meia provavelmente era baixo. Mas eu tinha muito na minha mente e não estava me sentindo particularmente justa.
Ane abriu um saco de chips de maça seca.
— Quer um pouco?
— Não, obrigada.
Ela espiou dentro do saco.
— Se você não vai comê-las, eu terei que. E eu realmente não quero.
Ane estava na dieta da fruta roleta-da-cor. Três frutas vermelhas por dia, duas azuis, um punhado de verdes...
Ela levantou um chip de maça, examinando-o de frente e de costas.
— Que cor? — perguntei.
— Verde-maça-de-fazer-vomitar-ovas-de-peixe. Eu acho.
Bem então Marcie Millar, a única estudante do segundo ano do time de líderes de torcida na história da Coldwater High, tomou um assento na beirada de nossa mesa. Seu cabelo loiro morango estava penteado em marias-chiquinhas baixas, e como sempre, sua pele estava oculta debaixo de meio tubo de base. Eu estava positivamente certa de que tinha acertado a quantidade certa, já que não havia um traço de suas sardas a vista. Eu não via as sardas da Marcie desde a sétima série, o mesmo ano em que ela descobriu a maquiagem. Havia três quartos de dois centímetros entre a bainha de sua saia e o começo de sua calcinha... se ela estava ao menos usando uma.
— Oi, Gigante, — Marcie disse para Ane.
— Oi, Aberração, — Ane disse de volta.
— Minha mãe está procurando por modelos esse final de semana. O pagamento é nove dólares por hora. Pensei que você poderia estar interessada.
A mãe da Marcie gerencia a JCPenney local, e nos finais de semana ela faz a Marcie e o resto das líderes de torcida modelaram em biquínis na janela de exposição encarando a rua da loja.
— Ela está tendo muita dificuldade em achar modelos de lingerie plus-size, — disse Marcie.
— Você tem comida presa nos seus dentes, — Ane disse a Marcie. — Na fenda entre os seus dois dentes da frente. Parece com o chocolate...
Marcie lambeu seus dentes e deslizou da mesa. Enquanto ela ia embora gingando, Ane enfiou seu dedo em sua boca e fez gestos de vômito para as costas da Marcie.
— Ela tem sorte de estarmos na biblioteca, — Ane me disse. — Ela tem sorte de não termos nos cruzado em um beco escuro. Última chance quer chips?
— Passo.
Ane vagou para descartar os chips. Alguns minutos depois ela retornou com um livro de romance. Tomou o assento ao meu lado e, mostrando a capa do livro, disse:
— Algum dia seremos nós. Arrebatadas por caubóis parcialmente vestidos. Me pergunto como é beijar um par de lábios queimados pelo sol e com crostas de lama?
— Sujo, — eu murmurei, digitando.
— Falando em sujo. — Houve um aumento inesperado em sua voz. — Lá está o nosso menino.
Eu parei de digitar tempo o bastante para espiar sobre meu laptop, e meu coração pulou uma batida. Christopher estava de pé do outro lado da sala na fila de empréstimo. Como se ele tivesse me sentido observando-o, ele se virou. Nossos olhos se trancaram por um, dois, três instantes. Eu quebrei-o primeiro, mas não antes de receber um sorriso vagaroso.
As batidas do meu coração ficaram erráticas, e eu disse a mim mesma para me controlar. Eu não ia ir por essa estrada. Não com o Christopher. Não a não ser que eu estivesse louca.
— Vamos, — eu disse a Ane. Fechando meu laptop, eu o fechei dentro de sua pasta. Empurrei meus livros dentro da minha mochila, derrubando alguns no chão enquanto o fazia.
Ane disse:
— Estou tentando ler o título que ele está segurando... espera aí… Como Ser um Perseguidor.
— Ele não está emprestando um livro com esse título. — Mas eu não estava certa.
— É ou esse ou Como Irradiar Sensualidade Sem Tentar.
— Shh! — Eu sibilei.
— Acalme-se, ele não consegue ouvir. Está falando com a bibliotecária. Ele está indo embora.
Confirmando isso com uma rápida olhada, percebi que se fôssemos embora agora, provavelmente o encontraríamos na porta de saída. E então seria esperado que eu dissesse algo para ele. Eu me ordenei a voltar para a minha cadeira e procurei diligentemente nos meus bolsos por coisa alguma enquanto ele terminava de sair.
— Você acha que é sinistro ele estar aqui na mesma hora que nós? — Ane perguntou.
— Você acha?
— Eu acho que ele está te seguindo.
— Eu acho que é uma coincidência. — Isso não era inteiramente verdade. Se eu tivesse que fazer uma lista dos dez lugares em que eu esperaria encontrar Christopher em qualquer noite, a biblioteca pública não entraria. A biblioteca não entraria nos cem lugares. Então o que ele estava fazendo aqui?
A pergunta era particularmente perturbadora depois do que acontecera ontem a noite. Eu não tinha mencionado isso para Ane porque eu esperava que isso encolhesse e murchasse na minha memória até parasse de ter acontecido. Ponto.
— Christopher! — Ane fingiu sussurrar. — Você está perseguindo a Dulce?
Eu fixei minha mão sobre a boca dela.
— Para com isso. Falo sério. — Fiz uma cara severa.
— Aposto que ele está te seguindo, — disse Ane, forçando a minha mão a sair. — Aposto que ele tem um histórico disso também. Aposto que ele tem medidas cautelares. Deveríamos entrar escondidas no escritório principal. Tudo deve estar na ficha estudantil dele.
— Não vamos entrar escondidas no escritório principal.
— Eu podia criar uma distração. Sou boa em distrações. Ninguém veria você entrar. Poderíamos ser como espiãs.
— Não somos espiãs.
— Sabe o sobrenome dele? — Ane perguntou.
— Não.
— Sabe alguma coisa sobre ele?
— Não. E eu gostaria de continuar desse jeito.
— Ah, vamos lá. Você ama um bom mistério, e não fica melhor que isso.
— Os melhores mistérios envolvem um corpo morto. Não temos um corpo morto.
Ane deu um gritinho.
— Ainda não!
Chacoalhando duas pílulas de ferro da garrafa na minha mochila, eu as engoli juntas.
Ane fez o Neon saltar em sua entrada logo depois das nove e meia. Ela desligou o motor e balançou as chave na minha frente.
— Você não vai me levar para casa? — perguntei. Um desperdício de fôlego, já que eu sabia a resposta dela.
— Muita neblina.
— Em algumas "Partches" do caminho.
Ane sorriu.
— Ah, cara. Ele está tão na sua mente. Não que eu te culpe. Pessoalmente, estou esperando sonhar com ele hoje a noite.
Argh.
— E a névoa sempre piora perto da sua casa, — Ane continuou. — Me assusta depois de escuro.
Eu agarrei as chaves. — Muito obrigada.
— Não me culpe. Diga a sua mãe para se mudar mais pra perto. Diga a ela que tem esse clube novo chamado civilização e que vocês deveriam se juntar.
— Suponho que espera que eu te pegue antes da escola amanhã?
— As sete e meia seria bom. Café da manhã por minha conta.
— É melhor que seja bom.
— Seja boazinha com o meu bebê. — Ela deu um tapinha no para-lama do Neon. — Mas não boazinha demais. Não posso fazê-la pensar que tem melhor aí fora.
Na viagem para casa eu permiti que meus pensamentos fizessem uma pequena viagem para Christopher.
Ane estava certa – algo sobre ele era incrivelmente sedutor. E incrivelmente sinistro. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu estava convencida de que algo nele era... estranho. O fato dele gostar de me antagonizar não era exatamente digno de notícia, mas havia uma diferença entre me irritar durante a aula e possivelmente me seguir até a biblioteca para conseguir isso. Não são muitas as pessoas que se dariam a tanto trabalho... a não ser que tivessem uma boa razão.
Na metade do caminho para casa uma chuva incitou nuvens finas a cobrirem a estrada. Dividir minha atenção entre a estrada e os controles no volante, tentei localizar os limpadores.
As luzes da rua relinchavam acima e eu me perguntei se uma tempestade mais forte estava se aproximando. Tão perto assim do oceano o clima mudava constantemente, e uma pancada de chuva podia rapidamente se transformar em uma inundação.
Eu acelerei o Neon.
As luzes do lado de fora piscaram novamente. Um pressentimento gelado espetou a parte de trás do meu pescoço, e os pelos nos meus braços formigaram. Meu sexto sentido passou para um alerta máximo. Me perguntei se eu achava que estava sendo seguida. Não havia faróis no espelho retrovisor.
Nada de carros a frente, tampouco. Eu estava completamente sozinha. Não era um pensamento muito confortante. Eu acelerei o carro para setenta quilômetros.
Achei o limpador, mas mesmo na velocidade máxima eles não conseguiam manter o ritmo da chuva martelante. O sinaleiro a frente ficou amarelo.
Eu parei, chequei para ver se o tráfego estava vazio, então fui para a cruzamento.
Escutei o impacto antes de registrar a silhueta negra derrapando pelo capô do carro.
Gritei e pisei fundo no freio. A silhueta golpeou contra o para-brisa com uma explosão estilhaçante.
Em impulso, eu virei duramente o volante para a direita. O final do Neon desacelerou, mandando-me girando no cruzamento. A silhueta rolou e desapareceu pela beirada do capô.
Eu estava segurando minha respiração, apertando o volante entre minhas mãos de dobras brancas. Levantei meu pé dos pedais. O carro moveu-se rapidamente e parou.
Ele estava agachado a alguns metros, me observando. Ele não parecia nem um pouco... ferido.
Ele estava vestido totalmente de preto e misturava-se a noite, dificultando dizer como ele era. De primeira eu não consegui distinguir nenhum traço facial, e então percebi que ele estava usando uma máscara de esqui.
Ele ficou de pé, fechando a distância entre nós. Achatou suas palmas na janela do lado do motorista. Nossos olhos se conectaram através dos buracos na máscara. Um sorriso letal pareceu crescer nos olhos dele.
Ele deu outro golpe, o vidro vibrando entre nós.
Dei partida no carro. Tentei sincronicamente colocá-lo na primeira marcha, empurrar o acelerador e soltar a embreagem. O motor entrou em movimento, mas o carro moveu-se rapidamente de novo e morreu.
Liguei o motor mais uma vez, mas fui distraída por um rosnado metálico desafinado. Eu observei com horror enquanto a porta começava a dobrar. Ele estava arrancando ela fora. Eu calquei o carro na primeira. Meus sapatos deslizaram por sobre os pedais.
O motor rugiu, a agulha de RPM no painel cravando na zona vermelha.
Seu punho passou pela janela numa explosão de vidro. Sua mão tateou meu ombro, fixando-se ao redor da minha mão. Eu dei um grito rouco, pisei com força no acelerador, e soltei a embreagem. O Neon guinchou em movimento. Ele segurou, apertando a minha mão, correndo ao lado do carro por diversos metros antes de soltar.
Eu acelerei para frente com a força da adrenalina. Chequei o espelho retrovisor para ter certeza de que ele não estava me perseguindo, então empurrei o espelho para encarar a distância. Eu tive que pressionar os meus lábios juntos para impedi-los de soluçar.
Eae quem vocês achão que é o cara com mascara de esqui??
luaahuckermann_4326: Oii diva bem-vinda, sim eu ja vi essa fic mais pelo que eu me lembre ela só posto em 2013 os personagens e mais nada entao resolvi fazer a adaptação :3 E com o decorrei da fic ele vai ficar cada vez mais misterioso kkkk