No segundo em que saimos, dou-me conta de que necessitaremos de um carro.
É certo de que estou mais interessada na velocidade do que na comodidade, sobretudo depois de ver a forma como as gêmeas se agarram uma à outra enquanto olham em volta com receio. Penso em algo que nos leve ali rápido e nos faça chegar o quanto antes.
Romy pede para sentar-se no colo de Rayne enquanto piso no acelerador, navegando pelas ruas com surpreendente habilidade, enquanto que as gêmeas virtualmente se penduram pela janela aberta vendo tudo o que acontece.
— Estiveram aqui todo este tempo?
Olho para elas, nunca tinha visto alguém reagir à beleza de Laguna Beach da mesma maneira.
Balançam a cabeça, nenhuma só vez desviando o olhar. Remexem-se em seu banco, incomodadas, quando subo a porta. Permito que o guarda uniformizado nos olhe pela janela e nos esquadrinhe, antes de nos deixar entrar.
― Aonde nos leva? — Os olhos de Rayne me encaram com suspeita. Por que os guardas e as portas grandes? É uma espécie de cárcere?
Dirijo-me à colina, olhando-a quando digo:
― Não têm comunidades de acesso restrito em Summerland?
Em realidade nunca vi uma eu mesma, mas não vivi ali durante os últimos três séculos como elas. Sacodem suas cabeças, seus olhos exagerados, claramente com os nervos à flor da pele.
― Não se preocupem. — Dirigi-me à rua de Christopher e entrei com facilidade. ― Não é uma prisão, não que as portas estão ali. São mais para manter as pessoas fora em lugar de dentro.
― Mas por que queremos manter as pessoas fora? — Perguntam, duas vozes infantis mesclando-se em uma.
Entrecerro os olhos, sem ter ideia de como responder, já que não é como eu me criei tampouco, todas as comunidades em meu velho bairro eram de livre acesso.
― Suponho que têm a intenção de manter as pessoas… — Comecei a dizer ― a salvo — mas isso tampouco o era realmente. ― De todos os modos. — Sacudi a cabeça. ― Se forem viver aqui, terão que se acostumar-se a isso.
― Mas nós não vamos viver aqui. — Diz Rayne. ― Disse que isto era só uma solução temporária até que eu encontre uma forma para que possamos voltar, lembra?
Faço uma pausa e agarro o volante mais forte, recordando o medo que devem sentir, não me importando quão malcriadas sejam.
― É óbvio que é temporário — aceno com a cabeça, forçando um sorriso. Ou ao menos é melhor que o seja, porque se não, alguém vai ficar muito aborrecido. Saio do carro e lhes digo que me sigam, dizendo: ― Preparadas para ver seu novo lar temporário?
Dirijo-me à porta com as duas e justo quando estou resolvendo se devo tocar e esperar que Christopher me abra ou entrar diretamente já que provavelmente ele está dormindo, justo quando estou a ponto de fazer a última opção, é quando vejo Christopher abrindo a porta. Ele me olha e diz:
― Está bem?
Sorrio, e mando uma mensagem telepática antes de dizer:
— Claro, só mantenha a calma e me dê a oportunidade de te explicar tudo. — Seus olhos curiosos, olham-me questionando o que digo.
― Podemos entrar?
Move-se para o lado, com os olhos muito abertos como se estivesse em choque quando Romy e Rayne saem detrás de mim e passam direto por ele.
Os magros braços rodearam sua cintura, olhando-o carinhosamente enquanto gritavam:
― Christopher! É você! É realmente você!
E tão agradável como é esta pequena reunião, não posso deixar de notar como é sua reação frente a ele, cheia de amor e emoção, que é o oposto de sua reação frente a mim.
― Hey. — Christopher sorri, agitando seu cabelo e inclinando-se para lhes plantar um beijo na parte superior de suas cabeças.
― Quanto tempo passou? — Ele se retira e as olha.
― A semana passada — diz Rayne, olhando ao Christopher com a adoração desenhada no rosto. ― Segundos antes de Dulce adicionar seu sangue ao antídoto e arruinar tudo.
― Rayne! — Romy reprende ao ver o clima desagradável entre sua irmã e eu, sacudindo sua cabeça.
Mas o deixo passar já que essa é uma batalha que nunca vou ganhar.
― Refiro a antes disso. — Christopher olha de esguelha ao longe, tratando de recordar a data.
Olham-no, com um brilho malicioso em seus olhos quando dizem:
― Foi há seis anos atrás, quando Dulce tinha dez!
Olho-as boquiaberta, os olhos quase saem de minhas órbitas quando Christopher ri.
― Ah, sim. E tenho que lhes agradecer por me ajudar a encontrá-la. E já que sabem o muito que significa para mim, apreciaria um pouco de amabilidade para com ela. Isso não é pedir muito, não é verdade?
Fez um carinho em Rayne debaixo de seu queixo, obrigando-a a sorrir enquanto suas bochechas ficavam de um rosa brilhante.
― Assim, a que devo esta incrível surpresa?
Ele nos conduz à sala vazia.
― De me reunir com minhas amigas perdidas faz muito tempo, que, devo acrescentar, não envelheceram nem um dia desde que nos encontramos.
Elas se olham e riem, claramente preparadas para serem cativadas por tudo o que ele diz. E antes que eu possa pensar numa resposta, e encontrar as palavras adequadas para comunicar lentamente a ele e conseguir que se acostumem à ideia de viver com elas, olham-se uma a outra e gritam:
― Dulce disse que podíamos viver contigo!
Christopher me olha, com seu sorriso ainda plantado no rosto, enquanto uma expressão de puro horror chega a seus olhos.
― Temporariamente — adiciono, meu olhar encontrando-se com o seu, enviando uma inundação telepática de tulipas vermelhos a seu modo. ― Só até que encontre uma forma de que voltem para Summerland, ou que seus poderes voltem, o que ocorrer primeiro.
Alinhavo uma nota mental: “Recorda quando disse que queria melhorar seu carma, para compensar seu passado? Bom, que melhor maneira que ajudar a alguém em necessidade? E desta maneira pode manter a casa, já que necessitará de espaço adicional. É a solução perfeita. Todo mundo à vontade!” Sacudo a cabeça e sorrio com tanto afinco que sou como um boneco cabeçudo.
Christopher nos lança um olhar, primeiro a mim, e depois às gêmeas. Rindo e movendo a cabeça de uma vez e diz:
― É obvio que podem ficar. Durante o tempo que precisarem. Então o que dizem se todos nos dirigirmos para cima para que possam escolher seus quartos?
Suspiro, enquanto meu noivo perfeito demonstra ser ainda mais perfeito. Sigo-lhes atrás enquanto as gêmeas sobem as escadas correndo, felizes, rindo, totalmente transformadas agora que estão aos cuidados do Christopher.
― Podemos ficar com esse quarto? — Perguntam, com seus olhos iluminados quando se colocam na soleira do quarto especial de Christopher ainda desprovido de suas coisas.
― Não!
Eu respondo com muita rapidez, e me estremeço quando se viram, com seus olhos entreabertos me olhando.
Mas embora me sinta mal sobre o início negativo, estou decidida a voltar ao estado normal, e não há maneira de que possa consegui-lo se elas estão acampando na casa dele.
― Está ocupado — acrescento, sabendo que minha resposta não fez nada para suavizar o golpe. ― Mas há outros, este lugar é enorme, já o verão. Há inclusive uma piscina!
Romy e Rayne se olham a uma à outra antes de seguirem caminhando pelo corredor, com as cabeças movendo-se juntas, sussurrando em voz baixa, sem ocultar sua insatisfação comigo.
Podia ter deixado, Christopher pensa, o suficientemente perto para enviar uma carga através de minhas veias.
Sacudo a cabeça e caminho em silêncio junto a ele, respondendo telepaticamente, quero voltar a vê-lo cheio de suas coisas. Apesar de que já não signifiquem nada para você, significam muito para mim. Não se pode simplesmente eliminar o passado… não pode simplesmente dar as costas às coisas que o definem. Ele se detém, dirigindo-se a mim e diz:
― Dulce, não estamos definidos por nossas coisas. Não é a roupa que levamos, os carros que conduzimos, a arte que adquirimos não é o lugar onde vivemos… Mas como nós vivemos, como o fazemos, isso nos define.
Seu olhar perfura o meu, enquanto me dá um abraço telepático. O efeito parece tão real que me tira o fôlego.
― São nossas ações as que são lembradas muito depois de termos ido — adiciona, alisando meu cabelo quando seus lábios telepáticamente se encontram com os meus.
É verdade. Sorrio, realçando a imagem que ele criou com tulipas e o pôr-do-sol e o arco íris e cupidos e todo lugar, clichê de temas românticos que nos fazem rir tanto. Salvo que somos imortais, acrescento, decidida a influir nele por minha parte. O que significa que nada disso se aplica realmente. Assim com isso em mente, talvez possamos sozinhos...
Mas nem sequer chego a terminar antes que as gêmeas chamem nossa atenção, gritando:
― Este quarto! Quero este!
Dado que as gêmeas estão tão acostumadas a estarem juntas, eu estava certa de que queriam compartilhar o mesmo espaço e inclusive ter beliches ou algo assim.
Mas no momento em que comprovaram o tamanho do quarto do lado, e do seguinte, cada uma delas escolheu um quarto e não voltaram atrás.
Passaram as horas seguintes dirigindo-se a Christopher e a mim, exigindo que trouxéssemos camas, penteadeiras e prateleiras… só para trocar de opinião novamente, por isso nós tínhamos que esvaziar o quarto e começar a manifestar tudo de novo.
Mas enquanto Christopher usa sua magia, não me queixo. Eu estou realmente tranquila ao vê-lo utilizá-la uma vez mais, embora ainda se negasse a manifestar algo para si mesmo. No momento em que terminamos, o sol começava a nascer, e eu soube que era tempo de retornar a minha casa antes que Sabine despertasse e notasse que eu tinha ido.
― Não se surpreenda se não for à escola hoje — diz Christopher, caminhando até a porta da frente. Suspiro, odiando a ideia de ir sem ele.
― Não posso deixá-las aqui sozinhas. Não até que consigam estabelecer-se.
Encolhe-se de ombros, assinalando com o dedo polegar por cima de seu ombro e apontando para cima onde as gêmeas estão finalmente, graças a Deus, dormindo em suas camas!
Concordo, sabendo que tem razão, e prometendo que voltarão para Summerland logo, antes que se acostumem aqui.
Não estou certo de que esta seja a solução diz ele, sentindo meus pensamentos.
Entrecerro meus olhos, me perguntando onde quer chegar, mas conseguindo, um pequeno incômodo em meu estômago.
― Estive pensando… — Ele inclina sua cabeça para um lado, o polegar seguindo sua barba de vários dias alinhada no queixo. — Passaram por muito, perderam seus lares, suas famílias, tudo o que conheceram e amaram levadas tão bruscamente, que não tiveram a oportunidade de viverem. — Sacode sua cabeça. ― Elas merecem uma verdadeira infância, sabe? Um novo começo no mundo…
Olho-o boquiaberta, com vontade de responder, mas as palavras simplesmente não vêm. Porque embora eu também queira que sejam felizes e seguras e todas essas coisas, já não estamos na mesma situação.
Eu estava planejando uma pequena visita curta, um par de dias, ou no pior dos casos, semanas. Nenhuma só vez me veio a ideia de nos converter em pais substitutos, especialmente de gêmeas que são só uns poucos anos mais jovens que eu.
― Foi só uma ideia — encolhe-se de ombros. ― Em última instância, a decisão é delas. São suas vida.
Engulo a seco e desvio o meu olhar, me dizendo que isto não é nada que tenha que ser resolvido ainda, e caminhando em direção ao carro que fiz aparecer. Christopher diz:
― Dulce. Sério? Um Lamborghini?
Estremeço-me, ruborizando diante do seu olhar.
― Precisava de algo rápido. — Encolho-me, sabendo que não está acreditando no segundo que vejo sua cara. ― Tiveram medo de ficar do lado de fora, assim precisava chegar aqui rapidamente.
― E precisava ser brilhante e vermelho também? — Ri, olhando para o carro e para mim, sacudindo sua cabeça.
Pressionei meus lábios e olhei para o outro lado, me negando a dizer mais alguma coisa.
Quero dizer, não tinha a intenção de ficar com ele. Vou desfazer-me dele no segundo que chegar em casa.
Abro a porta e subo, de repente recordando o que queria lhe perguntar antes. Me rendendo ante as elegantes linhas de seu rosto, digo:
― Hey Christopher, como abriu a porta tão rapidamente? Como soube que estávamos aqui?
Ele me olha, seus olhos reunindo-se com os meus enquanto pouco a pouco se desvanece o sorriso de seu rosto.
― Quero dizer, eram quatro da manhã. Nem sequer tive a oportunidade de tocar e você já estava ali. Não estava dormindo?
E embora um pedaço de metal vermelho chamativo se interponha entre nós, é como se ele estivesse ali mesmo. Seu olhar enviando tremores sobre minha pele quando ele diz:
― Dulce, sempre posso sentir quando está perto.