Jude fecha a porta dianteira e logo me conduz por um corredor curto. Entramos em um pequeno quarto à direita. Sigo-lhe com as mãos flexionadas em ambos os lados de meu corpo, olhando o símbolo da paz no dorso de sua camiseta e me recordando a mim mesma que se fizer algo horripilante posso levá-lo rapidamente e lhe fazer arrepender-se do dia em que decidiu vir atrás de mim.
Move-se para uma cadeira dobradiça acolchoada de frente para uma mesa quadrada coberta por um tecido azul brilhante, tendo uma cadeira na minha frente e apoiando seu pé descalço em seu joelho enquanto me diz:
— Então, qual é sua especialidade?
Olho-o, com as mãos dobradas, me concentrando em fazer lentas pausas enquanto trato de não me retorcer.
— Cartas do Tarot? Runas? I Ching? Psicometría? Qual delas?
Olho para a porta, sabendo que poderia alcançá-la em uma fração de segundos, o que poderia causar um revôo, mas, e o quê?
— Irá fazer uma leitura para mim, não é verdade? — Seu olhar se nivela ao meu. — Se dá conta de que é o que queria dizer com entrevista? — ele ri, mostrando um casal de covinhas enquanto se balança pelos ombros e ri um pouco mais.
Olho a toalha, seguindo os buracos da seda com meus dedos, com o calor subindo por minhas bochechas enquanto recordo as últimas palavras do Christopher, como ele pode me sentir sempre, e esperando que estivesse dizendo isso, que ele pode me sentir agora.
— Não necessito de nada — murmuro, até sem querer olhá-lo. — Tudo o que preciso é um rápido toque de sua mão, e estou preparada para ir.
— Quiromancia — diz. — Não era o que esperava, mas está bem. — Inclina-se para mim, com as mãos abertas, suas palmas para cima, preparado para sair.
Engulo em seco, vendo as linhas profundamente marcadas, mas ali não é onde vive a história, ao menos não para mim.
— De fato, não as leio — digo, com a voz traindo os meus nervos, enquanto me armo de forças para tocá-lo. — É mais como, a energia, eu somente me sintonizo com ela. Ali é onde está toda a informação.
Ele retira suas mãos, me estudando tão estreitamente que não posso vê-lo nos olhos.
Sabendo que só preciso tocá-lo, acabando com isso de uma vez. E preciso fazê-lo agora.
— É só a mão, ou...? — diz flexionando os dedos, com os calos revestindo sua palma, subindo e baixando de novo.
Limpo minha garganta, me perguntando porque estou tão nervosa, porque sinto como se estivesse traindo Christopher, quando o que estou fazendo é conseguir um trabalho que fará feliz a minha tia.
— Não, pode ser em qualquer parte do corpo. Sua orelha, seu nariz, inclusive o dedo gordo de seu pé, não importa, tudo lê da mesma forma. A mão é mais acessível, sabe.
— Mais acessível que o dedo gordo do pé? — Sorri, os olhos verde mar procurando os meus.
Faço uma pausa profunda, pensando nas tão grossas e ásperas parecem suas mãos, especialmente comparadas com as de Christopher que são quase mais suaves que as minhas.
E de alguma forma, inclusive só de pensar nisso me sinto fora de órbita. Agora que nosso toque é proibido, somente o fato de estar com outros meninos me parece sórdido, ilícito, equivocado.
Inclino-me para ele, com os olhos fechados, me lembrando de que é somente uma entrevista de trabalho, que realmente não há nenhuma razão pela que não possa conseguir isto de maneira rápida e indolor. Pressiono meu dedo no centro de sua palma e sinto o suave e doce toque de sua carne. Permito que seu fluxo de energia flua através por mim, tão tranquilo, sereno, é como estar no mais tranquilo dos mares. Tão diferente do formigamento e calor aos quais me acostumei com Christopher, ao menos até que me choque com a história da vida de Jude.
Retiro minha mão como se me tivessem picado, procurando o amuleto, justo debaixo de meu top, notando o alarme em seu rosto enquanto me apresso a explicar.
— Sinto muito. — Sacudo a cabeça, zangada comigo mesma por exagerar. — Normalmente eu não faria isso. Normalmente sou muito mais discreta. Só estava um pouco, surpresa, isso é tudo. Não esperava ver nada tão… — me detenho, sabendo que meu estúpido balbuceio só piora mais. — Normalmente, quando faço leituras, escondo minhas reações muito melhor que isso. — Viro-me, forçando meu olhar a encontrar-se com o seu, sabendo que o que digo não vai esconder o fato de que me afogava como o pior tipo de aficionada. — Sério — sorrio, os lábios estreitando-se de uma forma que não pode ser convincente. — Sou como a última Poker Face.
Olhando para ele de novo e vendo que não está funcionando. Um Poker Face que também está cheio de empatia e compaixão – gagueira, incapaz de deter este trem desbocado. Quer dizer, sério, estou, cheia disso… me estremeço, sacudindo minha cabeça enquanto recolho minhas coisas para assim chamá-lo um dia. Não há forma de que ele vá contratar- me agora.
Ele desliza pela beirada de sua cadeira, apoiando-se tão perto que luto para respirar.
— Então me diga, que foi que viu exatamente?
Engulo a seco, fechando os olhos por um momento e reproduzindo o filme que acabo de ver em minha cabeça. As imagens são tão claras, dançando diante de mim, quando digo.
— É diferente. — Olho-o, seu corpo imóvel, o olhar constante, permitindo nenhuma pista quanto a se estou realmente certa. — Mas então, sempre foi diferente. Desde que era um menino os via.
Engulo em seco e evito seu olhar, a imagem dele em seu berço, sorrindo e saudando a avó que se tinha ido anos antes de seu nascimento agora gravada em minha memória, e quando… faço uma pausa, sem querer dizê-lo, mas sabendo que se quiser o trabalho, então será melhor que o faça.
— Mas quando seu pai, matou-se, quando tinha dez anos, você pensou que era o culpado.
Convencido de sua insistência em ver sua mãe, quem, por certo se foi justo um ano antes, de algum jeito o enviou por cima do limite. Foi anos antes que você aceitasse a verdade, que seu pai só estava sozinho, deprimido e ansioso de estar com sua mãe de novo. Mas ainda assim, às vezes você duvida.
Olho-o notando como ele quase não se estremeceu, mas algo nesses escuros olhos verdes sugere a verdade.
— Ele tratou de visitá-lo algumas vezes. Querendo desculpar-se pelo que fez, mas embora você o sentisse, bloqueou-o. Farto de ser objeto de brincadeira de seus companheiros e repreendido pelas freiras, para não mencionar seus pais adotivos também — sacudo minha cabeça, sem querer continuar, mas sabendo que devo fazê-lo.
— Você só queria ser normal — murmuro — que o tratassem como os outros. — Risco meus dedos sobre a toalha, com a garganta começando a apertar, sabendo exatamente como sente-se ao querer se encaixar, embora na realidade nunca possa. — Mas depois de que escapasse e conhecesse Lina, quem, por certo, não é sua verdadeira avó, seus verdadeiros avós estão mortos.
Olho-o, me perguntando se ele está surpreso de que eu o soubesse mas não dá nenhuma pista.
— De qualquer forma, ela o acolheu, alimentou-o, deu-lhe o que vestir, ela…
— Ela salvou minha vida — sussurra, recostando em sua cadeira, os largos dedos morenos esfregando-se contra seus olhos. — Em mais de uma forma. Estava tão perdido e ela…
— Aceitou-o por quem é em realidade. — Viro-me, vendo toda a história diante de mim, enquanto penso que estou justo ali.
— E quem é esse? — Pergunta ele, as mãos desdobradas em seus joelhos, me observando. —
Quem sou realmente?
Olho-o, sem sequer pausar quando digo:
— Uma pessoa tão inteligente que terminou a escola secundária em décimo grau. Uma pessoa com tais habilidades místicas que ajudou a centenas de pessoas e pediu muito pouco em troca. E apesar de tudo isso, você também é uma pessoa tão — observo-o, com os lábios levantando-se nas esquinas. — Bom, ia dizer largadão, mas como na verdade quero este trabalho, direi despreocupado, em troca. — Rio, aliviada quando ele faz o mesmo. — E dada a oportunidade de não trabalhar outro dia mais. Você passaria o resto da eternidade procurando por aquela onda perfeita.
— É uma metáfora? — Pergunta, com um sorriso torcido em seu rosto.
— Não em seu caso — encolho-me de ombro. — Em seu caso, é um fato.
Ele se vira, recostando-se no encosto da cadeira, me olhando de uma forma que faz para meu estômago dançar. Abandonando-se para frente de novo, com os pés no chão.
— Culpado — seus olhos nostálgicos, procurando os meus. — e agora que não há mais segredos, desde que olhou justo no fundo de minha alma – tenho que perguntar, alguma ideia de meu futuro? Talvez uma loira?
Movo-me em meu lugar, preparada para falar quando ele me interrompe:
— E falo do futuro imediato, como a noite desta sexta-feira. Stacia finalmente decidirá sair comigo?
— Stacia? — Minha voz se quebra enquanto meus olhos virtualmente saem de órbita. Muito para o Poker Face que estava presumindo.
Observo enquanto ele fecha seus olhos e sacode a cabeça, esses compridos e dourados cabelos contrastando com sua maravilhosa pele escura.
— Anastasia Pappas, aliás Stacia — diz, sem estar consciente de meu suspiro de alívio, entusiasmada por saber que é alguma outra Stacia e não a que eu conheço.
Entrego-me à energia e menciono seu nome sabendo que não acontecerá, ao menos não em da forma que ele pensa.
— De verdade quer saber? — Pergunto, sabendo que poderia lhe economizar um montão de esforço perdido lhe dizendo agora, mas duvidando de que ele queira saber a verdade tanto como o aclama. — Quer dizer, não preferiria esperar e ver como acontecerão as coisas? —
Olho-o, esperando que esteja de acordo.
— É isso o que diz a seus clientes? — Pergunta, de volta nos negócios. Sacudo a cabeça, olhando diretamente para ele.
— Hey, se forem o bastante tolos para perguntar, então sou o suficientemente tola para responder. — sorrio. — Então, suponho que a pergunta é, o quão tolo é você?
Ele se detém, duvida por um tempo e me preocupo de havê-lo levado muito longe. Mas logo sorri, com a mão direita estendida enquanto se levanta da cadeira.
— O suficientemente tolo para te contratar. Agora se não esticou a mão quando nos conhecemos, pode fazê-lo agora, vira-se, apertando minha mão demoradamente.
— Essa é uma das melhores leituras que me fizeram.
— Uma das melhores? — Levanto minha sobrancelha simulando estar ofendida enquanto alcanço minha bolsa e caminho ao lado dele.
Ele ri, indo direto à porta e me jogando uma olhada enquanto diz:
— Por que não vem amanhã de manhã, digamos, por volta das dez? — Detenho-me, sabendo que não há forma de que possa fazer isso.
— O que? Prefere dormir até tarde? Una-se ao clube. — Encolhe os ombros. — Mas acredite, se eu posso fazê-lo, você também pode.
— Não é isso. — detenho-me, me perguntando porque estou evitando lhe dizer. Quer dizer, agora que tenho o trabalho, o que me importa o que ele pense?
Ele me olha, esperando, com o olhar somando-se aos segundos.
— É só que, tenho aula — encolho-me de ombros, pensando em como a palavra aula soa muito mais velha que colégio, como se estivesse na Universidade ou um pouco parecido.
Me olha de novo.
— Onde?
— Hum, em Bay View — murmuro, tratando de não fazer uma careta de dor quando o digo em voz alta.
— A secundária? — Seus olhos se estreitam lentamente
— Wow, de verdade é psíquico? — Rio, sabendo que soo nervosa, estúpida, me esclarecendo quando digo. — Estou terminando meu ano Júnior.
Ele me olha por um momento, muito comprido, logo se vira e abre as portas.
— Parece mais velha — diz, as palavras soam tão abstratas que não sei se foram dirigidas a mim ou para ele. — Venha quando puder. Te mostrarei como usar a registradora e outras coisas por aqui.
— Quer que eu venda coisas? Pensei que só faria leituras — surpresa de escutar a expansão de meu trabalho tão rapidamente.
— Quando não estiver fazendo leituras estará trabalhando na loja. Isso é um problema? — Sacudo a cabeça enquanto ele mantém abertas as portas.
— Só uma coisa a mais — mordo o lábio, insegura de como proceder. — Bom, duas coisas, de fato. Primeiro, importa-se se for com um nome diferente, já sabe, para as leituras e essas coisas? Vivo com minha tia, e embora ela seja genial e tudo isso, não sabe sobre minhas habilidades exatamente, assim…
— Se é isso que quer. — Ele encolhe os ombros. — Nada de preocupações. Mas como preciso começar a separar as consultas, quem quer ser?
Detenho-me, sem ter pensado nisto até agora. Pergunto-me se deveria escolher o nome de Rachel que é o nome de minha melhor amiga no Oregón, ou um pouco mais comum como Anne ou Jenny ou algo assim. Mas sabendo como as pessoas sempre esperam que os psíquicos vão mais longe do normal, olho para a praia e digo a terceira coisa que vejo, sorteando a árvore e a quadra de esportes de basquete quando digo:
— Avalon. — Imediatamente eu gosto do som. — Já sabe, como o povo na Catalina Island?
Ele se vira, me seguindo para fora enquanto diz:
— E a segunda coisa?
Dou-me volta, tomando uma profunda pausa e esperando que ele escute o que digo.
— Pode ter algo melhor que Stacia.
Ele me olha, o olhar movendo-se por meu rosto, claramente resignado de verdade, a não ser que esteja estremecido por ouvir de mim.
— Tem um sério histórico de se apaixonar pelas garotas equivocadas — sacudo minha cabeça. Sabe, não é?
Espero por uma resposta, algum reconhecimento do que acabo de dizer, mas o só se encoraja e se despede com a mão. Fica observando enquanto vou direto ao meu automóvel, sem ter ideia de que posso escutá-lo quando pensa: Não sei.
Por hoje é só meninas, olha quem chegou na parada.
Jade, o surfista que vai conquistar a nossa Dulce.
Alguém curioso para saber o que acontece?