Essa noite, algum tempo depois que a festa terminou e todos os convidados já tinham saído, eu estava deitada em minha cama pensando em Ava, pensando no que ela me disse sobre Maite e de como eu era a culpada. Eu sempre pensei que Maite não tinha assuntos pendentes, que não havia nada prendendo ela aqui, e que me visitava porque ela assim queria, porque eu nunca lhe pedi que viesse. Era simplesmente algo que ela decidiu sozinha, e acredito que o tempo que ela não está comigo, ela passa em algum lugar no céu. E mesmo que eu saiba que Ava só esta querendo ajudar, oferecendo para ser algo como uma irmã vidente mais velha, mas ela não entende é que eu não quero nenhuma ajuda. Embora eu queira ser normal de novo, e voltar a ser do jeito como era antes, sei também que este é o meu castigo. Esse horrível dom é o que eu mereço por todo o dano que causei, pelas vidas que destruí e agora tenho que viver com isso e tentar não magoar mais ninguém.
Quando eu finalmente adormeço, sonho com Christopher e em todo o sonho, o sinto tão poderoso, tão intenso, tão urgente, que penso que é real. Mas pela manhã tudo o que lembro são partes fragmentadas, imagens deslocadas sem começo ou fim. A única coisa que lembro claramente é de nós dois correndo em direção a algo que não posso ver.
— Qual é o seu problema? Por que está tão mal-humorada? — Maite pergunta, sentada na borda da minha cama, vestindo uma fantasia de Zorro idêntica ao que o Eric usou na festa.
— Halloween terminou — lhe digo, olhando o chicote de couro preto que ela usa para golpear o chão.
— Não me diga — ela faz uma careta e continua a bater no carpete. — Eu gosto da fantasia, algum problema? Estou pensando em me fantasiar todos os dias.
Eu me inclino até o espelho, coloco meus pequenos brincos de diamantes e prendo o meu cabelo em uma trança.
— Não acredito que vai continuar vestindo isso — ela diz, seu nariz enrugando em aversão — Pensei que tinha encontrado um namorado — ela deixa cair o chicote e agarra o meu iPod, seus dedos deslizando pelos botões inspecionando minha lista de músicas.
Eu viro, me perguntando o que exatamente ela viu.
— Olá-a? Na festa? Na piscina? Ou foi somente uma ficada?
Eu a encaro, meu rosto tornando-se vermelho carmesim.
— O que você sabe sobre ficar? Só tem 12 anos! E por que raios estava me espionando?
Ela revira os olhos.
— Por favor, como se eu fosse perder meu tempo espionando você quando eu posso ver coisa melhor. Para sua informação, casualmente fui lá fora ao exato momento em que você metia a língua pela garganta desse tal Christopher, e acredite, desejaria não ter visto.
Sacudo a cabeça e reviro minha gaveta, transferindo minha raiva contra meus moletons.
— Sim, bem, eu odeio te dar a notícia, mas ele dificilmente será meu namorado, não tenho falado com ele desde — eu digo a ela, odiando a maneira como meu estômago fica embrulhado quando digo isso. Então pego meu moletom cinza e coloco descuidadamente sobre minha cabeça, arruinando completamente a trança que tinha acabado de fazer.
— Eu posso espioná-lo se você quiser, ou assombrá-lo. — Ela sorri.
Eu a olho e suspiro, parte de mim querendo que ela faça isso, e a outra parte sabendo que eu devo seguir em frente, deixá-lo ir e esquecer que isso aconteceu.
— Só fique fora disso. Está bem? — digo finalmente. — Eu só gostaria de passar por uma experiência normal de colegial, se não se importa.
— Você que sabe — ela dá de ombros, derrubando meu Ipod. — Mas quero que saiba, que Brandon está disponível novamente.
Pego uma pilha de livros e coloco na minha mochila, espantada de como essa notícia não me faz sentir nem um pouco melhor.
— Sim. Rachel terminou com ele no Halloween quando o pegou aos beijos com uma coelhinha da playboy. Era a Heather Watson vestida como uma.
— É sério? — a encaro boquiaberta. — Heather Watson? Você esta brincando.
Tento imaginar mais não consigo.
— Palavra de escoteiro. Você devia vê-la, perdeu uns vinte quilos, se livrou do aparelho, alisou o cabelo, e agora parece uma pessoa completamente diferente. Infelizmente ela age como uma pessoa completamente diferente também. Ela agora é, você sabe, como uma PU com um T e um A. — Ela sussurra, voltando a bater no chão com seu chicote, enquanto eu absorvo as novas notícias.
— Sabe, você não deveria espionar as pessoas — lhe digo, mais preocupada com que ela espione a mim, do que a meus velhos amigos. — É muito grosseiro, sabia?
Ponho a mochila no ombro e me dirijo para a porta.
Maite ri.
— Não seja ridícula. É bom manter contato com seus antigos vizinhos.
— Você vem? — lhe pergunto, girando impacientemente.
— Sim, vamos ver quem chega primeiro! — ela disse, passando pela direita e escorregando pelo corrimão. Sua capa preta de Zorro flutuava enquanto ela deslizava para baixo.
Quando chego à casa de Christian, ele já estava esperando do lado de fora, seus polegares pressionando os botões do celular.
— Só um segundo, está bem? Feito! — Ele se senta no banco do passageiro e me encara.
— Agora me conte tudo do começo ao fim. Eu quero todos os detalhes sujos, sem deixar nada de fora!
— Do que você está falando? — eu dou a ré na entrada da garagem e sigo pela rua, disparando um olhar de advertência para Maite, que esta sentada no colo de Christian, soprando em seu rosto e rindo quando ele tenta ajustar o ar.
Christian me olha e sacode a cabeça.
— Alô-ou? Do Christopher é claro! Ouvi dizer o que vocês se atracaram, se beijaram na beira da piscina, fazendo coisas em baixo da luz prateada da Lua.
— Aonde você quer chegar com tudo isso? — eu pergunto, mesmo já sabendo, mas desejando que exista alguma maneira de pará-lo.
— Escute, a notícia já se espalhou, por isso não trate de negar. Eu ia te ligar ontem, mas meu pai confiscou o telefone e me arrastou para um treino de rebatidas, para me ver rebater como uma garota — ele ri — deveria ter visto, agi totalmente afeminado e ele ficou horrorizado. Isso é pra ele aprender. Enfim, vamos voltar ao que interessa. Vamos, a revelação começa agora. Conte-me tudo. — Ele disse, virando-se para mim e esperando impaciente. — Foi tão incrível quanto sonhávamos que seria?
Eu dou de ombros, olhando brevemente para Maite e aviso com meus olhos para ela parar de chatear e desaparecer.
— Lamento te decepcionar — finalmente digo, — mas não há nada para contar.
— Não foi isso o que eu escutei. Anahi me disse
Pressiono meus lábios e sacudo a cabeça, só porque eu sabia o que a Anahi disse, não significa que eu queira escutá-lo em voz alta. Assim eu o corto secamente quando digo:
— Ok, nos beijamos. Mas foi só uma vez.
Posso senti-lo me olhando, suas sobrancelhas levantadas, seus lábios com um sorriso suspeito.
— Talvez, duas vezes, não sei, não contei. — Eu resmungo, mentindo como uma principiante com o rosto vermelho, as mãos suadas, evitando encará-lo, e desejando que ele não note. Porque a verdade é que em minha mente eu repito esse beijo tantas vezes, que já está tatuado no meu cérebro.
— E? — Ele disse, esperando por mais.
— E nada. — Lhe digo, aliviada quando eu olho e vejo que Maite já tinha ido embora.
— Não te ligou? Não te mandou uma mensagem ou um email? Não foi te visitar? —
Christian sibila, visivelmente chateado, perguntando-se o que isso significa não só para mim, mas para o futuro do nosso grupo.
Eu balanço a cabeça, e olho direto para frente, irritada comigo mesma por não saber lidar melhor com as coisas, odiando a maneira como minha garganta se aperta e meus olhos começam a arder.
— Mas o que ele disse? Digo, quando ele foi à festa? Quais foram suas últimas palavras?
— Christian pergunta, determinado a encontrar algum raio de esperança nesta deprimente e amarga paisagem.
Eu busco na memória, relembrando nosso estranho e precipitado adeus à porta. Então encaro Christian, respiro profundamente, e digo:
— Ele tirou a pluma da minha peruca pra guardar de lembrança.
E no momento que falo, sei que isso realmente é um mau sinal. Ninguém leva uma lembrança de um lugar que planeja visitar. Christian me olha, seus olhos expressando as palavras que seus lábios se recusam a pronunciar.
— Pode falar... — eu digo, sacudindo minha cabeça enquanto eu entro no estacionamento.
Mesmo estando totalmente comprometida em não pensar em Christopher, não posso evitar me decepcionar quando chego à aula de Inglês e vejo que ele não está ali. Isso, naturalmente, me faz pensar ainda mais, até que isso se torne uma obsessão.
Quer dizer, pra mim, nosso beijo parecia algo mais do que um simples beijo, mas isso não significa que ele se sinta da mesma maneira.
E, só porque pra mim foi tão forte, tão verdadeiro, e tão transcendental, não significa que para ele tenha sido assim. Porque não importa o quanto eu tente, não consigo esquecer a imagem dele e Drina juntos, um perfeito Conde Fersen com uma idílica Maria, enquanto eu me acomodo na margem com muito brilho e cancã, como a pior imitadora do mundo.
Estou a ponto de ligar meu iPod quando Stacia e Christopher entram juntos pela porta, alegres e sorridentes, seus ombros quase se tocando, dois botões de rosas brancas na mão dela. E quando ele a deixa em sua mesa e se dirige a mim, eu rapidamente me ocupo com alguns papéis e finjo que não o vejo.
— Oi — ele disse, sentando-se em sua cadeira. Agindo como se tudo fosse perfeitamente normal. Como se não houvesse passado menos de quarenta e oito horas desde que ele me pegou e depois largou. Eu pressiono minha bochecha contra minha mão e me forço a bocejar, esperando parecer entediada, cansada e sobrecarregada por atividades que ele nem pode imaginar, rabisco em um pedaço de papel do meu livro com os dedos tremendos que a caneta desliza pela minha mão. Me inclino para pegá-la e quando e volto a minha mesa encontro uma tulipa vermelha no topo.
— O que aconteceu? Acabaram as rosas brancas? — Eu pergunto, olhando livros e papéis como se tivesse algo importante para fazer.
— Jamais te daria uma rosa branca — ele disse, seus olhos buscando os meus.
Mais eu me recuso a encará-lo, me recuso a envolver-me em seu jogo sádico. Eu só pego minha mochila e finjo estar procurando algo, maldizendo em voz baixa quando vejo que está cheia de tulipas.
— Você é estritamente uma garota de tulipas; tulipas vermelhas — ele sorri.
— Como é excitante pra mim — murmuro, deixando cair minha mochila no chão e me ajeitando para a parte mais distante da minha cadeira, sem ter a menor idéia do que tudo isso significa.
Quando chego a nossa mesa do almoço, estou suando frio, me perguntando se Christopher estaria lá, se Anahi estaria lá, porque embora eu não tenha falado com ela desde a noite de sábado, apostaria qualquer coisa como ela ainda continua aborrecida comigo. Mas mesmo passando toda a aula de Química pensando em um discurso, no momento que a vejo esqueço todas as palavras.
— Bem, olha quem está aqui. — Anahi diz, olhando-me.
Me sento junto a Christian no banco, que está muito ocupado enviando mensagens para notar minha presença, e não posso evitar de me perguntar se deveria arrumar novos amigos. Ainda duvido que alguém me queira.
— Estava contando a Christian tudo o que aconteceu na Nocturne. Só que ele está determinado a me ignorar. — Ela franze o cenho.
— Só porque fui forçado a escutá-la durante toda a aula de História, e ainda sim não havia terminado e me fez chegar tarde a aula de Espanhol — ele sacode a cabeça e continua com seu celular.
Anahi dá de ombros.
— O que acontece é que está com ciúmes — então, olhando-me, ela tenta corrigir-se. — Não é que a sua festa não foi boa, porque ela foi. É só que esta era mais o meu ambiente. Você entende, não é? — Eu limpo minha maçã com minha manga e dou de ombros, sem querer escutar mais sobre Nocturne, seu ambiente, ou Drina. Mas quando finalmente a encaro, fico assustada de ver como suas habituais lentes de contato amarelas foram substituídas por um distinto verde.
Um verde tão familiar que me tira a respiração.
Um verde que só pode ser descrito como o verde dos olhos de Drina.
— Deveria ter visto, havia uma fila enorme na entrada, mas nos deixaram entrar no
segundo que viram Drina. Nem sequer tivemos que pagar! Não tivemos que pagar por nada. Toda a noite tinha sido paga. Então eu fiquei no quarto dela. Ela está instalada nesta incrível suíte no Hotel St. Regis até conseguir um lugar permanente para viver. Deveria ver: vista para o mar, jacuzzi, um mini-bar! Tudo!
Ela me olha, seus grandes olhos esmeraldas, cheios de emoção, esperando por uma resposta entusiasmada que eu simplesmente não posso dar.
Pressiono meus lábios e olho para o resto de sua aparência, notando como o seu delineador é mais suave, mais parecido ao estilo de Drina, e seu batom vermelho-sangue foi substituído por um rosado mais leve, como o que Drina usa. Mesmo o seu cabelo, que sempre foi alisado desde que a conheço, agora está ondulado e o penteado é igual ao de Drina. E quanto ao seu vestido, é feito sobre medida, sedoso e clássico, como algo que Drina usaria.
— E onde está Christopher? — Anahi me olha como se eu deveria saber.
Eu dou uma mordida na maçã e me encolho dando de ombros.
— O que aconteceu? Pensei que agora andavam agarrados — ela pergunta sem querer abandonar o assunto.
Mas antes que eu pudesse responder, Christian larga seu celular e olha Anahi de uma maneira que deixa uma tradução direta de: Cuidado com o que vai dizer.
Ela tira os olhos de Christian e volta a me encarar, logo sacode a cabeça e suspira.
— Que seja. Eu só quero que saiba que não me incomoda você estar com Christopher, por isso não se preocupe, está bem? — ela encolhe seus ombros. — Já está completamente superado. É sério. Promessa de dedo mindinho.
Eu sem muito ânimo enrosco meu dedo mindinho ao redor do dela e também me envolvo em toda a sua energia e fico completamente surpreendida de ver que ela está sendo sincera. Quer dizer, a apenas este fim de semana ela me descreveu como inimiga pública número um, e agora ela não se importa, mas eu posso ver o por quê.
— Anahi — eu começo, perguntando-me se de verdade deveria fazer isso, mas eu penso logo Que diabos, não tenho nada a perder.
Ela me olha sorrindo, esperando.
— É... quando vocês foram à Nocturne, por acaso viram o Christopher? — pressiono meus lábios e espero, sentindo o olhar afiado de Christian, enquanto Anahi só me olha claramente confusa. — É que, o que aconteceu é que ele foi pouco tempo depois que vocês saíram, então pensei que talvez...
Ela sacode a cabeça e encolhe os ombros.
— Não, nunca o vi por lá. — Ela disse, removendo com a língua um pouco de glacê de seu lábio.
Mesmo sabendo o que verei, escolho esse momento para dar uma olhada em todo o sistema social do refeitório, hierarquização por ordem alfabética, começando com nossa pobre mesa Z e caminhando para a mesa A. perguntando-me se encontraria Christopher e Stacia brincando em um leito de rosas brancas, ou envolvidos em qualquer atividade sórdida que preferiria não ver.
Mas enquanto eu ainda estava à mesa fazendo as mesmas atividades de sempre, com as mesmas pessoas de sempre, ao menos por hoje a mesa estava livre de flores.
Acho que é porque Christopher não está aqui.