Segundos antes do Sr. Robins entrar na sala, eu baixei meu capuz, desliguei meu iPod, e fingi ler meu livro, sem me incomodar em olhar para cima quando ele disse:
— Turma, este é Christopher Uckermann. Ele acabou de se mudar para cá do Novo México. Ok, Christopher, você pode sentar naquele lugar lá atrás, ao lado de Dulce. Você vai ter que dividir o livro dela até comprar o seu.
Christopher é lindo. Eu sei isso sem olhar uma vez para cima. Eu só me foco no meu livro enquanto ele faz o caminho já que eu sei muito dos meus colegas. Então, até onde me interessa, um momento extra de ignorância realmente é uma benção.
Mas de acordo com os pensamentos interiores de Stacia Miller sentado a apenas duas mesas na minha frente – Christopher Uckermann é totalmente gostoso.
A melhor amiga dela, Honor, concorda totalmente.
Assim como o namorado de Honor, Craig, mas essa é outra história.
— Hey. — Christopher desliza no assento ao lado do meu, minha mochila fazendo uma abafada batida enquanto ele a coloca no chão.
Eu acenei, me recusando a olhar a além da manga dele, preta, botas de motoqueiro. Do tipo que são mais QG do que Hells Angels.
O tipo que parece muito deslocado entre as ondas de chinelos multi-coloridos atualmente acariciando o chão verde acarpetado.
Sr. Robins pede para que todos nós voltemos para nossos livros na pagina 133, e prontamente Christopher se inclina e diz:
— Se importa em dividir?
Eu hesito, temendo a proximidade, mas deslizo meu livro até ele ficar na ponta da minha mesa. E quando ele move a cadeira mais para perto, diminuindo a pequena distância entre nós, eu vou para a parte mais afastada da minha cadeira e me escondo debaixo do meu capuz.
Ele riu baixo, mas já que eu ainda preciso olhar para ele, eu não faço ideia o que significa. Só o que eu sei é que soa leve, e divertido, mas como se tivesse algo mais.
Eu afundo ainda mais, bochecha na palma, olhos no relógio. Determinada a ignorar todos os olhares e comentários críticos direcionados a mim. Coisas como: Pobre gostoso, lindo cara novo, tendo que sentar com aquela aberração.
Isso emana de Stacia, Honor, Craig, e praticamente qualquer um na sala.
Bem, a não ser pelo Sr. Robins, que quer que a aula termine quase tanto quanto eu.
Até o almoço, todos estão falando sobre Christopher.
— Você viu aquele garoto novo Christopher? Ele é tão gostoso. Tão sexy
— Eu ouvi que ele é do México
— Não eu acho que é Espanha
— Tanto faz, é um lugar estrangeiro
— Eu totalmente vou convidar ele para ir ao Baile de Inverno
— Você nem conhece ele ainda
— Não se preocupe, eu vou
— Ohmeudeus. Você viu aquele garoto novo, Christopher? — Anahi senta ao meu lado, vendo através das presas dela, ela é tão tímida quanto os lábios negros dela.
— Oh, por favor, você também não. — Eu balanço minha cabeça e mordo minha maçã.
— Você não estaria dizendo isso se você tivesse tido o privilégio o bastante para ver ele — ela diz, removendo seu bolo de baunilha da caixa rosa, lambendo a cobertura do topo em sua rotina usual de almoço, embora ela se veja como alguém que prefere beber sangue a comer um pequeno bolo doce.
— Vocês estão falando sobre Christopher? — Christian sussurrou, deslizando no banco e colocando os cotovelos na mesa, os olhos marrons passando entre nós, o rosto dele se curvando numa careta. — Lindo! Você viu as botas? Tão Vogue. Eu acho que vou convidar ele a ser meu próximo namorado.
Anahi o encarou com olhos estreitos e amarelos.
— Tarde demais, eu o reivindico.
— Eu sinto muito, não percebi que você é afim de não-góticos. — Ele dá um sorriso afetado, virando os olhos enquanto desembrulha seu sanduíche.
Anahi ri.
— Quando eles parecem daquele jeito, eu sou. Eu juro que ele é tão gostoso, que você tem que ver ele. — Ela balança a cabeça, irritada por eu não me juntar à diversão.
— Ele é como? – combustível!
— Você não o viu? — Christian solta o sanduíche e olha para mim.
Eu olho para a mesa, me perguntando se eu deveria mentir. Eles estão fazendo tanto barulho que eu estou pensando que essa é minha única saída. Só que eu não posso. Não para eles. Anahi e Christian são meus melhores amigos. Meus únicos amigos. E eu sinto que já mantenho segredos o bastante.
— Eu sentei ao lado dele na aula de inglês — eu finalmente disse. — Fomos forçados a dividir um livro. Mas eu não olhei direito.
— Forçada? — Anahi move suas presas para o lado, pra poder ter uma vista clara da aberração que se atreveu a dizer tal coisa. — Oh, isso deve ter sido horrível para você, isso deve ter sido realmente uma droga. — Ela vira os olhos e suspira. — Eu juro, você não faz ideia da sorte que tem. E você nem aprecia.
— Que livro vocês leram juntos? — Christian pergunta, embora o título fosse, de alguma forma, revelado como algo insignificante.
— O morro dos ventos uivantes. — Eu dou nos ombros, colocando o resto da minha maçã no meu guardanapo e dobrando as pontas ao redor dela.
— E o seu capuz? Pra baixo ou pra cima? — Anahi pergunta.
Eu penso, lembrando de como eu o coloquei pra cima enquanto ele vinha em minha direção.
— Um, pra cima — eu digo a ela. — Yeah, definitivamente para cima. — Eu aceno.
— Bem obrigada por isso — ela murmura, cortando o cupcake ao meio. — A última coisa que eu preciso é uma competição com a deusa dos cabelos de fogo.
Eu me encolho e olho para a mesa. Eu fico envergonhada quando as pessoas dizem coisas assim. Aparentemente, eu costumava viver para esse tipo de coisa, mas não mais.
— Bem, e quanto a Christian? Você não acha que ele é competição? — Eu pergunto, divergindo a atenção para longe de mim e de volta para alguém que pode realmente apreciar.
— Yeah. — Christian passa a mão pelo cabelo castanho curto e vira nos agraciado com seu melhor lado. — Não me exclua.
— Perda de tempo — Anahi diz, limpando migalhas brancas do colo. — Christopher e Christian não jogam para o mesmo time. O que significa que a sua aparência de modelo oh-tão-devastadora, não conta.
— Como você sabe em que time ele joga? — Christian pergunta, virando a tampa da sua VitaminWater e estreitando os olhos. — Como você pode ter tanta certeza?
— Radar gay — ela diz, batendo na testa. — E confie em mim, esse cara não está apitando.
Não apenas Christopher estava na minha aula de inglês no primeiro período, mas também na minha aula de arte no sexto período -não que ele tenha sentado perto de mim, e não que eu tenha olhado, mas os pensamentos passando ao redor da sala, mesmo da nossa professora, Sra. Machado, me falaram tudo que eu precisava saber-, mas agora ele também tinha, aparentemente, estacionado perto de mim também. E mesmo que eu tenha conseguido evitar olhar qualquer coisa a não ser as botas dele, eu sabia que meu período de graça tinha chego ao fim.
— Ohmeudeus, lá está ele! Diretamente perto da gente! — Anahi da um grito agudo, em um fino sussurro que ele guarda para os momentos mais excitantes da vida. — E dá uma olhada naquela maquina – um brilhante BMW preto, com janelas extra-escurecidas. Legal, muito legal. Ok, então o negócio é o seguinte, eu vou abrir a minha porta e acidentalmente bater na dele, então eu vou ter uma desculpa para falar com ele. — Ele vira, esperando meu consentimento.
— Não arranhe meu carro. Ou o carro dele. Ou qualquer outro carro — eu digo, balançando a cabeça e pegando minhas chaves.
— Tudo bem. — Ele disse com a expressão azeda. — Destrua meus sonhos, tanto faz. Mas faça um favor a você mesma e olhe para ele! Então me olhe nos olhos e me diga que ele não faz você querer surtar e desmaiar.
Eu virei meus olhos e me apertei entre meu carro e o Fusca VW tão mal estacionado que está num ângulo tão estranho que parece estar querendo montar no meu Miata. E quando eu estou prestes a destrancar porta, Christian arranca meu capuz, rouba meus óculos de sol, e corre para o lado do passageiro onde ele me encoraja, via não-tão-sutil viradas com a cabeça e polegar para cima, para olhar para Christopher que está parado atrás dele.
Então eu faço isso. Eu quero dizer, não é como se eu pudesse evitar ele para sempre.
Então eu respiro fundo e olho.
E o que eu vejo me deixa incapaz de falar, piscar, ou me mover.
E embora Christian tenha começado a acenar para mim, me encararam, e basicamente me dando todos os sinais que ele consegue pensar para abortar a missão e voltar para o quartel-general – eu não posso. Eu quero dizer, eu gostaria, porque eu sei que estou agindo como uma aberração quando todos já estão convencidos de que é isso que eu sou, mas é completamente impossível.
E não é só porque Christopher é inegavelmente lindo, com o cabelo castanho brilhante que bate nos ombros dele e um rosto esculpido, mas quando ele olhou para mim, quando ele ergueu os óculos escuros e encontrou meus olhos, eu vejo que os olhos em forma de amêndoas dele são profundos, escuros, e estranhamente familiares, emoldurados por cílios tão cheios que eles quase parecem falsos. E os lábios dele! Os lábios dele são perfeitos e convidativos com um perfeito arco de Cupido. E o corpo que segura tudo isso é longo, magro, forte, e coberto todo em preto.
— Um, Dulce? O-lá? Você pode acordar agora. Por favor. — Christian vira para Christopher, rindo nervosamente, — Desculpe pela minha amiga aqui, ela normalmente usa o capuz.
Não é como se eu não soubesse que preciso parar. Eu preciso parar agora. Mas os olhos de Christopher estão fixos nos meus, e a cor deles cresce mais profundamente enquanto a boca dele começa a se curvar.
Mas não é a beleza dele que me tem transfixa. Não tem nada a ver com isso. É principalmente o jeito que a área toda ao redor do corpo dele, começando da gloriosa cabeça dele e indo até os dedos quadrados fofos das botas de motoqueiro dele, consiste em nada a não ser um espaço em branco vazio.
Nenhuma cor. Nenhuma aura. Nenhum show de luzes pulsantes.
Todos tem uma aura. Cada ser vivo é cercado por cores emanando de seus corpos. Um arco-íris de energia que eles nem tem ciência de que está lá. É não é como se fosse perigoso, ou assustador, ou de qualquer forma ruim, é só parte do visível -bem, para mim pelo menos- campo magnético.
Antes do acidente eu nem sabia sobre as coisas assim. E eu definitivamente não era capaz de ver. Mas do momento que eu acordei no hospital, eu notei cor em toda parte.
— Você está se sentindo bem? — A enfermeira de cabelo vermelho um pouco mais claro que o meu que era um vermelho sangue, perguntou, olhando para baixo ansiosamente.
— Sim, mas porque você está toda rosa? — eu disse, confusa pelo brilho pastel que a envolvia.
— Porque eu o quê? — Ela lutou para esconder o alarme.
— Rosa. Você sabe, está ao redor de você, especialmente na sua cabeça.
— Ok, querida, você só descanse e eu vou chamar o médico — ela disse, saindo do quarto e correndo pelo corredor.
Foi ao ser submetida a uma bateria de testes nos olhos, tomografias, e avaliações físicas, que eu aprendi a manter a visão das cores para mim mesma. E até a hora em que eu comecei a ouvir pensamentos, recebendo histórias de vida por toque, e receber visitas regulares da minha irmã morta, Maite, eu sabia que não deveria dizer nada.
Eu acho que me acostumei tanto em viver assim, que eu esqueci que havia outro jeito. Mas ver o contorno de Christopher com nada mais do que a cara pintura do carro caro dele é um vago lembrete de dias mais felizes e normais.
— Dulce, certo? — Christopher diz, o rosto dele se aquecendo num sorriso, revelando só outra das perfeições dele – dentes brancos deslumbrantes.
Eu fiquei parada ali, desejando que meus olhos deixassem os dele, enquanto Christian fazia um show de limpar a garganta. E lembrando o quanto ele odeia ser ignorado, eu gesticulo em direção a ele e digo:
— Oh, desculpe. Christian, Christopher; Christopher, Christian. — E todo o tempo meus olhos nunca, nem uma vez, cederam.
Christopher olha para Christian, acenando brevemente antes de voltar a se focar em mim. Embora eu saiba que isso parece loucura, pelo breve segundo que os olhos dele se afastaram, eu me sentia estranhamente fria e fraca.
Mas no momento que os olhos dele voltaram, foi tudo quente e bom de novo.
— Posso te pedir um favor? — ele sorri. — Você pode me emprestar sua cópia doO morro dos ventos uivantes? Eu preciso alcançar a turma e não tenho tempo para visitar uma livraria hoje à noite.
Eu busquei em minha mochila, peguei minha copia cheia de orelhas de burro, e a segurei com a ponta dos meus dedos, parte de mim querendo passar a ponta das dele, fazer contanto com esse lindo estranho, enquanto a outra parte, mas forte, sábia e física se contrai – temendo o horrível flash de revelações que vem com cada toque.
Mas só depois de ele jogar o livro dentro do carro, baixar os óculos de sol e dizer “Obrigado, te vejo amanhã”, que eu percebo que fora um pequeno formigamento na ponta dos meus dedos, nada aconteceu. E antes deu poder responder, ele está se afastando e dirigindo para longe.
— Com licença — Christian diz, balançando a cabeça enquanto ele vem para o meu lado. — Mas quando eu disse “você vai surtar quando vir ele”, não era uma sugestão, não era para ser levado literalmente. Sério, Dulce, o que aconteceu? Porque essa foi uma tensão mega constrangedora, um verdadeiro “Olá, meu nome é Dulce, e eu vou ser sua próxima perseguidora, tipo por enquanto”. E acredite em mim, você é extremamente sortuda por nossa boa amiga Anahi não estar aqui para ver isso, porque eu odeio lembrar a você, mas ela o reivindicou...
Christian continuou assim, reclamando sem parar, todo o caminho para casa. Mas eu só o deixei falar enquanto eu navegava pelo trânsito, meus dedos distraidamente tracejando a cicatriz vermelha na minha testa, que estava escondida abaixo da minha franja.
Eu quero dizer, como eu posso explicar que desde o acidente as únicas pessoas cujos pensamentos eu não posso ouvir, cujas vidas eu não posso saber, e cujas auras eu não posso ver, já estão mortas.