Sei que deveria correr, gritar, fazer alguma coisa. Mas em vez disso eu fiquei congelada, minhas sandálias ficaram coladas ao chão como se tivessem criado raízes. Eu olho fixamente para Drina, perguntando-me não só como terminei aqui, mas o que ela pode ter em mente.
— O amor não é uma merda? — Ela sorri, sua cabeça inclinada para o lado enquanto me olha. — No momento exato quando você conhece o homem dos seus sonhos, um homem que parece ser muito perfeito para ser verdade, só assim, você se dá conta que ele é bom demais para ser verdade. Pelo menos bom demais pra você. E no momento seguinte você sabe que é uma miserável e está sozinha, bem, sejamos sinceras, bêbada a maior parte do tempo. Embora eu deva dizer, me diverti em vê-la cair no vício adolescente. Tão previsível, tão... literário. Você sabe o que eu quero dizer? As mentiras, as coisas escondidas, o roubo, toda sua energia focada em garantir seu vício. O que fez meu trabalho muito mais fácil. Porque cada sorvo que você tomava enfraquecia suas defesas, cegando seus estímulos, sim, mas também deixava sua mente vulnerável, aberta, e mais fácil de manipular.
Ela pega o meu braço fortemente, suas unhas pressionando meu pulso. E mesmo tentando me soltar, não adianta nada. Ela é extremamente forte.
— Vocês Mortais — ela pressiona os lábios. — São tão divertidos de provocar, alvos fáceis. Acha que eu fiz todo esse plano elaborado para terminar tão cedo? Certo, há formas mais fáceis de fazer isso. Inferno, se eu quisesse poderia ter acabado com você em seu quarto, enquanto eu ajustava o cenário. Poderia ser muito mais rápido, me fazia perder menos tempo, embora claramente, não seria tão divertido. Para nenhuma de nós duas. Não acha?
Eu a olho, assimilando seu rosto sem imperfeições, seu brilhante cabelo, seu perfeitamente ajustado vestido preto, apertando e fluindo nos lugares certos, tudo exaltando sua excitante beleza, e quando percorre sua mão pelo cabelo louro brilhante, eu vejo sua tatuagem de ouroboros.
Mas quando eu pisco, desaparece novamente.
— Então vejamos, você pensou que Christopher estava te chamando pra cá, convidando-a, contra sua vontade. Desculpe desapontá-la, Dulce, mas fui eu, tudo um elaborado plano, criado por mim. Eu amo 21 de dezembro, você não? É o solstício de inverno, a noite mais longa, todos esses ridículos góticos festejando em algum estúpido desfiladeiro. — Ela dá de ombros, seus elegantes ombros subindo e descendo, sua tatuagem indo e vindo em minha visão. — Desculpe meu estilo dramático. Embora isto mantenha a vida interessante, não concorda?
Tento afastar-me novamente, mas ela me agarra ainda mais forte, enterrando as unhas, causando uma terrível dor enquanto crava em minha carne.
— Agora digamos que eu deixe você ir. O que você faria? Correria? Eu sou mais rápida. Procuraria por sua amiga? Oops, erro meu. Anahi nem sequer está aqui. Parece que eu a enviei para a festa errada, no desfiladeiro errado. Ela está procurando por aí enquanto nós conversamos, empurrando todos esses ridículos que querem converter-se em vampiros, procurando por mim — ela sorri. — Eu pensei que podíamos desfrutar de uma reunião menor, mais íntima — ela sorri, seus olhos me varrendo. — E parece que a convidada de honra está aqui.
— O que você quer? — Eu digo, apertando os dentes quando ela me agarra mais forte, os ossos do meu pulso se chocando uns contra os outros em uma dor insuportável.
— Não me apresse — ela estreita seus olhos verdes como os de Anahi olhando os meus. — Tudo há seu tempo. Agora, onde eu parei antes de ser interrompida tão grosseiramente? Ah, sim, estávamos falando de você, e como chegou aqui, e como isso se transformou em algo que não esperava. Mas, nada em sua vida é como esperava, é? E pra dizer a verdade, nunca tenha sido, e suspeito, nunca será. Você vê, Christopher e eu nos conhecemos há tempos. Estou falando de muito, muito, muito, muito, muito... bem, você já faz idéia. A ainda assim, apesar de todos os anos juntos, apesar da longevidade, você continua aparecendo e se metendo no meio.
Eu olho para o chão, perguntando-me como eu posso ter sido tão estúpida, tão inocente. Nada disso tinha haver com Anahi... Tudo tinha haver comigo.
— Aw, não seja tão dura com você mesma. Não é a primeira vez que comete esse erro. Você tem sido responsável pela sua morte, por, vejamos... muitas vidas? — Ela dá de ombros. — Bem, acho que perdi a conta.
E de repente lembro o que Christopher disse, no estacionamento, sobre não poder me perder de novo. Mas quando olho pra ela e vejo seu rosto endurecer e mudar, apago da minha mente esses pensamentos, sabendo que ela pode lê-los.
Ela caminha em torno de mim, balançando meu braço enquanto isso, fazendo-me girar em círculos em sua frente enquanto ela encosta a língua contra o interior da bochecha.
— Vejamos, se não me falha a memória, e nunca me falha, então as últimas vezes jogamos um pequeno jogo chamado gostosura ou travessura. E acho que é justo informá-la que realmente não funciona bem pra você. Mesmo assim, você nunca parece se cansar dele, então pensei que talvez, você gostaria de tentar novamente?
Eu a encaro, enjoada pelas voltas, os resíduos de álcool aderindo-se a minhas veias, diluindo sua ameaça.
— Alguma vez você já viu um gato matar um rato? — Sorri, seus olhos brilhando, enquanto sua língua se move pelos lábios. — Como jogam com sua patética e pobre presa por um longo tempo até que finalmente se cansam e terminam o trabalho?
Fecho meus olhos, sem querer escutar mais. Pensando que se ela está tão determinada a me matar então por que não se apressa e faz tudo de uma vez?
— Bem, essa seria a parte da gostosura, ao menos para mim — ela ri. — E a travessura? Não está curiosa com a travessura? — E quando não respondo, ela suspira. — Bem, você é bastante chata, não é? Embora eu suponha que te direi de qualquer forma. Veja, a travessura é... eu pretendo te deixar ir, então fico parada observando como você corre em círculos, tentando fugir, até que finalmente você se cansa, e eu prossigo com a gostosura. Então, o que será? Morte lenta? Ou Morte agonizante e lenta? Vamos, apresse-se o relógio está andando.
— Por que você quer me matar? — Olho para ela. — Por que você não pode me deixar em paz? Christopher e eu não somos um casal, faz semanas que não o vejo.
Mas ela apenas ri.
— Não é nada pessoal, Dulce. Mas Christopher e eu sempre parecemos ficar muito melhor uma vez que você tenha sido... eliminada.
E mesmo pensando que eu queira uma morte rápida, agora mudei de opinião. Recuso a render-me sem lutar. Mesmo estando destinada a perder.
Ela balança a cabeça e me olha com seu rosto desfigurado pela decepção.
— E assim será. Você escolheu a travessura, certo? — Ela balança a cabeça. — Muito bem, então vá!
Ela solta meu braço e eu fujo para o desfiladeiro, sabendo que ali não há nada que possa me salvar, mas ainda assim eu tenho que tentar.
Afasto o cabelo dos meus olhos e corro cegamente através da neblina, esperando poder localizar a trilha, voltar para onde comecei. Meus pulmões ameaçando explodir em meu peito, enquanto minhas sandálias se rompem e abandonam meus pés, mas mesmo assim eu continuo correndo. Correndo enquanto as afiadas e frias pedras cortam a sola dos meus pés.
Correndo enquanto uma quente e abrasadora dor queima um buraco em minhas costelas.
Correndo mais além das árvores cujos galhos afiados arrebentam o meu casaco e rasgam direto em mim. Correndo por uma vida, mesmo não estando certa se vale a pena vivê-la.
E enquanto estou correndo, recordo de outro momento onde corri assim.
Mas, igualmente como no meu sonho, não tenho nenhuma idéia de como termina.
Acabo de alcançar o começo da luz que leva até a trilha, quando Drina aparece fora da neblina e para na minha frente.
E mesmo tentando me esquivar e afastar-me, ela levanta uma indisposta perna me fazendo cair de boca no chão.
Eu fico caída no chão, piscando em uma piscina de meu próprio sangue, escutando sua desdenhosa risada e quando tento tocar meu rosto, meu nariz está para o lado e sei que está quebrado.
Tento me levantar, cuspindo pedras por minha boca e estremecendo de espanto ao ver que também caiu uma linha de sangue e dentes. E observo enquanto ela balança a cabeça e diz:
— Wow, você parece horrível, Dulce — ela faz uma cara de desgosto. — Seriamente horrível. Me pergunto o quê é que Christopher alguma vez viu em você.
Meu corpo sofre com a dor, minha respiração é fraca e instável enquanto jatos de sangue cobrem minha língua de um sabor metálico e amargo.
— Bem, suponho que queira saber todos os detalhes, embora não se recorde na sua próxima vida. Mas ainda assim, é sempre divertido ver o estado de choque em seu rosto cada vez que eu te explico — ela ri — Não sei por que, mas por alguma razão, nunca fico entediada com este episódio em particular, sem importar quantas vezes repetimos. Além do mais, se vou ser perfeitamente honesta, então tenho que admitir que permite um delicioso prazer prolongado. Como se fosse uma preliminar, não que você saiba alguma coisa sobre isso. Todas estas vidas e você de alguma forma sempre morre sendo virgem. O que seria muito triste, se não fosse tão engraçado — ela ri debochada.
— E então, por onde começamos, por onde começamos? — Ela me olha com seus lábios fazendo beicinho e suas unhas pintadas de vermelho batendo os dedos ao lado de seu quadril.
— Ok, bem, como você já sabe, fui eu que troquei a pintura que estava em seu porta-malas. Quero dizer, você como a garota de cabelos ruivos? Eu. Não. Acho. Isso. E entre você e eu, Picasso deveria ficar furioso. Ainda assim, eu o amo. Me refiro a Christopher, não a esse velho artista morto — ela ri.
— Enfim, vejamos, fui eu quem colocou a pena — ela revira os olhos. — Christopher pode ser tão sentimental. Ah, e também plantei esse sonho em sua cabeça. Como foram todos esses meses de misteriosos presságios? E não, não vou explicar todos os “como” e “por que”, porque isso tomaria muito tempo, sendo franca, é de pouca importância para onde você vai. É uma pena que você não morreu naquele acidente, porque teríamos evitado muitos problemas. Você tem alguma idéia de quanto dano causou? Quero dizer, por sua culpa Evangeline está morta e Anahi... bem, olha como ela esteve próxima. Quero dizer, realmente Dulce, que egoísta de sua parte.
Ela me olha, mas eu me recuso a responder, perguntando-me se isso qualifica como admitir a culpa. Ela ri.
— Bem, você está a ponto de morrer, por isso, não haveria nada de mal em confessar — ela levanta sua mão direita, com se fosse jurar solenemente. — Eu, Drina Magdalena Auguste — ela levanta uma sobrancelha, encarando-me, quando disse essa última parte — efetivamente eliminei Evangeline, também conhecida como June Porter, quem, diga-se de passagem, não estava contribuindo em nada e só ocupava espaço de modo que, não é tão triste como você pensa. Eu precisava tirá-la do meio para poder ter acesso completo a Anahi.
Ela sorri, estudando-me com o olhar.
— Sim, como você suspeitava, eu roubei sua amiga Anahi de propósito. O que é muito fácil de fazer com as pessoas que estão tão perdidas e ausentes de amor, que estão tão desesperadas por atenção que fariam o que fosse para que alguém lhes dedicasse uma hora do seu dia. E sim, eu a convenci de fazer uma tatuagem que quase lhe mata, mas apenas porque não pude decidir se eu a mataria de verdade, ou a mataria para poder trazê-la de volta e fazê-la imortal. Já se passou tanto tempo desde que tive minha última discípula e devo dizer que realmente gostei. Mas, como sempre, as indecisões sempre foram minhas fraquezas. Quando se tem tantas opções e uma eternidade para prová-las, bem, é difícil não tornar-se ambicioso e querer escolher todas! — Ela sorri como uma criança que tem sido travessa e nada mais.
— Mesmo assim, esperei muito, e então Christopher agiu – como o bem intencionado, altruísta e inocente que é – e, pois, você já sabe o resto. Ah, e fui eu quem fez com que Christian conseguisse o papel em Hairspray. Embora, com toda justiça, ele provavelmente teria conseguido por ele mesmo porque esse garoto é muito talentoso. Mas não podia me dar o luxo de arriscar, então eu entrei na cabeça do diretor e o fiz votar em seu favor. Ah, e Sabine e Jeff? Foi um erro meu, mas mesmo assim terminou bem, não acha? Imagina, sua inteligente, bem sucedida, esclarecida tia apaixonada por aquele perdedor — ela ri. — Patético, no entanto, completamente engraçado, não acha?
Mas por quê? Por que você fez isto? Penso, já incapaz de falar porque perdi a maioria dos meus dentes e estou afogando em meu próprio sangue, mas sei que não é necessário, sei que ela pode escutar os pensamentos em minha cabeça. Por que envolver a todos os outros? Por que não apenas eu?
— Queria te mostrar como sua vida pode ser solitária. Queria te demonstrar a facilidade com que as pessoas te abandonam a favor de algo melhor e mais emocionante. Está completamente sozinha, Dulce. Isolada e sem amor. Sua vida é patética e dificilmente vale a pena vivê-la. Então, como você pode ver, eu estou te fazendo um favor — ela sorri. — Mesmo eu estando certa de que não me agradecerá.
Olho para ela, perguntando-me como alguém tão incrivelmente linda pode ser tão horrível por dentro. Então eu olho fixamente em seus olhos e me movimento um pouquinho para trás, esperando que ela não perceba.
Nem ao menos estou com Christopher. Terminamos há muito tempo. Então por que não vai atrás dele? Nós podemos tomar camihos separados e esquecer que isto alguma vez aconteceu!
Penso, esperando que isso a distraia.
Ela ri e revira os olhos.
— Acredite, você é a única que esquecerá que isto alguma vez aconteceu. Além do mais, não é assim que funciona. Não faz idéia de como isso funciona, não é? — Ela me pegou nisso.
— Veja, Christopher é meu e sempre foi meu. Mas infelizmente, você continua aparecendo nessa sua estúpida, tediosa e repetitiva alma reciclada, e desde que você insiste em fazer isso, transformou-se em meu trabalho rastreá-la e matá-la toda vez — ela se aproxima de mim, enquanto a ensanguentada sola do meu pé para sobre uma pontiaguda e afiada pedra e fecho meus olhos e me contraio com a insuportável dor.
— Você pensa que isso dói? — ela ri. — Apenas espere.
Eu observo ao redor do desfiladeiro, esforçando meus olhos, estudando o lugar, tentando encontrar algum tipo de fuga. Então dou outro passo para trás e tropeço outra vez. Minhas mãos procuram o chão, até que meus dedos envolvem uma pedra afiada, que jogo em seu rosto, acertando em cheio seu maxilar e arrancando um pedaço da bochecha.
Ela ri enquanto um furo em seu rosto sangra em jatos revelando dois dentes faltando. Então observo horrorizada quando ela endireita-se novamente e retorna a sua pura e perfeita beleza.
— Outra vez isso — ela suspira. — Vamos, tente algo novo, veja se consegue me divertir pra variar.
Ela para na minha frente com as mãos nos quadris e sobrancelhas levantadas, mas eu me recuso a correr. Me recurso a fazer o próximo movimento. Me recuso a lhe dar a satisfação de outra estúpida corrida. Além do mais, tudo o que ela disse é verdade. Minha vida realmente é solitária e um horrível desastre, e arrasto comigo todos que eu toco.
Observo como ela avança até mim, sorrindo com antecipação, sabendo que meu final está próximo. Então eu fecho meus olhos e recordo o momento antes do acidente. Retornando quando eu era saudável e feliz, e estava rodeada por minha família. Imaginando-me tão vívida que posso sentir o acento de couro quente embaixo de minhas pernas, posso sentir o rabo de Buttercup batendo em minha coxa, posso escutar a Maite cantando a todo pulmão, sua voz desafinada, horrivelmente fora do tom. Posso ver minha mãe sorrindo enquanto se vira em seu banco, sua mão alcançando e batendo no joelho de Maite. Posso ver os olhos do meu pai, olhando-nos pelo retrovisor, seu sorriso sábio, bondoso e divertido.
E me agarro a esse momento, segurando em minha mente, experimentando as sensações, os perfumes, os sons, as emoções, como se estivesse ali mesmo. Querendo que este seja o último momento que eu veja antes de ir, revivendo a última vez em que fui verdadeiramente feliz.
E quando estou viajando nessas lembranças, como se estivessem realmente ali, escuto Drina exclamar:
— Que diabos?
E abro meus olhos para ver o estado de choque em seu rosto, seus olhos varrendo-me mantendo a boca aberta. Então eu olho pra baixo e vejo que meu vestido não está mais rasgado, meus pés não estão mais sangrando, meus joelhos não estão mais cortados e quando percorro meus dentes com a língua e toco o meu nariz, sei que meu rosto também está curado, e mesmo não fazendo idéia do que signifique, sei que preciso agir rápido antes que seja tarde demais.
E enquanto Drina dá um passo pra trás com seus olhos enormes e cheios de perguntas, eu caminho em sua direção sem saber qual será o próximo passo, ou o seguinte a este. Tudo o que sei é que eu estou correndo contra o tempo, enquanto me aproximo rapidamente e digo:
— Hey Drina, gostosuras ou travessuras?