Girl: Continuando. :D
Ajoelho-me junto a ele, com as mãos sobre os joelhos, os dedos dos pés enterrados na areia, desejando que me olhe, desejando que me fale. Inclusive se for só para me dizer o que já sei, que cometi um grave engano e uma estupidez, que possivelmente nunca se apagará. Com muito gosto o aceitaria, diabos, mereço isso. O que não posso suportar é o silêncio absoluto e seu olhar longínquo.
E estou a ponto de dizer algo, algo, para romper este silêncio insuportável, quando me olha com olhos tão cansados que são a encarnação perfeita de seus seiscentos anos.
— Alfonso. — Sussurra, sacudindo a cabeça. — Eu não o reconheci, não tinha nem ideia. — Sua voz se apaga junto com seu olhar.
— Não há maneira de que pudesse tê-lo sabido — digo, desejando apagar qualquer sentimento de culpa que possa sentir. — Todos vocês estiveram sob seu feitiço desde o primeiro dia. Acredite, ele tinha tudo planejado, assegurou-se de que suas lembranças fossem apagadas por completo.
Seus olhos procuram meu rosto e me estudam estreitamente antes de ficar de pé e ir para longe. Olhando para o oceano, aperta suas mãos em punhos, e me pergunta:
— Ele te machucou? Te perseguiu ou te fez mal de algum jeito?
Sacudo a cabeça.
— Não tinha que fazê-lo. Machucou-me através de ti.
Volta-se para mim, e vejo que seus olhos se obscurecem cada vez mais, e seu rosto se endurece, inalando profundamente, responde:
— Isto foi minha culpa.
Olho-o boquiaberta, me perguntando como podia acreditar nisso depois do que eu acabara de fazer.
Aproximo-me mais enquanto lhe grito:
— Não seja ridículo! É óbvio que não é sua culpa! Escutou o que eu disse? — Sacudo a cabeça. — Alfonso envenenou o seu elixir e te deixou hipnotizado. Você não tem nada que ver com isso. Você só seguia suas ordens. Tudo isto estava fora do seu controle!
Mas logo que terminei quando ele faz um gesto com sua mão.
— Dulce, não vê? Isto não é pelo Alfonso, não, isto é o carma. Isto é a vingança de seis séculos de vida egoísta.
Ele sacode sua cabeça e ri, embora não seja o tipo de risada que te convida a participar. É de outro tipo, da que te gela até os ossos.
— Depois de tantos anos te amando e te perdendo, uma e outra vez, eu estava seguro de que esse era meu castigo pela forma em que tinha vivido, sem ter ideia de que tinha morrido pelas mãos de Drina. Mas agora, vejo a verdade que me escapou todo o tempo. Justo quando eu estava seguro de evitar o carma te fazendo imortal e te mantendo para sempre a meu lado, o carma ri por último, o que nos permite uma eternidade juntos, mas só para nos olhar, mas nunca nos tocar de novo.
Chego até ele, com vontades de abraçá-lo, consolá-lo, convence-lo de que não é tudo certo. Mas me afasto com a mesma rapidez, ao recordar como nossa incapacidade para nos tocar é a mesma coisa que nos fez vir até aqui.
— Isso não é certo — digo, olhando-o fixamente. — Por que quer ser castigado quando eu sou a que cometeu o engano? Não vê? — Movo a cabeça, frustrada por sua singular forma de pensar. — Alfonso planejou isto todo o tempo. Amava Drina que não sabia, né? Foi um dos órfãos que sobreviveram à praga na Florença renascentista, e a amou através dos séculos. Nunca fez nada de mau por ela. Mas Drina não se preocupava com ele, só queria a você e você só me queria. E logo, bom, depois de havê-la matado, Alfonso decidiu ir a mim, e conseguiu através de você. Queria que sentisse a dor de não poder te tocar, igual a que ele sentia por Drina! E tudo aconteceu tão rápido…
Detenho-me, sabendo que é inútil, uma perda total de tempo. Ele deixou de me escutar logo depois que comecei, convencido de que ele era o culpado.
Mas eu não suporto visitar aquele lugar, e não deixarei que ele o faça tampouco.
— Christopher, por favor! Não podemos nos render. Isto não é o carma – sou eu! Me equivoquei, cometi um engano horrível, terrível. Mas isso não significa que não possamos solucioná-lo!
Tem que haver um caminho. Agarro a mais falsa das esperanças, me obrigando a mostrar um entusiasmo que realmente não sinto.
Christopherfica diante de mim, uma silhueta escura na noite, o calor de seu triste olhar cansado atua como nosso único abraço.
— Eu nunca devia ter começado — disse. — Nunca deveria ter feito o elixir. Deveria ter deixado que as coisas tomassem seu curso natural. Sério, Dulce, olhe o resultado que isso nos trouxe: nada mais que dor!
Sacode a cabeça, seu olhar é tão triste, tão infeliz, que rompe meu coração.
— Ainda há tempo para você, entretanto. Tem toda sua vida por diante, uma eternidade em que pode ser o que quiser ser, fazer o que quiser fazer. Mas eu… — Encolhe os ombros. — Estou poluído. Acredito que todos podemos ver o resultado de meus seiscentos anos.
― Não! — Minha voz gagueja tanto que meus lábios se estendem até minhas bochechas. ― Você não conseguirá se afastar, não pode me abandonar outra vez! Passei todo o mês passado examinando o inferno para te salvar e agora que está bem não vou me render. Fomos feitos um para o outro, você mesmo disse! Estamos experimentando um retrocesso temporário, isso é tudo. Mas se pudermos unir nossas mentes, sei que pensaremos numa maneira de...
Detenho-me, minha voz baixa, vendo como ele está indo, retirando-se a seu mundo triste e lamentável onde unicamente ele é o culpado. E sei que é hora de contar o resto da história, as partes lamentáveis e vergonhosas que preferiria excluir.
Talvez então ele o veja de maneira diferente, talvez então…
― Tem mais — digo, precipitadamente embora eu não tenha nem ideia de como seguir depois. ― Antes que assuma o carma ou o que seja, deve saber algo mais, algo de que não estou orgulhosa… Mesmo assim...
Então respiro fundo e começo a lhe falar de minhas viagens a Summerland. Essa dimensão mágica entre dimensões, onde aprendi a retroceder no tempo, e que, quando me deu a possibilidade de escolher entre minha família e ele, os escolhi. Convencida de que de algum jeito poderia restaurar o futuro, que estava segura, e, entretanto tudo o que realmente importava era uma lição que já sabia: Às vezes o destino se encontra fora de nosso alcance.
Engulo a seco e olho fixamente a areia, temendo ver a reação de Christopher quando olhar nos olhos de quem o traiu.
Mas no lugar de se zangar ou se incomodar como eu pensava, rodeou-me com uma luz formosa branca e brilhante. Uma luz tão reconfortante, tão compassiva, tão pura, como o portal de Summerland, só que melhor. Assim, fecho os olhos e rodeio a ele com a luz também, e quando os abro de novo, estamos envoltos no mais formoso e quente resplendor vaporoso.
— Você não tinha outra opção — disse, com uma voz suave e um olhar tranquilizador, fazendo todo o possível para aliviar toda minha vergonha. — É obvio que escolheu a sua família. Era o correto. Eu teria feito o mesmo, dada a escolha.
Aceno com a cabeça, iluminados com uma luz mais brilhante e trancados em um abraço telepático. Sabendo que isto não é tão reconfortante como na vida real, mas por agora isto é quão único podemos fazer.
— Sei de sua família, eu sei tudo, vi tudo.
Ele me olha com olhos escuros e intensos me obrigando a seguir.
— Você sempre foi tão reservado sobre seu passado, de onde veio, como vivia um dia, enquanto estava em Summerland, perguntei a respeito de você e me inteirei da história de sua vida.
Pressiono meus lábios juntos e o olho fixamente de pé diante de mim, ainda mais silencioso, se isso pudesse ser possível. Suspiro quando ele me olha fixamente e, telepáticamente remonta seus dedos ao longo da curva de minha bochecha. Uma imagem tão deliberada, tão evidente, que quase parece real.
— Sinto muito — diz, com o polegar mentalmente suavizando meu queixo. ― Sinto ter sido tão fechado e indisposto a compartilhar isto. Mas apesar de ter acontecido há muito tempo, ainda é algo do que preferia não falar.
Aceno com a cabeça, não tendo intenção de pressioná-lo.
O testemunho do assassinato de seus pais, seguido por anos de abusos nas mãos da Igreja não é um tema que tenha intenção de lembrar.
— Mas há mais — digo-lhe, com a esperança de poder talvez restaurar um pouco de esperança, compartilhando algo que aprendi. ― Quando eu observei a revelação de sua vida, ao final, Alfonso te matava. Mas mesmo parecendo destinado a acontecer eu conseguia te salvar.
Olho-o fixamente, sentindo que estou longe de lhe convencer e tenho que tomar decisões apressadas antes de que o perca por completo.
— Quero dizer, sim, talvez nosso destino seja às vezes fixo e imutável, mas há vezes que está movido puramente pelas ações que fazemos. Assim quando não pude salvar a minha família ao viajar no tempo, foi porque era o destino que não se podia mudar. Ou como disse Maite antes do segundo acidente que os levou de novo, não se pode mudar o passado, simplesmente assim é. Mas quando me encontrei de volta aqui em Laguna, e pude te salvar, bom, acredito que isso demonstra que o futuro não é sempre concreto, que tudo não se rege exclusivamente pelo destino.
— Talvez. — Ela sussurra, me olhando fixamente. — Mas não se pode escapar do carma, Dulce. É o que é. Ele não julga, não é nem bom nem mau como a maioria das pessoas pensa. É o resultado de todas as ações, positivas e negativas. Um equilíbrio constante dos acontecimentos, causa e efeito, olho por olho, dente por dente. — Encolhe os ombros. — Entretanto todas estas fases, dão na mesma no final. E por muito que você gostaria de pensar de outra maneira, isso é exatamente o que está acontecendo aqui. Todas as ações causam uma reação. E aqui é onde minhas ações me trouxeram. Ele sacode a cabeça. — Todo este tempo me disse que voltaria a encontrar o amor, mas agora vejo que era realmente egoísta, porque não podia estar sem você.
É por isso que isto está acontecendo agora.
— Então, isso é tudo? — Movo a cabeça, quase sem acreditar que está decidido a dar-se por vencido tão facilmente. — Assim é como termina? Está tão seguro de que foi açoitado pelo carma que nem sequer tratasse de te defender? Veio até aqui só para que pudéssemos estar juntos e agora que estamos frente a um obstáculo, nem sequer vai tentar escalar a parede de tijolos no caminho?
— Dulce. — Seu olhar é quente, amoroso, mas não é suficiente para tirar a derrota de sua voz. — Sinto muito, mas há algumas coisas que eu sei.
— Sim, bom... — Sacudo a cabeça e olho para o chão, enterrando os dedos profundamente na areia. — Só porque tem uns quatros séculos e não quer me dizer uma última palavra. Porque se realmente estivermos juntos nisto, se nossas vidas, como nossos destinos, estão realmente entrelaçados, então se dará conta de que isto não te ocorre sozinho, eu sou parte disto também. E não tem que caminhar longe disto, não tem que caminhar longe de mim! Temos que trabalhar juntos! Tem que haver uma forma… — detenho-me, meu corpo tremendo, minha garganta se fecha com tanta força que já não posso falar.
Tudo o que posso fazer é estar ali frente a ele, em silêncio, estimulando-no a que se una a mim em uma briga que não estou segura de que possamos ganhar.
― Não tenho nenhuma intenção de te abandonar — diz ele, com seu olhar fixo cheio do desejo de quatrocentos anos. — Não posso te abandonar, Dulce. Acredite em mim. Mas ao final, sempre encontro o caminho de volta a seu lado. É tudo o que sempre quis tudo o que amei, sempre...
— Nada de mais. — Movo a cabeça, desejando poder abraçá-lo, tocá-lo, pressionar meu corpo fortemente contra o seu... ― Tem que haver uma forma,uma espécie de milagre. E juntos vamos encontrá-lo. Só não sei como o faremos. Chegamos muito longe para que Alfonso nos mantenha separados. Mas não posso fazê-lo sozinha. Não sem sua ajuda. Assim, por favor, prometa-me que irá tentar.
Ele me olha, atrai-me com seu olhar. Fecho meus olhos enquanto ele enche a praia com tantas tulipas que estou no meio de uma explosão de pétalas vermelhas sobre curvados caules verdes, o último símbolo de nosso amor eterno cobrindo cada centímetro quadrado de areia.
Logo desliza seu braço sobre o meu e me leva de volta a seu carro. Nossa pele separada só por sua suave jaqueta de couro negro e minha camiseta de algodão orgânico. De sobra sei as consequências de qualquer troca acidental de DNA, mas sou incapaz de moderar o formigamento e o calor que pulsa entre nós.