Fanfic: Pode beijar a noiva(adaptada) | Tema: Vondy

– Eu não sabia sobre o buraco na estrada perto da Árvore dos Desejos. – Viu que Dulce ainda lutava para conter o riso. – Perdoe minha ignorância, mas posso perguntar o que é exatamente uma Árvore dos Desejos?

– O senhor nunca viu uma? – Murphy sacudiu a cabeça grisalha. – Então espie pela janela. Se fosse uma cobra, já o teria mordido.

Dulce gargalhou. Seus ombros se sacudiam sob o manto gasto, e ela escondia o rosto entre as mãos. Sem achar tanta graça, Christopher olhou por cima da cabeça abaixada de Dulce e teve, através do vidro rachado e distorcido da portinhola, uma visão curiosa. Uma figueira com os ramos retorcidos, recoberta com folhas novas da cor do absinto, procurava alcançar o céu cinzento e encontrava-se ao lado do que parecia ser uma fenda na estrada. Christopher vira várias árvores semelhantes desde que aportara na costa barrenta, mas nenhuma como aquela. No tronco, dezenas de sapatos, muitos aos pares.

Ele estreitou os olhos, mas a visão continuou a mesma. Pessoas haviam martelado sapatos a uma árvore. Christopher viu botas comuns, outras grosseiras, de trabalho, além de calçados femininos, tamancos de madeira, sapatinhos de bebê e até um chinelo feminino. Tudo pregado com firmeza no tronco daquela árvore. A maioria dos sapatos tinha uma aparência desgastada, como se estivessem pendurados ali por um bom tempo. Alguns deles eram bastante novos, em particular um par de chinelos masculinos, de quarto. Lembrou-se de ter dado um par desses de presente de Natal a Alfonso.

– É isso. – Christopher sentou-se de novo. Não ousou dizer o que pensava, que os escoceses eram mesmo diferentes. – Pois não é interessante?

Dulce tirou as mãos do rosto, ainda rindo sem controle.

– Ah, sinto muito, mas sua expressão diante do comentário da cobra... desculpe-me.

Christopher podia podia ver alguma graça na situação, mas não a achava hilariante como Dulce. E como poderia, diante da maneira como seu coração disparara ao ter nos braços a viúva de seu primo? Ensaiou um sorriso, para mostrar que não se ofendera.

– Entendi.

– É boa sorte, milorde sabe – o bêbado caolho respondeu, espiando-os do banco do cocheiro. – Martelar um sapato na Árvore dos Desejos traz boa sorte. Principalmente a recém-casados.

– Ah, sim. – Dulce conseguira controlar o riso. – Alfonso e eu pregamos nossos sapatos quando chegamos aqui. Acho que é um costume adorável.

Christopher refletiu que o costume poderia ser adorável, mas não trouxera nenhuma sorte para Dulce. O marido estava morto e ela fora renegada pela família. Na verdade, não seria má ideia se ela tirasse seus sapatos da árvore. Talvez eles houvessem trazido má sorte.

A carruagem funerária deu mais uma sacudida, bem mais leve que a anterior, e retomou o trajeto. Depois do trecho acidentado entre a cabana de Dulce e a Árvore dos Desejos, o veículo rodou por terreno mais suave. Não demorou e Christopher viu que eles chegavam a Faires, na opinião dele chamada cidade por ter um pub, uma estalagem, uma loja comercial, uma ferraria e uma igreja. Tudo em uma rua apenas, o que não sugeria uma cidade.

Mas nas ilhas Shetland, isso funcionava como uma metrópole, ainda mais que tinha um cais onde dezenas de pescadores depositavam sua pesca diária. Esses homens tinham esposa e filhos que moravam em barracos ou cabanas próximos do cais e provavelmente eram seus filhos que iam à escola onde Dulce lecionava. Não era de admirar que ele não houvesse notado a escola antes. Quando Murphy virou os cavalos na rua estreita e parou ao lado de um afloramento de rocha que se projetava para o mar, Christopher entendeu que a escola funcionava no farol.

Dulce aparentemente dava aulas na base do velho farol de Faires.

Se não visse, Christopher não acreditaria. Cerca de uma dúzia de crianças maltrapilhas corriam pelo piso rochoso onde o farol estava assentado. A despeito do tempo ruim, eles se entretinham em um jogo, certamente inventado, com uma bola feita de trapos. O gol, pelo que Christopher notou, estava posicionado de tal forma que impedia que a bola caísse no mar, um de cada lado da faixa estreita de terra onde se situava o farol – um bom trabalho, pois a largura ali não devia ter mais de seis metros. Durante tempestades fortes, certamente o cais era coberto pela água.

– Aqui estamos – Dulce disse quando Murphy parou o coche com mais uma sacudida.

Christopher desviou o olhar do curioso campo de jogo e viu que Dulce parecia contar as crianças. Correto. Havia uma possibilidade real de algum deles cair e desaparecer na arrebentação.

– É verdade. – Christopher sabia que deveria agir com cautela. Embora Dulce estivesse ansiosa para se ver livre dele, ele não partiria... sem ela.

E sem Alfonso, lembrou a si mesmo. Por isso ele viera. Por causa de Alfonso.

Então, sabendo que ela também estava ali, não podia em sã consciência deixar nenhum dos dois naquela ilha isolada.

Reconheceu, com pesar, que seria muito difícil convencer Dulce disso.