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Capítulo: 1? Capítulo

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Capítulo 1


 


             Cento e cinqüenta milhões de dólares não era uma quantia para se desprezar. Ninguém na imensa biblioteca de Martim Revertti ousaria ignorar tal quantia. Exceto Dulce. Ela espirrou com mais entusiasmo do que sutileza em um lenço esfarrapado. Depois de assoar o nariz, endireitou-se, desejando que o anti-alérgico que tomara cumprisse a promessa de alívio rápido. Antes de mais nada, Dulce desejava não ter se resfriado. Mais: ela desejava estar em qualquer outro lugar no mundo.


Dulce estava cercada por dezenas de livros que lera e mais algumas centenas de edições nas quais jamais pensara, ainda que tivesse passado horas e horas naquela biblioteca. O cheiro das encadernações em couro se misturava a um leve odor do pó. Dulce preferia aquele cheiro à sufocante fragrância dos lírios que enchiam três grandes vasos.


Em um dos cantos do ambiente ficava um tabuleiro de xadrez em mármore e ébano, sobre o qual Dulce perdera várias par­tidas disputadíssimas. Tio Martim, graças ao seu rosto redondo e inocente, e aos seus dedos rápidos, era um trapaceiro compulsivo e habilidoso. Ela jamais aceitara uma derrota com facilidade.


Talvez por isso mesmo tio Martim adorasse tanto ganhar dela, de acordo com as regras ou trapaceando.


A luz que entrava pelas três janelas arqueadas era fraca e um pouco melancólica. O que combinava perfeitamente com o humor de Dulce e, pensava ela, com o ritual em curso. Tio Martim sempre gostou de preparar toda uma cena quando algo estava prestes a acontecer.


Quando amava alguém — e Dulce sentiu esta emoção ape­nas por uns poucos escolhidos em sua vida — , ela se dedicava totalmente àquela pessoa. Dulce nasceu com uma energia inesgotável e desenvolveu uma persistência inquebrantável. Ela amou tio Martim com seus modos espalhafatosos e desinibidos, primeiro identificando e depois aceitando todas as esquisitices dele. Mesmo com 93 anos, tio Martim não ficou esclerosado ou intratável.


Um mês antes de sua morte, Dulce e tio Martim saíram para pescar — na verdade, para roubar peixes — em um lago que per­tencia ao vizinho. Sempre que pegavam mais peixes do que eram capazes de comer, devolviam meia dúzia de trutas, limpas e temperadas, para o proprietário do lago.


Dulce sentiria saudades de tio Martim, com seu rosto redondo de anjo, sua voz melodiosa e fina, e seu mau humor. No retrato de 3 metros de altura pendurado na biblioteca, ele a olhava com o mesmo sorrisinho malicioso que exibia ao fechar um negócio de 1 milhão de dólares ou ao oferecer a um desavisado vice-presidente uma bebida servida num copo em que alguém cuspira. Dulce já estava sentindo falta de Martim. Ninguém mais em sua família arruinada e desunida a aceitou e a entendeu com a mesma do­çura. Era por coisas assim que Dulce o amava.


De luto, com uma tristeza agravada pela gripe, Dulce ouvia Edmund Franco se alongar mais e mais com as preliminares téc­nicas da leitura do testamento. Maximillian Martim Saviñon nunca foi um admirador das coisas breves. Ele sempre dizia que, se era para fazer algo, melhor fazer até que a energia se esgotasse. Seu testamento e suas últimas palavras faziam jus ao seu estilo.


Sem se importar em esconder o desinteresse na leitura, Dulce se pôs a examinar cuidadosamente os demais ocupantes da biblioteca.


Dizer que estavam ali para cultuar a memória de tio Martim seria fazer justamente o tipo de piada sarcástica que ele tanto apreciava.


Estavam ali: o único filho ainda vivo de Martim, tio Bustamante, e sua esposa. Qual era o nome dela? Lona... Mabel? O nome dela importava? Dulce os viu sentados, eretos e alertas, em roupas que combinavam tons de preto. A imagem deles a fazia pensar em corvos sobre fios da iluminação, à espera que algo caísse a seus pés.


Prima Angelique — doce, linda e ingênua, para não dizer estúpi­da. Este mês ela usava um cabelo louro como o de Jean Harlow, atriz de cinema da década de 1930. O bom e velho primo Guillermo trajava seu terno preto da Brooks Brothers. Inclinou-se para trás, uma perna cruzada sobre a outra, como se estivesse assistindo a uma partida de pólo. Dulce sabia que Guillermo não estava perden­do uma só palavra. A esposa dele — era Celina? — Ostentava um olhar afetadamente respeitoso. Por experiência própria, Dulce sabia que Celina não falaria nada, a não ser que fosse para apoiar algo que Guillermo dissesse. Sobre ela, tio Martim comentava que era uma mulher burra e chata. Dulce odiava ser tão descrente, mas era obrigada a concordar.


Havia ainda tio Fontes, rechonchudo e bem-sucedido, fuman­do um charuto, apesar de sua irmã, Ninel, abanar um lencinho branco em frente ao nariz. Ou, melhor, ele fumava o charuto provavelmente porque sua irmã abanava o lencinho. Nada deixava tio Fontes mais feliz do que incomodar sua inútil irmã.


Primo Xavier parecia muito másculo, dificilmente mais do que Raquel, sua esposa forte e atlética. Na lua-de-mel, eles fizeram toda a trilha da cordilheira Apalache. Tio Martim se perguntava se eles se alongavam e faziam flexões antes do sexo.


A lembrança provocou risos em Dulce. Sem fazer questão de dissimular, ela abafou o riso com o lenço pouco antes que seu olhar se detivesse em primo Christopher. Ou seria Christopher um primo de segundo grau? Dulce jamais conseguiu entender direito o lado técnico disso. Até porque tal detalhe parecia um pouco fútil já que ali não se estava falando de relações de sangue. A mãe de Christopher era filha da irmã da segunda esposa de tio Martim. Era um caso complicado, pensou Dulce. Se bem que Christopher era um homem complicado.


Embora Dulce soubesse que tio Martim gostava dele, eles nunca se deram bem. No entender dela, qualquer pessoa que ganhasse a vida escrevendo uma série de televisão boboca que mantinha as pessoas de olhos grudados em uma caixa, em vez de fazer algo que valesse a pena, era um parasita materialis­ta. Por um instante, Dulce sentiu uma faísca de prazer ao se lembrar de ter dito a tio Martim exatamente isto.


Depois, claro, havia as mulheres. Quando um homem na­morava moças que apareciam no pôster central de revistas ou dançarinas era óbvio que ele não estava interessado em nenhum estímulo intelectual. Dulce sorriu ao se lembrar de deixar clara sua opinião da última vez que Christopher visitara tio Martim. O velho quase caiu da cadeira de tanto rir.


Então o sorriso de Dulce desapareceu. Tio Martim morrera. E, se ela fosse honesta, o que sempre era, tinha de admitir que, de todas aquelas pessoas na sala naquele instante, Christopher Uckermann foi o que mais se importou e valorizou o velho, além dela própria.


Dulce pensou que, olhando para Christopher agora, dificilmente chegaria a esta conclusão. Ele parecia desinteressado e um bo­cado arrogante. Dulce notou que a boca de Christopher exprimia austeridade. Ela sempre considerou a boca a mais notável das qualidades físicas de Christopher, embora ele raramente sorrisse para ela, a não ser para mostrar os dentes e rosnar.


Numa época em que estava começando a servir de cupido, tio Martim lhe disse que gostava da aparência de Christopher. Dulce tratou logo de se certificar de que ele abandonaria rapidamente o hobby de bancar o santo casamenteiro. Bem, tio


Martim não exatamente desistiu da função, mas ela ignorava-o mesmo assim.


Por ele ser baixo e gordinho, talvez Martim apreciasse o porte alto e esguio de Uckermann e seu rosto estreito e intenso. Dulce poderia até ter gostado disso também, não fosse pelos olhos de Christopher, constantemente distantes e desatentos.


Naquele momento, ele lembrava um dos heróis da série de ação que escrevia — apoiado descuidadamente contra a parede, ele parecia um pouco desconfortável com seu terno e gravata im­pecáveis. O cabelo de Christopher estava desarrumado e nada limpo, como se ele não tivesse sequer cogitado em penteá-lo antes de uma viagem rápida. Christopher parecia entediado e prestes a fazer alguma coisa. Qualquer coisa.


Era tão ruim, pensou Dulce, que eles não se dessem bem. Ela teria gostado de compartilhar lembranças sobre tio Martim com alguém que valorizasse as extravagâncias do velho do mesmo modo que ela.


Não fazia sentido ficar pensando nisso. Se tivessem sido colo­cados para se sentarem perto na biblioteca, estariam recolhendo pedaços um do outro agora. Tio Martim, rindo maliciosamente em seu retrato, sabia disso muito bem.


Com um meio suspiro, Dulce assoou o nariz novamente e tentou ouvir o que Franco dizia. Era algo sobre um legado deixado para as baleias. Ou talvez para baleeiros.


Christopher, por sua vez, pensava que, se aquilo durasse mais meia hora, seria capaz de pular pela janela. Se ouvisse mais um por conseguinte... Respirando fundo, ele se resignou. Ficaria ali pelo tempo que fosse preciso porque amava o velho maluco. E se a última coisa a fazer por Martim era ficar numa sala com um grupo de carniceiros, ouvindo um monte de termos jurídicos sem sentido, Christopher faria isso. Quando acabasse, ele se serviria de uma boa dose de conhaque e honraria intimamente a memória daquele homem. Martim tinha predileção por conhaque.


Quando Christopher era jovem e cheio de imaginação, e seus pais não o entendiam, tio Martim o ouvia divagar e o encorajava a sonhar. Sempre que visitava a mansão Revertti, seu tio exigia que ele contasse uma história, e então se sentava, com olhos vividos e ansiosos, enquanto Christopher narrava. Ele jamais se esquecera daquilo.


Quando ganhou seu primeiro Prêmio Emmy, pelo seriado Logan`s Run, Christopher voou de Los Angeles para Catskills e deu a estatueta para tio Martim. O Emmy ainda estava no quarto do velho, mesmo que seu antigo ocupante não estivesse mais lá.


Christopher ouvia a voz seca e impessoal do advogado e ansiava por um cigarro. Ele havia largado o vício há apenas dois dias. Dois dias, quatro horas e cinco minutos. Christopher podia muito bem pular pela janela agora.


Naquela sala, com todas aquelas pessoas, ele se sentia sufo­cando. Todos achavam que o velho Martim era um tanto maluco e outro tanto chato. Mas quando o assunto era a herança de 150 milhões de dólares, tudo mudava. Ações e títulos do tesouro não tinham nada de maluco. Christopher já observara vários olhares avaliadores em direção à mobília da biblioteca. Todos aqueles móveis em estilo georgiano podiam não se adequar aos estilos de vida mais modernos, mas podiam ser transformados em dinheiro limpo. Christopher sabia que o velho Martim adorava cada cadeira desajeitada e mesa exageradamente grande da casa.


Christopher podia jurar que nenhuma daquelas pessoas estivera na casa nos últimos dez anos. Exceto Dulce, ele admitiu de má vontade. Ela podia ser irritante, mas amava Martim.


Dulce parecia triste. Christopher acreditava que jamais a vira infeliz — furiosa, arrogante, detestável, sim, mas nunca infeliz. Se não a conhecesse bem, ele teria se sentado ao seu lado, ofe­recido consolo, segurado sua mão. Dulce, provavelmente, o morderia até o osso.


Os olhos assustadoramente azuis de Dulce estavam incha­dos e vermelhos. Quase tão vermelhos quanto os seus cabelos, foi o que pensou Christopher assim que observou a massa de longos fios, rebeldes e de corte simples, que se espalhavam sobre seus ombros. Dulce estava tão pálida que as poucas sardas sobre o nariz sobressaíam. Em condições normais, sua pele de marfim tinha um quê de rosado — se era sinal de saúde ou do tempera­mento, Christopher nunca soube ao certo.


Sentada entre os membros da família, solene e em luto fe­chado, Dulce se destacava como um papagaio entre corvos. Ela usava um vestido azul berrante. Christopher aprovava a roupa, embora jamais admitisse tal coisa em Dulce. Ela não preci­sava de preto, crepe e lírios para demonstrar seu luto. Christopher entendia isso, mesmo sem compreender Dulce.


De tempos em tempos, ela o irritava com suas opiniões a respeito do estilo de vida dele e de sua carreira. Sempre que discordavam, não demorava muito para que Christopher respon­desse à crítica com violência. Mas, acima de tudo, Dulce era uma mulher brilhante e talentosa, que vivia feliz fazendo jóias extravagantes para butiques, em vez de se acomodar com seu diploma em pedagogia.


Dulce o acusava de ser materialista; Christopher, de ela ser idealista. Ela o rotulava de chauvinista; ele a qualificava de pseudo-intelectual. Todas as vezes que brigavam, Martim ficava sentado com as mãos fechadas, rindo. Agora que o velho morrera, pensou Christopher, não haveria mais oportunidade para novas batalhas. Estranhamente, ele viu nisso mais uma razão para sentir falta de seu tio.


A verdade era que Christopher nunca mantivera laços familiares fortes com ninguém a não ser com Martim. Ele não pensava em seus pais com freqüência. Seu pai estava em algum lugar da Europa com a quarta esposa, e sua mãe se estabelecera tranqüilamente na alta sociedade de Palm Springs com o terceiro marido. Eles jamais entenderam o filho que escolhera atuar em algo tão pouco aristocrático como a televisão.


Mas Martim o entendera e o valorizara. Porém, o mais importante para Christopher, era apenas que ele gostava de seu trabalho.


 


Um sorriso surgiu no rosto de Christopher quando ouviu Franco dizer algo a respeito de uma herança deixada para as baleias. Isso era bastante típico de Martim. Impacientes, vários familiares assoviaram por entre os dentes. Centro e cinqüenta mil dólares tinham acabado de fugir do alcance deles. Christopher olhou para cima, para o retrato imenso do tio. Você sempre disse que teria a última palavra, seu velho danado. O único problema é que você não está aqui para rir dela.


— Para meu filho Bustamante...


Todos os murmúrios e sussurros morreram quando Franco pigarreou. Sem muito interesse, Dulce observava seus parentes prestarem atenção. As instituições de caridade e os empregados tiveram sua parte na herança. Agora era a vez dos peixes grandes. Franco deu uma olhada rápida na platéia antes de continuar.


— ... cuja... aaah... mediocridade foi sempre um mistério para mim, deixo toda a minha coleção de truques de mágica, com a esperança de que ele possa desenvolver seu senso do ridículo.


Com o lenço na boca, Dulce engasgou e observou seu tio Bustamante ficar vermelho como um pimentão. Martim marcara o pri­meiro ponto, pensou, preparando-se para mais diversão. Talvez o velho tivesse deixado todos os seus negócios para a Sociedade Protetora dos Animais.


— Para meu neto Fernando e minha neta, sua esposa Blanca, deixo meus melhores desejos. Eles não precisam de nada mais além disso.


Ao ouvir a referência a seus pais, Dulce engoliu em seco e conteve as lágrimas. Ela lhes telefonara em Zanzibar naquela tarde. Eles apreciariam esse sentimento tanto quanto Dulce.


— Para meu sobrinho Fontes, que guarda o primeiro dólar que ganhou na vida, deixo o último dólar que ganhei, devidamente emoldurado. Para minha sobrinha Ninel, deixo meu chalé em Key West, sem muita esperança de que ela tenha presença
de espírito para usá-lo.


Fontes mordeu seu charuto, enquanto Ninel parecia horrorizada.


— Para meu sobrinho-neto Guillermo, deixo minha coleção de caixas de fósforos, com a esperança de que ele vá, ao menos, pôr fogo no mundo. Para minha linda sobrinha-neta Angelique, que gosta de coisas tão lindas quanto ela, deixo o genuíno espelho de prata que teria pertencido a Maria Antonieta. Para meu sobrinho-neto Xavier, deixo a soma de 3. 528 dólares. O suficiente, acredito, para que ele compre germe de trigo por toda a vida.


Os resmungos, que começaram assim que o primeiro legado foi lido, aumentaram. A raiva pairava no limite da ofensa. Martim teria gostado daquilo mais do que tudo. Dulce cometeu o erro de olhar para Christopher. Ele já não parecia tão distante e desa­tento agora, e sim cheio de admiração. Quando seus olhares se encontraram, a risadinha que ela estava contendo se revelou. O que lhe rendeu vários olhares atravessados dos familiares.


Bustamante se levantou, dando um novo significado à expressão "raiva controlada".


 — Senhor Franco, o testamento do meu pai não é mais do que uma piada. É óbvio que ele não estava lúcido quando o escreveu, e eu não tenho dúvidas de que a justiça o anulará.


 — Senhor Saviñon. — Franco pigarreou novamente. O sol começou a forçar a passagem por entre as nuvens, mas ninguém pareceu notar. — Entendo perfeitamente seus sentimentos quanto ao assunto em questão. Entretanto, meu cliente estava perfeitamente são e lúcido quando redigiu seu testamento. Ele pode tê-lo feito contra os meus conselhos, mas o testamento é perfeitamente legal e válido. O senhor está, é claro, livre para consultar seu próprio advogado. Entretanto, há mais a ser lido.


 — Palhaçada. — Fontes soltou uma baforada de charuto e olhou para todos. — Palhaçada — ele repetiu, enquanto Ninel batia no seu braço e ralhava com ele, inutilmente.


— Tio Martim gostava de palhaçadas — disse Dulce, enquan­to guardava o lenço. Ela estava pronta para desafiá-los, quase desejando que isso fosse necessário. A batalha teria afastado o sofrimento de sua mente. — Se ele quisesse deixar o dinheiro para a Sociedade de Prevenção à Burrice, era um direito que lhe cabia.


— Para você é fácil dizer, minha querida. — Guillermo limpou as unhas na lapela. A pulseira de ouro do relógio dele refletia um pouco a luz do sol. — Talvez o velho lunático tenha deixado para você um carretei de barbante para que você possa fazer mais das suas bijuterias.


 — Você ainda não recebeu suas caixas de fósforos, velhinho — Do seu canto, Christopher o cortou displicentemente; todos os olhares se voltaram contra ele. — Tenha cuidado no que você ateia fogo.


 — Por que vocês não o deixam ler? — sugeriu Angelique, bas­tante satisfeita com o que lhe foi deixado. Maria Antonieta, ela pensava. Imagine só...


— Os últimos dois legados são conjuntos — começou Franco, antes que houvesse outra interrupção. — E um tanto quanto inusitado.


 — O documento todo é inusitado — disparou Bustamante, depois pigarreou.


Várias cabeças balançaram em concordância.


Dulce se lembrou do porquê de sempre evitar reuniões familiares. Eram extremamente aborrecidas. Propositadamente, ela levou a mão até os lábios e bocejou.


— Podemos ler o restante, senhor Franco, antes que minha
família dê ainda mais vexame?


Dulce não pôde ter certeza, mas parecia ter visto um brilho de aprovação dos olhos embolorados do advogado.


— O senhor Saviñon escreveu esta parte com suas próprias palavras. — Franco ficou em silêncio por momento, para criar suspense e tomar coragem. — Para Dulce Saviñon e Christopher Uckermann — leu Franco. — Os dois membros da minha família que mais me alegraram com suas visões de mundo e seu modo de se divertir com um velho e suas velhas piadas, deixo o restante do meu patrimônio, na totalidade, todas as contas, os lucros nas empresas, ações, títulos do tesouro e investimentos,
todas as propriedades pessoais, com todo o carinho. Dividam
em partes iguais.


Dulce não deu ouvidos à meia dúzia de objeções que surgiram na biblioteca. Ela se levantou, atordoada e furiosa.


— Eu não posso receber esse dinheiro. — Olhando por cima para toda a família ao redor, ela avançou a passos rápidos para Franco. O advogado, que antecipara ataques vindos de outras áreas, ficou tenso diante daquele comportamento inesperado.


—Eu não saberia o que fazer com esse dinheiro. Isso apenas atrapalharia minha vida. — Dulce apontou para os papéis sobre a mesa como se a herança fosse uma simples amolação.


—Ele deveria ter me perguntado antes.


— Senhora Saviñon...


Antes que o advogado pudesse falar novamente, Dulce virou-se rapidamente para Christopher.


— Você pode ficar com tudo. Você saberia o que fazer com o dinheiro. Compre um hotel em Nova York, um apartamento de luxo em Los Angeles, uma boate em Chicago ou um avião para viajar para cima e para baixo. Eu não quero nem saber.


Extremamente calmo, Christopher enfiou as mãos nos bolsos.


— Eu aprecio a oferta, prima. Mas, antes de apertar o gatilho, por que não espera o senhor Franco terminar para que não cause vexame ainda maior?


Dulce o encarou por um momento, bem de perto. Então, respirou fundo e esperou até que sua raiva passasse, porque fora educada a agir assim.


— Eu não quero o dinheiro dele.


— Você já disse isso. — Christopher levantou uma sobrancelha daquele jeito cínico e descontraído que sempre a deixava furiosa. — Você está fascinando seus parentes com seu showzinho.


Nada poderia ter feito com que Dulce recuperasse o controle mais rapidamente. Ela ergueu o nariz para Christopher, suspirou e resignou-se.


— Tudo bem. — Dulce se virou, mantendo a pose. — Peço desculpas pela interrupção. Por favor, termine a leitura, senhor Franco.


O advogado concedeu a si mesmo um momento de descanso ao tirar os óculos e os limpar com um grande lenço branco. Desde que Martim fizera seu testamento ele sabia que um dia seria obrigado a enfrentar uma família irada. Franco conversou com seu cliente sobre a questão, tentou persuadi-lo a desistir, argumentou, apontou todos os absurdos. Depois, rascunhou o testamento e preencheu as lacunas legais.


— Deixo tudo isso — ele continuou a leitura — , o dinheiro que é pouco, as ações e os títulos do tesouro, que são necessários, mas chatos, as participações em empresas, que são como uma corda em volta do pescoço. E minha casa e tudo dentro dela, que
é tudo o que me importa, as minhas memórias, para Dulce e Christopher, porque eles me compreendiam e se importavam comigo. Deixo para eles, embora isso possa irritá-los, porque não há ninguém mais na minha família para quem eu possa deixar o
que foi importante para mim. O que era meu agora pertence a Dulce e Christopher, porque sei que eles me manterão vivo. Em contrapartida, peço-lhes apenas uma coisa.


Christopher relaxou e quase sorriu novamente.


 — Aí vem o detalhe — murmurou. —


 — Em não mais do que uma semana após a leitura deste do­cumento, Dulce e Christopher se mudarão para minha casa em Catskills, conhecida como a mansão Revertti de Martim. Eles viverão lá, juntos, por um período de seis meses, impedidos de passar mais do que duas noites consecutivas sob outro teto. Depois desses seis meses, toda minha herança será dada a eles, sem qualquer ônus, e compartilhada igualmente. Se algum deles não concordar com esta exigência ou romper os termos no período de seis meses, a herança, na sua totalidade, será distribuída entre todos os meus herdeiros sobreviventes e o Instituto de Estudo de Plantas Carnívoras, em partes iguais.


"Vocês têm minha bênção, crianças. Não desapontem um homem velho e morto. "


Por trinta segundos, fez-se silêncio. Aproveitando-se disso, Franco começou a arrumar seus papéis.


— Velho danado — murmurou Christopher.


Dulce teria se ofendido com aquele comentário, se ela própria não concordasse totalmente. Percebendo que a temperatura na biblioteca iria aumentar, Christopher puxou Dulce para corredor e, depois, para dentro de um dos muitos gabinetes da casa. Pouco antes de fechar a porta, irrompeu a primeira explosão na biblioteca.


Dulce tirou do bolso um lenço limpo, assoou o nariz e dei­xou que o lenço caísse sobre o braço de uma cadeira. Ela estava perplexa e cansada demais para se divertir.


— Bem, e agora?


Christopher procurou por um cigarro, mas lembrou que tinha largado o vício.


— Agora nós temos que tomar algumas decisões.
Dulce o fuzilou com um olhar demorado, daqueles que ela sabia que faziam os homens gaguejarem. Christopher apenas se sentou à frente dela, encarando-a também.


 — Eu estou falando sério. Não quero o dinheiro dele. Depois de repartidos e descontados os impostos, ainda restarão quase 50 milhões de dólares. Cinqüenta milhões — ela repetiu, virando os olhos. — É ridículo.


 — Martim também achava isso — disse Christopher, observando o ir e vir da tristeza nos olhos de Dulce.


 — Ele tinha esse dinheiro apenas como brincadeira. O proble­ma era que, quanto mais brincava, mais dinheiro ele ganhava.


Incapaz de se sentar, Dulce foi até a janela.


— Christopher, eu me sentiria sufocada com todo esse dinheiro.


— Dinheiro não é algo tão pesado quanto você pensa. —Com uma expressão que parecia um sorriso de escárnio, ela se virou e se sentou no parapeito da janela.


— Já entendi que você não tem nenhum problema com os 50 milhões, descontados os impostos.


Ele teria adorado tirar aquele ar de triunfo do rosto dela.


— Eu não cultuo seu elegante desprezo pelo dinheiro, Dulce, provavelmente porque fui criado na ilusão da riqueza, e não na realidade.


Dulce deu de ombros, sabendo que os pais dele viviam, e sempre viveram, de rendas.


— Então, fique com tudo. — Christopher pegou um pequeno ovo de vidro azul e o ficou jogando de uma das mãos para a outra. Era um objeto frio e leve que valia milhares de dólares.


— Não era isso que Martim queria.


Torcendo o nariz, Dulce tirou o ovo das mãos dele.


— Ele queria que nos casássemos e vivêssemos felizes para sempre... Eu gostaria de dar isso a ele... — Ela jogou o ovo de volta para Christopher. — Mas eu não faço muito o tipo da mártir. Além do mais, você não está noivo de alguma dançarina lourinha?


Antes de elevar o tom, Christopher deixou o ovo de lado.


 — Para alguém que se orgulha de empinar o nariz para a te­levisão, você não tem o mesmo desprezo intelectual quando se trata de tablóides de fofocas.


 — Eu adoro fofocas — disse Dulce, com tanto exagero que Christopher riu.


 — Tudo bem, Dulce, vamos baixar as armas por um minu­to. — Ele pendurou as mãos nos bolsos com o polegar e girou sobre os calcanhares. Talvez eles pudessem, com muito esforço, conversar civilizadamente por alguns minutos. — Eu não estou noivo de ninguém. Mas, de qualquer modo, casamento não é uma exigência do testamento. Tudo o que temos de fazer é viver seis meses sob o mesmo teto.


Enquanto o observava, uma sensação de desapontamento percorreu o corpo de Dulce. Talvez eles jamais se dessem bem, mas ela respeitava Christopher pelo que parecia ser puro carinho dele por tio Martim.


— Então você quer mesmo esse dinheiro?


Christopher deu dois passos pesados para a frente antes de se conter. Dulce não recuou um milímetro.


— Pense o que você quiser. — Isso foi dito calmamente, como se não tivesse importância. Era estranho, mas a calma fez com que Dulce estremecesse. — Se você não quer o dinheiro, tudo bem. Deixe isso de lado por um momento. Você vai ficar tranqüila
vendo esta casa cair nas mãos dos canibais lá fora ou nas mãos de um bando de cientistas estudando plantas carnívoras? Martim amava este lugar e tudo o que há aqui dentro. E eu sempre achei que você também amava.


— Eu amo. — Dulce admitia: os outros iriam vender a casa. Não havia ninguém agora na biblioteca que fosse incapaz de colocar a casa à venda e fugir com o dinheiro. Seria uma grande perda para ela. Todos os quartos exageradamente decorados, as arcadas ridículas. Martim podia ter morrido, mas deixara a casa como uma isca no anzol. E ele ainda estava segurando a vara.


— Ele está tentando controlar nossa vida. —Christopher arqueou a sobrancelha. — Surpresa?


Com um sorriso apagado, Dulce desviou o olhar.


— Não.


 


Dulce andava devagar pela sala enquanto o sol que se infiltrava pela janela pelas vidraças em forma de diamante iluminavam seus cabelos. Christopher a observava, sentindo uma admiração desprendida. Naquela tela, ela parecia magnífica. Christopher sempre pensava nisso. A aparência, a postura dela. A arrogância. Os dois ou três quilos que uma câmera adicionaria não prejudicariam aquele corpo anguloso demais e bronzeado. E os cabelos vermelhos como fogo teriam um propósito na tela, enquanto na vida eles só serviam para exagerar a realidade. Christopher sempre se perguntou por que Dulce não fazia alguma coisa para alterar a tonalidade dos cabelos.


Mas, no momento, ele não estava interessado em nada daquilo — apenas no que Dulce pensava. Christopher não se importava nem um pouco com o dinheiro, mas não ficaria sentado calmamente observando tudo o que Martim construiu e manteve parar
nas mãos dos carniceiros. Se fosse preciso jogar duro com Dulce, ele jogaria. Christopher poderia até mesmo se divertir com isso.


Milhões! Dulce se retraiu, assustada diante do exagero. Ela tinha razão: uma fortuna dessas podia ser apenas uma dor de cabeça. Ações, títulos, contas, investimentos, deduções de impos­tos. Dulce preferia um modo de vida mais simples. Ainda que ninguém pudesse dizer que o apartamento dela em Manhattan fosse simplório.


Dulce nunca precisou se preocupar com dinheiro, e era exatamente assim que ela gostava de viver. Acima ou abaixo de certo nível de renda, não havia nada além de problemas. Mas se você fosse capaz de chegar a um bom e confortável patamar, podia viver tranqüilamente. Dulce estava perto de chegar a tal patamar.


Era verdade que parte da herança a ajudaria imensamente na carreira. Com equipamentos melhores, Dulce poderia ter a liberdade artística que desejava e manter o estilo de vida que, atualmente, pressionava um pouco sua conta bancária. O que Dulce fazia era reconhecido como arte e aclamado pela crítica, mas boas resenhas não pagavam o aluguel. Para além dos limites de Manhattan, o trabalho dela era constantemente considera­do um pouco arrojado demais. E o fato de ter sempre de criar desenhos mais convencionais, a fim de manter as contas em dia, deixava-a irritada. Com 50 ou 60 mil de suporte, Dulce poderia...


Furiosa, ela interrompeu o raciocínio. Dulce percebeu que estava pensando como Christopher. Ela preferia a morte. Christopher se vendeu, trocou todo o talento que por acaso tivesse para ser aceito pela maioria. Do mesmo modo, ele estava prestes a manipular as circunstâncias para garantir uma vantagem financeira. Dulce pensaria em outras coisas. Primeiro, pensaria em Martim.


Do seu ponto de vista, todo o esquema parecia um labirinto de problemas. Exatamente como seu tio gostava. Agora, como em uma partida de xadrez, Dulce tinha de pensar muito bem nos seus movimentos.


Ela jamais havia morado com um homem. Por opção. Dulce gostava de viver com independência. Nem tanto porque se importasse em dividir coisas, mas se incomodava em dividir espaço. Caso concordasse com Christopher, Dulce estaria fazendo uma primeira concessão.


E também havia o fato de Christopher ser um homem atraente, charmoso o suficiente para perturbá-la, se não fosse tão irritante. Irritante e facilmente irritável, lembrou-se, com um espasmo de deleite. Dulce sabia quais botões precisava apertar. Ela não se orgulhava de saber lidar com ele? Nem sempre era fácil; Christopher era cheio de arestas, o que tornava suas brigas interessantes, Ainda assim, eles jamais conviveram sob o mesmo teto por mais de uma semana.


Havia ainda um fato óbvio, indiscutível. Dulce amava seu tio. Como ela poderia viver consigo mesma se negasse a ele seu último desejo? Ou última piada.


Seis meses. Imóvel, ela observou Christopher, que também a olhava. Seis meses podia ser muito tempo, especialmente quando não se está feliz com o que se está fazendo. Havia apenas um modo de apressar as coisas. Dulce se divertiria.


 — Diga-me, primo, como nós poderemos viver sob o mesmo teto por seis meses sem chegar às vias de fato?


 — Não poderemos.


Christopher respondera aquilo sem hesitar nem por um segundo, e Dulce riu novamente.


 — Se pudéssemos, acho que me entediaria. Bem, posso resol­ver algumas coisas pendentes e me mudar dentro de três dias. Quatro, no máximo.


 — Ótimo.


Ele relaxou e só então percebeu que estava tenso com a possível recusa dela. Naquele momento, Christopher não quis pensar muito na importância daquilo. Em vez disso, ele estendeu a mão.


— Fechado.


Dulce inclinou a cabeça pouco antes que encostasse a palma de sua mão na dele.


— Fechado — ela concordou, surpresa ao notar que a mão de Christopher era tão áspera e tinha alguns calos. Dulce pensava que a mão dele fosse macia e delicada. Afinal, tudo o que Christopher fazia era escrever. Talvez os próximos seis meses trouxessem
algumas surpresas.


 — Devemos ir contar aos outros?


 — Eles vão querer nos matar.


Dulce sorriu lentamente, e o sorriso realçou com sutileza os ângulos do rosto dela. Christopher pensou que aquele sorriso era perverso e sedutor ao mesmo tempo.


— Eu sei. Tente não parecer satisfeita com a desgraça alheia
           Assim que pisaram fora do gabinete, vários parentes, apreensivos, conversavam no corredor. Eles discutiam.


 — Você gastaria toda a sua parte em aparelhos de ginástica e suco de cenoura — disse Guillermo, com ódio, para Xavier. — Pelo menos eu sei o que fazer com o dinheiro.


 — Perder tudo apostando nas corridas de cavalos — disse Fontes, soprando uma asfixiante baforada de charuto. — In­vestimento. Plano de aposentadoria.


 — Você pode usar sua parte para fazer um curso sobre como falar usando frases completas. — Bustamante deu um passo para trás, desviando-se da fumaça, e arrumou a gravata. — Eu sou o único filho vivo do velho. Cabe a mim provar que ele era um incompetente.


 — Tio Martim era mais competente do que você é capaz de perceber. — Sentindo-se ao mesmo tempo frustrada e enojada, Dulce deu um passo para a frente. — Ele deixou para cada um de vocês exatamente o que queria que vocês tivessem.


Enquanto olhava para seu primo, Guillermo tirou do bolso uma cigarreira fina de ouro.


— Parece que nossa Dulce mudou de idéia quanto ao dinheiro. Bem, você se esforçou pelo dinheiro, não é, querida?


Antes que ela estourasse, Christopher pôs as mãos no ombro de Dulce e apertou-o levemente.


 — Você quer manter sua cara intacta, não quer, primo?


 — Parece que depois de escrever para a televisão você passou a gostar de violência. — Guillermo acendeu o cigarro e sorriu. E, como se tivesse pensado que poderia receber um soco abaixo da linha de cintura... — Acho que eu recusarei a briga — decidiu.


— Bem, assim é melhor. — A mulher de Xavier surgiu, ofere­cendo a mão. Ela cumprimentou Dulce e Christopher entusiasticamente.


— Vocês deviam instalar uma academia de ginástica neste lugar- Fortalecer um pouco os músculos. Vamos, Xavier.


Em silêncio, com os ombros apertados dentro do terno, Xavier a seguiu para fora.


— Nada além de músculos na cabeça — resmungou Bustamante.
— Vamos, Mabel. —


Ele se aproximou da esposa, parando por um instante longo o suficiente para que pudesse olhar para Dulce e Christopher. A fala inevitável surgiu na mente de Christopher antes que Bustamante abrisse sua boca e dissesse: — Esta história ainda não terminou.


Dulce respondeu com seu sorriso mais doce.


— Tenha uma boa viagem de volta para casa, tio Bustamante.


— O testamento será contestado — disse Fontes, bufando,
e saiu andando atrás dos outros.


Ninel chegou agitando as mãos.


 — Key West, meus Deus do céu. Eu nunca estive mais ao sul de Palm Beach. Meu Deus, ah, meu Deus!


 — Ah, Christopher. — Com os cílios esvoaçando, Angelique pôs a mão sobre o braço dele. — Quando você acha que eu terei meu espelho?


Christopher a olhou de cima a baixo, para aquele rosto encantador, em forma de coração. Os olhos dela eram de um azul tão puro quanto o das águas tropicais. Ele agradecia a tio Martim por não ter pedido que passasse seis meses com a prima Angelique.


— Tenho certeza de que o senhor Franco vai lhe enviar o espelho o mais rápido possível.


— Venha comigo, Angelique. Eu lhe dou uma carona até o ae­roporto. — Guillermo passou a mão de Angelique em seu braço, deu um tapinha nela e sorriu para Dulce. — Se não os conhecesse tão bem, ficaria preocupado. Você não agüentará passar seis dias com Christopher, quanto mais seis meses. Temperamento monstruoso — disse, em tom de confidência, para Christopher. — Vocês dois
vão se matar antes mesmo da primeira semana.


— Não gaste o dinheiro do velho ainda — advertiu Christopher.


— Nós vamos completar os seis meses, se não por outra razão,
para irritar você. — Ao dizer isso, Christopher deu um sorriso malandro, cheio de significados ocultos, que apagou a expressão de arrogância de Guillermo.


 — Vamos ver quem vai ganhar esse jogo. — Guillermo endireitou-se e tomou o rumo da porta. Atrás dele ia sua esposa, sem dizer uma palavra desde que entrara.


 — Guillermo — começou Angelique, enquanto saíam todos. — O que você vai fazer com todas aquelas caixas de fósforos?


— Pôr fogo na própria vida, espero — resmungou Dulce.


— Bem, Christopher, embora não se pudesse dizer que havia muito amor antes, agora não resta mais nada.


— Você se importa por tê-los desprezado?


Ela deu de ombros e andou até um grande vaso de rosas, para as quais ficou olhando compenetradamente.


— Bem, nunca me incomodei por ter desprezado você. Porque acha que me incomodaria por ter sido indiferente a essas pessoas?


— Martim sempre dizia que nós somos muito parecidos.


— Mesmo? — Orgulhosa, ela franziu a testa. — Eu me pego discordando dele mais uma vez. Eu e você, Christopher Uckermann, não temos quase nada em comum.


— Se você estiver certa, teremos seis meses para provar isso.


— Por impulso, ele se aproximou e colocou um dedo sob o queixo de Dulce. — Você sabe, querida, que poderia ser obrigada a ficar presa com Guillermo.


 — Eu teria dado a herança para as plantas carnívoras antes. Christopher riu.


 — Estou lisonjeado.


— Não fique. — Mas Dulce não se afastou. Não ainda.
Estar tão perto de Christopher sem gritar com ele era uma sensação nova. — A única diferença entre você e Guillermo é que você não me entedia.


— É o que basta — ele disse, com um esboço de sorriso. — Eu fico facilmente lisonjeado. — Fascinado, ele correu o dedo pelo rosto de Dulce. Ela ficou pálida e imóvel, olhava-o direto e fixamente. — Não, nós não vamos ficar entediados, Dulce. Em seis meses poderemos viver muitas coisas, mas tédio não será uma delas.


Então Dulce percebeu que aquela podia até ser uma sensa­ção nova, interessante, mas não muito segura. Dulce preferiu se lembrar que, se permitisse, e por mais que Christopher não a considerasse uma mulher atraente, ele iria ludibriá-la.


— Eu não fico lisonjeada facilmente. Não entendi muito bem quais as suas razões para seguir adiante com esta farsa, mas eu só estou fazendo isso por causa de tio Martim. Além do mais, posso deslocar minha oficina de montagem de jóias para este lugar facilmente.


— E para mim também; é fácil escrever aqui. —Dulce tirou uma rosa do vaso.


 — Se é que se pode chamar aqueles roteiros improváveis de escritos.


 — Do mesmo modo que você chama as bijuterias que você faz de arte.


Ela ficou vermelha e Christopher ficou contente com isso.


— Você não seria capaz de reconhecer arte nem se ela se jogasse aos seus pés ou fosse esfregada em seu rosto. Minhas jóias expressam emoção.


O sorriso de Christopher deixava claro um interesse prazeroso.


 — Qual é o preço da luxúria hoje em dia?


 — Eu achava que você estaria familiarizado com os preços. — Dulce tateou em busca de um lenço, assoou nele e, então, fechou sua mala com um clique. — A maioria das mulheres com as quais você namora tem uma etiqueta de preço.


Isso o alegrava, e Christopher fez questão de demonstrar.


 — Eu achei que estivéssemos falando sobre trabalho.


 — Meu trabalho é pago pelo tempo, enquanto o seu... O seu é interrompido pelo intervalo comercial. E além do mais...


 — Com licença.


Franco parou na porta da biblioteca. Tudo o que ele queria era se livrar da família Saviñon e beber algo leve e refrescante.


— Devo presumir que vocês dois concordaram com os termos
do testamento?


Seis meses, pensou Dulce. Seria um longo, longo inverno. Seis meses, pensou Christopher. Quando chegasse o mês de abril, ele ficaria com a primeira loura bronzeada.


— Você pode começar a contar os dias a partir do fim de semana — ele disse a Franco. — Concorda, prima?


Dulce fez cara de séria.


— Concordo.



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Autor(a): dullinylarebeldevondy

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 400



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  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:45:00

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:58

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:56

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:09

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:44

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:39

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:53

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:47

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:36

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:30

    lindo!!!


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