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Capítulo: 10? Capítulo

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Capítulo 10



Assim que Christopher saiu, Dulce trancou o pesado ferrolho da porta principal. Embora tenha demorado meia hora, ela ficou feliz porque Christopher insistira em examinar todas as portas e janelas com ela. A casa, com Dulce segura dentro dela, estava firmemente trancada.


E estava totalmente em silêncio.


Para suportar a solidão, Dulce foi até a cozinha e começou a remexer em potes e panelas. Ela queria estar com Christopher, ficar ao lado dele quando ele estivesse verificando o arrombamento do apartamento. Dulce se perguntava se estava sendo tão frus­trante para ele seguir sozinho quanto era para ela ficar para trás. Não era possível fazer nada. Havia duas pessoas de idade na casa que não podiam ser abandonadas. E elas precisavam comer.


O frango era para ter sido um esforço conjunto e um alívio das comidas casuais que eles estavam preparando até aquele dia. Christopher dizia saber pelo menos o essencial da fritura. Já que ele se candidatara para cuidar do frango, Dulce se encarregaria de tentar fazer um purê de batatas. Ela achava que, não fosse outra coisa, a competição melhoraria o resultado final.


Dulce se resignou a preparar a comida sozinha. Ela concluiu que cozinhar manteria sua cabeça longe dos problemas recentes Precisando de companhia, ligou o rádio da cozinha e girou o botão até encontrar uma estação de música country. Dolly Parton cantava lindamente. Satisfeita, ela puxou um dos livros de culinária de Glaucia de uma estante e começou a procurar no índice. Frango frito era feito para piqueniques, pensou. Quanto trabalho daria?


Ela tinha duas bancadas cheias e bagunçadas, e farinha no braço todo, quando o telefone tocou. Usando um pano de prato, Dulce atendeu de uma extensão na cozinha. Seu pé batia ao som de On the Road Again.


 — Alô.


 — Dulce Saviñon?


Seu mente se concentrou em assuntos mais urgentes. Ela esticou o fio do telefone até a bancada e pegou uma coxa de galinha.


 — Sim.


 — Escute com atenção.


 


 — Pode falar mais alto? — Com a língua entre os dentes, Dulce mergulhou a coxa de frango na farinha. — Não consigo ouvi-lo muito bem.


 — Eu tenho de avisá-la, e não resta muito tempo. Você está em perigo. Você não está segura nessa casa. Não sozinha.


O livro de receitas caiu no chão e foi parar no pé dela.


— O quê? Quem está falando?


— Apenas escute. Você está sozinha porque isso foi calculado. Alguém vai tentar invadir a casa hoje à noite.


— Alguém? — Ela mudou o telefone de ouvido e ouviu com atenção. Dulce não estava detectando esperteza na voz, e sim nervosismo. Quem quer que fosse, do outro lado, estava tremendo tanto quanto ela. Dulce tinha certeza, quase certeza, de que
era uma voz masculina.


— Se você está tentando me assustar...


— Estou tentando lhe avisar. Quando eu descobri... — Já baixa
e quase inaudível, a voz se tornou hesitante. — Vocês não deviam
ter enviado o champanhe. Eu não gosto do que está acontecendo,
mas não vou detê-los. Ninguém vai se ferir, você entende? Mas
eu tenho medo do que possa acontecer depois.


Dulce sentiu o medo revirando seu estômago. Lá fora estava escuro, totalmente escuro. Ela estava sozinha na casa com dois velhos empregados.


 — Se você está com medo, me diga quem você é. Me ajude a parar o que está acontecendo.


 — Eu já estou arriscando tudo ao lhe avisar. Você não entende? Saia, apenas saia da casa.


Era uma manobra, disse Dulce a si mesma. Uma manobra para tirá-la da mansão. Dulce endireitou os ombros, mas seu olhar passava de uma janela para outra.


— Eu não vou a lugar algum. Se quer me ajudar, me diga quem eu devo temer.


— Apenas saia — repetiu a voz antes de a ligação cair.
Dulce ficou paralisada, segurando o telefone mudo. O óleo


na frigideira começara a chiar, competindo com o rádio. Obser­vando as janelas, ouvindo, Dulce pôs o telefone no gancho. Era um trote, disse a si mesma. Era apenas um truque para tirá-la da casa na esperança de que ela ficasse apavorada o suficiente para não voltar. Dulce não seria expulsa de casa por causa de uma voz trêmula ao telefone.


Além do mais, Christopher já telefonara para a polícia. Eles sabiam que Dulce estava sozinha. Ao primeiro sinal de problema, ela precisava apenas pegar o telefone.


As mãos não estavam completamente firmes, mas Dulce voltou a cozinhar, com raiva. Ela mergulhou o frango empanado na frigideira, verificou as batatas que estavam cozinhando e che­gou à conclusão de que uma taça de vinho enquanto trabalhava seria uma excelente idéia. Dulce estava se servindo quando Tobby entrou correndo na cozinha, fazendo algazarra em torno das pernas dela.


— Tobby. — Dulce se abaixou e puxou o cãozinho para mais perto. Ela o sentiu quente e forte. — Que bom que você está aqui — murmurou. Mas por um momento ela se permitiu desejar desesperadamente por Christopher.


Tobby lambeu-lhe o rosto, deu uns dois pulinhos desajeitados na direção da bancada e saiu correndo para a porta. Pulando ele começou a latir.


— Agora? — perguntou Dulce. — Eu achava que você podia esperar até amanhã de manhã.


Tobby voltou correndo para Dulce, rodeou-a e depois correu novamente até a porta. Quando ele repetiu aquilo a terceira vez, Dulce cedeu. O telefonema não era mais do que um truque, um truque desastrado. Além do mais, Dulce dizia a si mesma enquanto abria a tranca, não me faria nenhum mal abrir a porta para dar uma boa olhada lá fora.


Assim que Dulce abriu a porta, Tobby saiu correndo e tropeçou na neve. O cão começou a farejar imediatamente, en­quanto Dulce ficava em pé, tremendo, forçando a visão para enxergar através da escuridão. A música e o cheiro da comida fluíam atrás dela.


Não havia nada. Ela se protegeu contra o frio e concluiu que não esperava ver nada de anormal. A neve cessara, as estrelas brilhavam e a floresta estava quieta. Era como deveria ser: uma simples e rotineira noite no interior. Ela aspirou fundo o ar do inverno e começou a chamar o cachorro de volta. Eles viram um movimento no limite da floresta ao mesmo tempo.


Só uma sombra, que parecia se separar lentamente de uma árvore e assumir uma forma. Uma forma humana. Antes que Dulce pudesse reagir, Tobby começou a latir e avançar pela neve.


— Não, Tobby. Volte.


Sem dar a si mesma uma chance de pensar, Dulce pegou o velho casaco cor de ervilha que estava pendurado ao lado da porta e saiu em disparada. Pensando melhor, ela pegou uma frigideira de ferro antes de sair pela porta atrás do cachorro.


— Tobby!


Ele já estava no limite da floresta, na pista certa. Ficando mais confiante, Dulce correu para pegá-lo. Quem quer que estivesse observando a casa, correra ao ver o desengonçado e atabalhoado animal. Dulce descobriu que estava suscetível ao medo, mas se recusava a ser aterrorizada por um covarde. Com tanto entusiasmo quanto Tobby, ela entrou na floresta. Sem fôlego, mas se sentindo indestrutível, Dulce ficou parada tempo suficiente para olhar em volta e escutar. Por um momento não escutou nada. Então, à sua direita, ela ouviu um latido e uma pancada.


 — Pega, Tobby! — gritou, virando-se na direção do caos. Excitada pela caçada, Dulce encorajava o cachorro, mudando de direção sempre que o ouvia respondendo. Enquanto corria, a neve caía dos galhos e escorria, fria e molhada, pela sua nuca. Os latidos ficaram mais intensos e, na pressa, Dulce tropeçou no tronco de uma árvore caída. Limpando-se da neve e xingan­do, ficou de joelhos. Tobby saiu correndo da floresta e se jogou contra Dulce, deitando-a novamente.


 — Não eu. — Deitada de costas, Dulce empurrou o cachor­ro. — Droga, Tobby, se você não... — Ela se interrompeu quando o cachorro ficou imóvel e começou a rosnar. Caída na neve, Dulce olhou para cima e viu a sombra se mover novamente entre as árvores. Ela se esqueceu de que era orgulhosa demais para ter medo de um covarde.


Embora suas mãos estivessem frias e formigando, ela agarrou firme o cabo da frigideira e, pondo-se de pé, seguiu lentamente para a árvore mais próxima. Lutando para acalmar sua respira­ção, Dulce se preparou para atacar e se defender. Parente ou estranho, ela daria um jeito nele. Mas os joelhos de Dulce tremiam. Tobby ficou em posição de ataque e se lançou à frente. Assim que fez isso, Dulce levantou a frigideira no alto e se preparou para bater.


 — O que é que está acontecendo aqui?


 — Christopher! — A frigideira caiu na neve com um baque sur­do, enquanto Dulce seguia Tobby, que seguia na frente dela.


Sentindo vertigens de tão aliviada, ela encheu de beijos o rosto todo dele. — Ah, Christopher. Estou tão feliz por ser você.


 — É. Você, com certeza, parecia feliz com aquela frigideira suspensa no ar. Acabou o fixador de cabelo?


 — Era o que estava mais à mão. — De repente, ela se afastou e olhou com raiva para ele. — Droga, Christopher, você quase me mata de susto. Você deveria estar a caminho de Nova York, não se escondendo na floresta. Por quê?


Com as costas das mãos, Christopher limpou a neve do rosto de Dulce.


— Eu dirigi por 15 quilômetros, mas não conseguia me livrar
de uma sensação ruim. Era conveniente demais. Então decidi
parar num posto de gasolina e ligar para minha vizinha.


— Mas seu apartamento.


 — Eu liguei para a polícia e fiz um relato de uma lista das coisas de valor. Nós dois vamos para Nova York em um ou dois dias. — A neve estava espalhada pelos cabelos de Dulce, e caía sobre o casaco dela. Christopher pensou no que poderia ter acontecido e resistiu à vontade de sacudi-la. — Eu não poderia deixar você sozinha.


 — Depois disso, vou começar a acreditar que você é um cava­lheiro. — Dulce o beijou. — Isso explica porque você não está em Nova York, mas o que estava fazendo na floresta?


— Só um pressentimento.


Christopher se abaixou para recuperar a frigideira. Um bom golpe com aquilo, pensou, e ele ficaria inconsciente por algum tempo.


 — Da próxima vez que você tiver um pressentimento, não fique em pé na beira da floresta, olhando imóvel para a casa.


 — Eu não estava fazendo isso. — Christopher pegou no braço de Dulce e a levou de volta para a casa. Ele a queria dentro novamente, atrás das portas trancadas.


— Eu vi você.


— Eu não sei quem você viu. — Zangado, Christopher ficou
olhando para o cachorro. — Mas se você não tivesse deixado O
Tobby sair, nós dois saberíamos. Eu achei melhor dar uma olhada
lá fora antes de entrar, e vi pegadas. Eu as segui e então entrei na floresta. — Ele olhou para trás, ainda rígido por causa da tensão.


Eu estava exatamente indo atrás do dono daquelas pegadas quando Tobby tentou me atacar. Eu comecei a correr. — Christopher praguejou, dando um tapa na frigideira. — Eu estava prestes a alcançá-lo quando este cão passou correndo pelas minhas pernas, me derrubando de cara na neve. Ao mesmo tempo, você começou a gritar para o cachorro. A pessoa que eu perseguia teve tempo suficiente para desaparecer.


Dulce xingou, chutando a neve.


 — Se você tivesse me contado o que estava acontecendo, nós podíamos ter agido em equipe — disse ela.


 — Eu não sabia o que era até acontecer. De qualquer modo, o acordo era que você ficaria dentro de casa, com as portas trancadas.


 — O cão precisava sair — murmurou Dulce. — E eu recebi um telefonema. — Ela olhou para trás, por cima do ombro, e suspirou. — Alguém ligou para me alertar.


 — Não sei. Eu achei que era uma voz masculina, mas... não tenho certeza.


As mãos de Christopher se apertaram no braço dela.


 — Ele a ameaçou?


 — Não, não foi bem uma ameaça. Quem me ligou parecia saber claramente o que estava acontecendo e não estava feliz com isso, o que ficou óbvio. Ele... Ela disse que alguém tentaria invadir a mansão Revertti, e que eu deveria sair.


 — E, claro, você lidou com isso correndo para a floresta ar­mada com uma frigideira. Dulce! — Dessa vez Christopher não a sacudiu. — Por que não ligou para a polícia?


 — Porque pensei que era outro truque, e isso me deixou doida. — Ela olhou para Christopher com teimosia. — Sim, eu fiquei apa­vorada no começo, então isso apenas me deixou doida. Eu não gosto de ser intimidada. Quando olhei para fora e vi alguém perto das árvores, a única coisa que quis fazer foi contra-atacar.


— Admirável — disse Christopher, pegando-a pelos ombros


— Estúpido.


— Você estava fazendo a mesma coisa.


— Não é a mesma coisa. Você tem a inteligência, a elegância. Até diria que tem a coragem. Mas, prima, você não é um peso pesado. E se você fosse pega por quem estava lá fora e decidissem jogar pesado?


— Eu sei jogar pesado também — resmungou Dulce.


— Ótimo. — Com um movimento rápido, Christopher lhe deu uma rasteira que a fez cair sentada na neve. Antes que Dulce pudesse reclamar, ele estava sobre ela, fazendo um gesto com a frigideira. Tobby achou que era uma brincadeira e também subiu sobre Dulce. — Eu poderia ter voltado amanhã para encontrar você semi-enterrada na neve. — Antes que ela pudesse falar, Christopher a ajudou a ficar de pé novamente. — E não vou arriscar.


— Você me pegou desprevenida — disse.


— Cale a boca. — Christopher a pegou pelos ombros mais uma vez, e dessa vez não o fez com gentileza. — Você é importante demais, Dulce, eu cansei de correr riscos. Vamos entrar e chamar a polícia. Vamos contar tudo a eles.


 — O que eles podem fazer?


 — Vamos descobrir.


Ela suspirou longamente, depois se apoiou em Christopher. A caçada podia ter sido excitante, mas os joelhos de Dulce ainda não haviam parado de tremer.


 — Tudo bem. Talvez você esteja certo. Nós não sabemos mais sobre o caso agora do que quando tudo começou.


 — Chamar a polícia não é desistir, é apenas aumentar nossas probabilidades. Eu podia não ter voltado hoje, Dulce. O ca­chorro podia não ter assustado ninguém. Você estava sozinha.


— Christopher pegou as duas mãos dela e as colocou de encontro aos seus lábios para aquecê-las. — Eu não vou deixar que algo aconteça a você.


Confusa por causa da sensação prazerosa que as palavras de Christopher despertaram, Dulce tentou puxar suas mãos.


— Posso cuidar de mim mesma, Christopher.


Ele sorriu, mas não a deixou recolher as mãos.


— Talvez. Mas você não vai ter a chance de descobrir se isso
é verdade. Vamos para casa. Estou com fome.


— Típico! — Dulce começou, precisando melhorar o humor. — Você pensa com a barriga. Ah, meu Deus, o frango! — Soltando-se de Christopher, ela saiu correndo para a casa.


 — Não estou com tanta fome assim — disse Christopher, correndo atrás dela. Ele se sentiu aliviado novamente por tê-la em seus braços. Ao ouvi-la gritando da floresta, seu sangue simplesmente parou de correr. — Na verdade — disse Christopher, abraçando-a — , eu posso pensar em assuntos mais urgentes do que a comida.


 — Christopher. — Dulce lutava, rindo. — Se você não me largar, não haverá frango para comer.


 — Nós vamos comer em algum outro lugar.


 — Eu deixei o fogo aceso. Provavelmente, não sobrou nada do frango, a não ser os ossos torrados.


 — Sempre teremos sopa.


Dizendo isso, Christopher abriu a porta da cozinha.


Em vez de fumaça e de bagunça, eles encontraram uma tra­vessa cheia de frangos dourados e crocantes. Glaucia limpara a bagunça e pusera algumas panelas de molho na pia.


 — Glaucia. — De seu camarote nos braços de Christopher, Dulce vasculhou toda a cozinha. — O que você está fazendo fora da cama?


 — Meu trabalho — ela disse bruscamente, olhando-os de lado. Até onde Glaucia percebia, seu plano estava funcionando per­feitamente. Ela pensara que Christopher e Dulce haviam decidido tomar um pouco de ar fresco enquanto o jantar estava no fogo e, como sempre fazem os jovens, esqueceram do tempo.


 — Você devia estar na cama — Dulce comentou.


 — Chega. Fiquei na cama muito tempo. — E os dias de pouca ou nenhuma atividade a entediaram quase a ponto de chorar. Valia a pena, contudo, ver Dulce pendurada nos braços de


Christopher. — Estou me sentindo bem-disposta novamente, juro. Agora vão se lavar para o jantar.


Christopher e Dulce, separadamente, a examinaram com os olhos. As bochechas de Glaucia estavam rosadas e redondas os olhos brilhavam. Ela corria de um lado para o outro, no seu modo habitual de trabalhar.


 — Nós ainda queremos que você não se esforce — disse Christopher. — Nada de trabalho pesado.


 — Isso mesmo. Eu e Christopher vamos lavar a louça. — Dulce o olhou um pouquinho mal-humorada, só um pouquinho, e bateu-lhe no ombro. — Nós gostamos de fazer isso.


Diante da insistência de Dulce e Christopher, os quatro come­ram na cozinha. Pascoal, sentado ao lado de Glaucia, não sabia ao certo se poderia tossir, e, por isso, apenas pigarreou algumas vezes. Em uma espécie de acordo silencioso, Dulce e Christopher decidiram manter o caso dos invasores para si mesmos. Os dois sentiam que a informação de que alguém estava observando a casa seria perturbadora demais para os dois idosos enquanto ainda se recuperavam.


Aparentemente, o jantar foi uma refeição tranqüila, mas Dulce continuava se perguntando quando eles mandariam os empregados para a cama e chamariam a polícia. Mais de uma vez, Dulce percebeu Glaucia olhando para ela e Christopher com um sorriso contido. Doce velhinha, pensou Dulce, acreditando inocentemente que a cozinheira estava feliz apenas por ter sua cozinha de volta. Isso fez com que Dulce ficasse ainda mais determinada a proteger tanto Glaucia quanto Pascoal de qual­quer problema. Ela prestou atenção à lavagem da louça e em colocar os dois idosos para dormir, e já eram quase 2lh quando Dulce conseguiu se encontrar com Christopher na sala.


— Pronto?


Dulce percebeu certa impaciência familiar na voz dele, e apenas concordou com um gesto de cabeça, servindo-se de conhaque.


 — É um pouco como cuidar de crianças, mas acho que consegui encontrar um filme com o Cary Grant de que os dois vão gostar. — Ela bebericou o conhaque, na esperança de que seus músculos relaxassem com a bebida. — Eu preferia que fosse eu que estivesse assistindo ao filme.


 — Outra hora. — Christopher bebeu um gole do cálice de Dulce. — Liguei para a polícia. Eles logo estarão aqui.


Ela pegou o cálice de volta.


— Ainda me incomoda ter de levar o caso a público. Afinal, qualquer coisa além de uma simples invasão é mera especulação.


 — Vamos deixar que a polícia decida. Dulce conseguiu sorrir.


 — O seu Logan sempre resolve as coisas sozinho.


— Uma pessoa certa vez me disse que isso era coisa de ficção. — Christopher se serviu de conhaque e brindou com Dulce. — Eu descobri que não gosto de ter você no meio de uma história policial.


O conhaque e a lareira deram à noite uma ilusão de normalidade. Dulce reagiu à afirmação de Christopher com indiferença.


— Parece que você está com síndrome de protetor-de-mulheres, Christopher. Não combina com você.


— Talvez não — disse, bebendo de um gole só o conhaque.
— É diferente quando se trata da minha mulher.


Ela se virou, as sobrancelhas arqueadas. Era ridículo sentir prazer com um termo tão comum e possessivo.


— Sua?


— Minha. — Ele envolveu sua nuca com a mão. — Algum
problema com isso?


Tentando engolir em seco, Dulce sentiu seu coração batendo na garganta. Talvez Christopher falasse sério — agora. Em alguns meses, quando ele estivesse de volta ao seu mundo, com o seu grupo, Dulce não seria nada além de uma prima irritante. Mas por agora, só por agora, talvez Christopher estivesse falando sério.


— Não sei direito.


— Pense nisso — ele a aconselhou, antes de beijá-la. — Vamos voltar a esse assunto.


Christopher deixou Dulce confusa e foi atender a porta. Quando voltou, Dulce estava calmamente sentada nu­ma cadeira de encosto alto, perto do fogo.


— Tenente Herrera, Dulce Saviñon.


— Como vai? — O tenente tirou o cachecol de lã e o enfiou no bolso do casaco. Ele parecia, pensou Dulce, com o avô de alguém. A vontade, gordo e careca. — Noite horrível — disse, acomodando-se perto do fogo.


 — Gostaria de um café, tenente? Herrera olhou para Dulce, agradecido.


 — Adoraria.


 — Por favor, sente-se. Voltarei logo.


Sem pressa, ela preparou o café e dispôs as xícaras e os pires em uma bandeja. Não estava servindo, insistia, apenas prepa­rando. Dulce jamais teve oportunidade de conversar com um policial sobre um assunto mais complexo do que uma multa por estacionar em local proibido. E, no fim do dia, ela teria de contar tudo para aquele policial. Dulce estava prestes a discutir sua família e o relacionamento com Christopher.


Seu relacionamento com Christopher, pensou Dulce novamen­te, enquanto mexia no pote de açúcar. Era isso o que ela estava de fato escondendo na cozinha. Dulce ainda não fora capaz de apaziguar o sentimento que percorrera todo o seu corpo quan­do Christopher disse que ela era sua mulher. Coisa de adolescente, resmungou para si mesma. Era absolutamente estúpido se sentir tonta, satisfeita e animada porque um homem olhou para ela com paixão nos olhos.


Mas eram os olhos de Christopher!


Ela achou guardanapos de linho e os dobrou em triângulos. Dulce não queria ser a mulher de ninguém. Só ela mesma. Foi o esforço e o entusiasmo do fim de tarde que a fizeram re­agir daquele jeito, como uma menina de 16 anos que acaba de ganhar um anel de compromisso. Dulce era uma adulta. Ela se sustentava. E estava apaixonada. Convença-se do contrário, Dulce se desafiou. Respirando profundamente, suspendeu a bandeja e voltou para a sala.


 — Senhores. — Dulce colocou a bandeja na mesa de centro e abriu um sorriso. — Creme ou açúcar, tenente?


 — Obrigado. Uma boa porção das duas coisas. — Enquanto Dulce lhe entregava a xícara, o policial colocava um bloco de anotações cheio de orelhas sobre o joelho. — O senhor Uckermann estava me contando. Parece que vocês andaram tendo alguns aborrecimentos.


Ao ouvir aquela palavra, ela sorriu. A voz de Herrera era tão relaxada quanto a fisionomia dele.


 — Poucas.


 — Eu não vou dar uma lição. — Mas ele olhou para os dois, preocupado. — Mesmo assim, vocês deveriam ter avisado a polícia logo depois do primeiro incidente. Vandalismo é um crime.


 — Nós esperávamos que, ignorando o ocorrido, desestimularíamos a repetição. — Dulce ergueu sua xícara. — Estávamos errados.


 — Eu vou ter de levar o champanhe comigo. — Novamente, o policial os olhou com desaprovação. — Mesmo que vocês já o tenham analisado, nós vamos repetir a análise no nosso labo­ratório.


 — Vou pegá-lo. — Christopher se levantou, deixando o tenente sozinho com Dulce.


 — Senhorita Saviñon, pelo que seu primo me contou, as exi­gências do testamento do senhor Saviñon eram um pouco fora do comum.


 — Um pouco.


 — Ele também me disse que a convenceu a concordar com as exigências.


 — Isso é fantasia do Christopher, tenente. — Ela bebeu o café. — Eu estou fazendo exatamente aquilo que decidi fazer.


Herrera assentiu e anotou.


 — Você concorda com a idéia do senhor Uckermann de que esses incidentes estão conectados e que um dos seus familiares pode ser o responsável?


 — Não posso imaginar nenhum motivo para discordar.


 — Você tem algum motivo para suspeitar de algum membro da família mais do que de outro?


Dulce pensou muito nisso, tanto quanto já pensara antes.


 — Não. Veja, não somos, de modo algum, uma família unida. Mas a verdade é que não os conheço muito bem.


 — Exceto o senhor Uckermann.


 — Exatamente. Christopher e eu visitávamos nosso tio freqüen­temente, e esbarrávamos um no outro aqui e ali na mansão Revertti. — Mesmo que não quisessem, acrescentou para si mesma, numa piada particular. — Nenhum dos outros vinha aqui com freqüência.


 — O champanhe, tenente. — Christopher trouxera a caixa. — E o relatório do  laboratório Sanfield.


Herrera passou os olhos pela folha impressa e então guardou o papel dentro da caixa.


 — O advogado do seu tio... — Ele consultou rapidamente as anotações. — Franco disse que houve uma invasão há várias semanas. Tivemos uma patrulha verificando a área, mas neste ponto o senhor poderia concordar em ter um homem patrulhando a casa uma vez por dia.


 — Eu prefiro isso — disse Christopher.


 — Vou entrar em contato com Franco. — Vendo que a xícara do policial estava vazia, Dulce a pegou e a encheu novamente. — E também vou precisar de uma lista com o nome de todos os seus familiares que constam no testamento.


Dulce o olhou com cara feia. Eles tentaram contar tudo ao tenente, do melhor modo que podiam. Quando terminaram, Dulce olhou para Herrera como se estivesse pedindo desculpas.


 — Eu lhe disse que não éramos unidos.


 — Vou entrar em contato com o advogado para saber dos detalhes. — Herrera se levantou e tentou não pensar no caminho gelado de volta à cidade. — Vamos manter o inquérito na maior discrição possível. Se acontecer mais alguma coisa, liguem. Um dos meus homens estará por perto para dar uma olhada nas coisas.


— Obrigado, tenente. — Christopher ajudou o atarracado homem
com seu casaco.


Herrera deu mais uma olhada na sala.


 — Já pensaram em instalar um sistema de segurança?


 — Não.


 — Então pensem — aconselhou, saindo.


— Acabamos de levar uma bronca — murmurou Dulce.
Christopher se perguntava se havia espaço no seriado para um


policial asseado e mal-humorado.


— Parece mesmo.


— Sabe, Christopher, eu tenho duas linhas de pensamento sobre
envolver a polícia.


 — Quais?


 — Isso vai acalmar as coisas ou intensificá-las.


 — Cubra a aposta e arrisque.


Ela o olhou como se soubesse de tudo.


— Você está apostando na segunda hipótese.


— Eu cheguei perto hoje à noite. — Ele largou o café e se serviu de mais conhaque. — Eu quase botei minhas mãos em alguma coisa. Ou alguém. — Ao olhar para Dulce, a frustração em seus olhos se desmanchou. O atrevimento estava de volta.


— Eu gosto de brigar às claras, olho no olho.


— É melhor encararmos a situação como um jogo de xadrez
em vez de uma luta de boxe.


Dulce se aproximou para abraçá-lo e deitou a cabeça no ombro de Christopher. Era o tipo de gesto que ele pensava que jamais se acostumaria a receber dela. Ao descansar a cabeça sobre os cabelos de Dulce, Christopher percebeu que a verdade era que ele não tinha apenas acrescentado doçura ao que sentia. Quando Christopher deixou de se lembrar que Dulce não cabia na imagem que há muito ele fazia da mulher ideal? Os cabelos dela eram vermelhos demais, o corpo, magro demais, a língua, afiada demais. Christopher se aninhou em Dulce para descobrir que, na verdade, eles combinavam muito.


 — Eu nunca tive paciência para o xadrez.


 — Então teremos de deixar isso para a polícia. — Ela o segu­rava fortemente. A necessidade por proteção ficou tão intensa quanto o desejo de ser protegida.


 — Eu estive pensando no que poderia ter acontecido lá fora esta noite. Eu não quero que você se machuque, Christopher.


Com os dedos sob o queixo de Dulce, ele levantou seu rosto.


 — Por que não?


 — Porque... — Dulce olhou nos olhos dele e sentiu seu coração se derreter. Mas ela não agiria como uma idiota. Ela não arriscaria seu orgulho. — Porque eu teria de lavar a louça sozinha.


Christopher sorriu. Não, ela não tinha muita paciência, mas podia contar com ela quando as circunstâncias exigiam. Christopher a beijou no canto da boca. Mais cedo ou mais tarde, ele tiraria mais de Dulce. Então, Christopher apenas teria de decidir o que fazer.


— Alguma outra razão?


Absorvendo a emoção do momento, Dulce procurou em sua mente uma outra resposta fácil.


 — Se você se machucar, não poderá trabalhar. E eu terei de conviver com o seu mau humor.


 — Eu achei que você já estava convivendo com ele.


 — Já o vi pior.


Christopher beijou os olhos fechados de Dulce devagar, sen­sualmente.


 — Tente responder mais uma vez.


 — Porque eu me importo. — Dulce abriu os olhos e sua expressão era tensa, hostil. — Algum problema com isso?


 — Não.


Dessa vez o beijo de Christopher não foi gentil ou paciente. Ele a segurou com força e a deixou amolecida em pouco tempo. Se ainda havia alguma tensão em Dulce, ela estava incapaz de sentir.


 — O único problema é conseguir arrancar isso de você.


 — Você é parte da família acima de tudo...


Com uma gargalhada, ele mordeu o lóbulo da orelha dela.


 — Não tente fugir. Indignada, Dulce ficou rígida.


 — Eu nunca fujo.


 — A não ser que você possa racionalizar as coisas. Apenas lembre-se disso. — Christopher a puxou de encontro ao seu corpo mais uma vez. — As conexões de família são distantes. — Eles se beijaram, ansiosos, e então se separaram. — Mas esta conexão, não.


 — Eu não sei o que você quer de mim — sussurrou Dulce.


 — Geralmente, você é bem esperta.


 — Não faça piadas, Christopher.


 — Isto não é uma piada. — Ele a afastou, segurando-a ape­nas pelos ombros. Breve, mas firmemente, Christopher acariciou os braços dela até os cotovelos, e depois para cima. — Não, eu não vou ser explícito com você, Dulce. Não vou facilitar as coisas para você. Você deve estar ansiosa para admitir que nós dois queremos a mesma coisa. É o que você vai fazer.


 — Arrogante — ela o advertiu.


 — Convencido — corrigiu Christopher. Ele tinha de ser. Ou já estaria aos pés de Dulce, implorando. Chegaria a hora, prome­teu a si mesmo, em que ela deixaria cair a última de suas defesas. — Eu quero você.


Um tremor subiu por toda a espinha de Dulce.


 — Eu sei.


 — É. — Christopher entrelaçou seus dedos nos dela. — Eu acho que você sabe.



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Autor(a): dullinylarebeldevondy

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 400



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  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:45:00

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:58

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:56

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:09

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:44

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:39

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:53

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:47

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:36

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:30

    lindo!!!


ATENÇÃO

O ERRO DE NÃO ENVIAR EMAIL NA CONFIRMAÇÃO DO CADASTRO FOI SOLUCIONADO. QUEM NÃO RECEBEU O EMAIL, BASTA SOLICITAR NOVA SENHA NA ÁREA DE LOGIN.


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