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Capítulo: 3? Capítulo

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Cap. Para naty e jessica!


Capítulo 3


 


      As ruas estavam quase desertas. Um carro virou numa esquina e desapareceu. Garoava. As luzes de néon iluminavam as poças d`água. Parecia espalhafatoso, não festivo. Aquela parte da cidade tinha um ar cinzento e triste. Passagens estreitas, boa­tes decadentes, carros abandonados. A loura baixinha e bem vestida andava com passos rápidos. Estava nervosa, fora do seu habitat, mas não perdida. Close no envelope em suas mãos. Está molhado por causa da chuva. Seus dedos se abrem e se fecham no envelope. Fora da cena, escuta-se o derrapar de pneus e a loura se assusta. As luzes azuis de uma boate piscam sobre o seu rosto enquanto ela espera do lado de fora. Hesitação. O envelope passa de mão em mão. Ela se vai. Imagem panorâmica lenta das ruas. Três tiros e corta.


No escritório, Christopher escutou três batidas na porta. Antes que pudesse responder, Dulce entrou. — Feliz aniversário, querido.


De sua máquina de escrever, ele a olhou. Christopher ficou acor­dado pela maior parte da noite para escrever a história central. Eram 9h, e ele tomara apenas uma xícara de café para se man­ter acordado pelo resto do dia. Café e cigarro juntos eram uma lembrança preciosa demais. A cena que há pouco se definira em sua cabeça tinha se dissolvido.


 — Do que é que você está falando? — Ele estendeu a mão até uma tigela de amendoins, para descobrir que comera todos exceto dois.


 — Duas semanas sem nenhum osso quebrado.


Dulce entrou repentinamente, reprovou com um gesto a bagunça e então escolheu sentar-se no braço de uma cadeira. Aparentemente, era o único lugar livre. Ela limpou o pó na quina da mesa ao lado e deixou escapar uma ofensa.


— E eles diziam que nós não duraríamos muito.


Ela parecia revigorada com seus cabelos compridos e rebeldes presos e à vontade usando uma blusa e calça folgadas demais. Christopher se sentia como se tivesse acabado de ser resgatado de uma caverna. A camisa de dormir que vestia estava rasgada na costura do ombro há dois anos, mas ele ainda a usava. Algumas semanas antes, Christopher ajudara a pintar o apartamento de um amigo. A tinta respingada em sua calça jeans mostrava uma preferência por rosa-bebê. Seus olhos pareciam como se tivesse dormido de cara na areia.


Dulce sorriu para ele como uma brilhante e entusiasmada professora de jardim-de-infância faria. Ela exalava um cheiro leve, amadeirado, de limpeza e frescor.


 — Nós temos uma regra sobre respeitar o espaço de trabalho do outro — Christopher lembrou-lhe.


 — Tudo bem, não fique tão rabugento — Dulce disse isso com o mesmo sorriso feliz. — Além do mais, você nunca me deu sua agenda. Pelo que percebi nas últimas duas semanas, é madrugada para você.


 — Eu estava começando o argumento para um novo episódio.


 — Mesmo? — Dulce se aproximou e se inclinou sobre o ombro de Christopher. — Hummmm — ela disse, embora se perguntasse quem atirara em quem. — Bem, não acho que vá demorar muito.


Por que você não vai brincar com suas bugigangas?


Agora você está sendo grosseiro, quando eu vim aqui apenas para convidá-lo a ir comigo até a cidade.


Depois de limpar a manga da blusa, Dulce sentou na bei­rada da escrivaninha. Ela não sabia exatamente porque estava tão determinada a ser amigável. Talvez fosse por causa do colar de esmeraldas que quase terminara e que estava superando suas expectativas. Talvez fosse porque, nas últimas duas semanas, Dulce adquirira algum prazer na companhia de Christopher. Um prazer superficial, ela fazia questão de dizer a si mesma. Nada de especial.


Ele a olhou desconfiado.


— Para quê?


— Eu vou comprar alguns mantimentos que Glaucia precisa.
— Dulce encontrou um casco de tartaruga que servia como
um intrigante abajur e passou as mãos sobre ele. — Achei que
você talvez gostasse de sair um pouco.


Christopher gostaria. Fazia duas semanas que não via nada além da casa e dos arredores. Ele olhou novamente para a página em sua máquina de escrever.


— Quanto tempo demorará?


— Ah, acho que duas, três horas. — Ela deu de ombros. — Só para ir e voltar leva uma hora.


Ele se sentia tentado. Tempo livre e uma mudança de cenário. Mas a folha de papel incompleta permanecia em sua máquina de escrever.


 — Não posso. Eu tenho de acabar isso logo.


 — Tudo bem.


Dulce levantou-se da escrivaninha um pouco surpresa pelo nível de desapontamento que sentiu. Besteira, pensou. Ela adorava dirigir sozinha com o rádio no último volume. Não force tanto os seus dedinhos.


Christopher começou a resmungar alguma coisa pelas costas de Dulce. Então, porque sua tigela de amendoim estava vazia, ele pensou melhor.


 — Dulce, que tal me trazer um pouco de pistache? Ela parou na porta, franzindo a testa.


 — Pistache?


— Verdadeiros. Não aqueles com corante vermelho. — Christopher passou a mão no queixo, nos pêlos eriçados da barba por
fazer e desejou um maço de cigarros. Um cigarro. Uma tragada
longa e profunda.


Dulce olhou para a tigela vazia e quase sorriu. Pelo modo como estava comendo, Christopher rapidamente perderia aquele porte magro e esguio.


— Acho que posso fazer isso.


 — E um exemplar do The New York Times. Ela franziu a testa mais uma vez.


 — Você gostaria de fazer uma lista?


— Não seja desmancha-prazeres. Da próxima vez que Glaucia
precisar de suprimentos, eu irei.


Dulce pensou nisso por um instante.


 — Muito bem, pistache e notícias.


 — E alguns lápis — provocou Christopher.


Com esperteza, ela fechou a porta rapidamente.


Quase duas horas se passaram antes que Christopher concluísse que merecia outra xícara de café. O argumento central do episódio estava saindo exatamente como ele planejara, cheio de viradas e reviravoltas. Os fãs da série Logan`s Run esperavam por coragem com lances de cores e mágica. E era bem assim que o episódio estava sendo desenhado.


Deixando de lado as críticas à televisão, Christopher gostava de escrever para a telinha. Ele gostava de saber que suas histórias alcançariam, literalmente, milhões de pessoas todas as semanas, durante uma hora em que essas pessoas se envolveriam com os personagens criados por ele.


A verdade é que Christopher gostava de Logan — seu heroísmo relutante, mas firme, seu humor e suas falhas. Ele criou Logan bastante humano, indeciso e com falhas, porque Christopher sempre imaginou que os melhores heróis fossem assim.


Os índices de audiência e a correspondência mostravam que Christopher estava no caminho certo. Seus roteiros para a série de Logan lhe renderam aclamação da crítica e prêmios, assim como a peça para teatro que ele escrevera lhe rendeu aclamação da crítica e prêmios. Mas a peça de teatro alcançava, no máxi­mo, uns poucos milhares de pessoas, a maioria em Nova York. Logan`s Run chegava até às famílias tradicionais em Des Moines, os metalúrgicos em Chicago e os estudantes das faculdades de Boston. Todas as semanas.


Christopher não via a televisão como um desperdício, e sim como uma caixa de mágicas. Ele achava que todo mundo tinha a ca­pacidade de se tornar um pouco mágico.


Christopher desligou a máquina de escrever e o zumbido desa­pareceu. Por um instante, fez-se silêncio. Ele sabia que podia trabalhar na mansão Revertti. Já fizera isso antes, mas nunca por tanto tempo. O que Christopher não sabia é que trabalharia tão bem, tão rápido e tão satisfeito. A verdade é que ele jamais es­perou se dar tão bem com Dulce. Não que estivessem vivendo tranqüilamente, refletiu, fazendo um lápis correr distraidamente por entre os dedos.


Eles brigavam, claro, mas pelo menos não estavam dizendo grosserias um para o outro. Acima de tudo, Christopher se divertia nos finais de tarde, quando jogavam baralho, se não por outro motivo, pelo simples desafio de flagrar Dulce trapaceando. Até agora isso não acontecera.


Era também verdade que Christopher se sentia estranhamente atraído por ela. Isso não estava nos seus planos. Até agora, fora capaz de ignorar, controlar ou amenizar sua atração. Mas havia momentos... Levantando-se e espreguiçando-se, Christopher pensou que havia momentos em que gostaria de fazê-la calar-se de modo mais prazeroso. Apenas para ver como seria, Christopher dizia para si mesmo. Ter curiosidade sobre as pessoas fazia parte do seu trabalho. Seria interessante ver como Dulce reagiria se ele a puxasse para perto de si e a beijasse até que ela perdesse as forças.


À caminho da janela, Christopher deixou escapar uma risadinha rápida. Sem forças? Dulce? Mulheres como ela jamais se en­tregavam assim. Christopher poderia até satisfazer sua curiosidade mas teria muitos problemas por isso. Mesmo se valesse a pena pagar o preço...


Dulce não era inflexível. Desde o primeiro dia, quando eles caminharam juntos na volta do trabalho dela, Christopher teve certeza disso. Ele percebera no rosto de Dulce e ouvira, ainda que brevemente, na voz dela. Evitavam falar sobre isso há duas semanas. Ou vinte anos, especulou Christopher.


Ele jamais sentiu por outra mulher aquilo que sentia por Dulce Saviñon. Um desconforto, desafio, raiva. A verdade é que Christopher quase sempre se sentiu à vontade em relação às mulheres. Ele gostava delas — da feminilidade, de sua força e fraqueza peculiares, do estilo. Talvez fosse por isso que Christopher era bem-sucedido em seus relacionamentos, embora cuidadosa­mente garantisse que fossem de curta duração.


Se ele namorava uma mulher, era porque estava interessado nela, não apenas no resultado final. Era bem verdade que Christopher estava interessado em Dulce, mas jamais considerara namorá-la. Ele ficava até surpreso por se pegar uma ou outra vez cogitando em seduzi-la.


Sedução, claro, era algo totalmente diferente de namoro. Mas, acima de tudo, Christopher não sabia se valia a pena correr o risco de tentar seduzir Dulce.


Se a convidasse para um jantar à luz de velas ou um passeio sob o luar — Ou uma louca noite de paixão — , ela responderia com uma frase sarcástica. O que, inevitavelmente, provocaria uma réplica ácida da parte dele. E o pega-pega começaria no­vamente.


De qualquer modo, não era namoro o que Christopher queria com Dulce. Era simplesmente uma curiosidade. Em certas situações, o melhor era se lembrar que a curiosidade não é bem-sucedida. Ao pensar em Dulce, Christopher percebeu que olhava para a oficina onde ela trabalhava em suas jóias.


Eles não eram mesmo tão diferentes assim, pensou Christopher Dulce podia insistir o dia inteiro que eles nada tinham em comum, mas Martim estava mais perto da verdade. Os dois tinham um temperamento explosivo, defendiam suas opiniões e eram extremamente protetores em relação às suas profissões. Christopher se fechava por horas na companhia de sua máquina de escrever. Dulce se trancava por horas com suas ferramentas e maçaricos. Por fim, o resultado do trabalho dos dois tinha a ver com o entretenimento. E, acima de tudo, era...


Seus pensamentos foram interrompidos quando Christopher viu a porta do jardim-de-inverno aberta. Estranho, ele achava que Dulce ainda não havia voltado. Os quartos deles ficavam no extremo oposto da casa, de modo que ele não podia ouvir o carro dela, mas Christopher pensou que Dulce passaria no seu quarto para deixar as coisas que comprara para ele.


Christopher estava prestes a dar de ombros e se virar quando viu uma figura saindo do jardim de inverno. Alguém totalmente coberto com um casaco e chapéu, mas imediatamente Christopher soube que não se tratava de Dulce. Ela se movia com fluidez e desenvoltura. Aquela pessoa andava com passos rápidos e cautela. A cautela, pensou Christopher novamente, era evidente pelo modo como a cabeça da pessoa virava de um lado para o outro, antes que a porta fosse fechada novamente. Sem parar para pensar, Christopher saiu em disparada do seu quarto e desceu.


No último degrau, ele quase tropeçou em Pascoal.


— Dulce já voltou? — perguntou.


— Não, senhor. — Aliviado por não ter sido nocauteado,
Pascoal se apoiava no corrimão. — Ela disse que poderia ficar
na cidade fazendo algumas compras. Não deveríamos nos preo-
cupar se...


Mas Christopher já estava no meio do corredor.


Com um surto de agilidade como não sentia há trinta anos, Pascoal foi até a sala de estar para acender a lareira.


O vento atingiu Christopher assim que ele pisou fora, lembrando-lhe que não pegara um casaco. À medida que começara a correr em direção ao jardim-de-inverno, seu rosto esfriava e seus músculos se aqueciam. Não havia sinal de ninguém nos arredores Não era surpresa, pensou Christopher, diminuindo a velocidade. As árvores ficavam próximas à cerca, e havia meia dúzia de trilhas na floresta.


Algum garoto bisbilhotando? Dulce teria sorte se ele não roubasse metade de suas pedras. Seria bem-feito para ela.


Mas Christopher mudou de opinião assim que chegou à porta da oficina de Dulce.


As caixas estavam viradas. As gemas, pedras e conta, espa­lhadas por todos os lados. Novelos e carretéis de fios estavam emaranhados e revirados, cheios de nós, de parede a parede. Christopher teve de tirar alguns do caminho para poder entrar. O que era quase imaculado em sua ordem agora era puro caos. Fios de ouro e prata foram dobrados e quebrados, ferramentas foram jogadas sem cuidado no chão.


Christopher se abaixou e pegou uma esmeralda. A pedra cintilava um verde intenso na palma de sua mão. Ele pensou que, se aquilo tivesse sido obra de bandido, tinha de ser um ladrão desastrado e míope demais.


— Ah, meu Deus! — Dulce deixou a bolsa cair com um
ruído surdo e ficou paralisada.


Ao se virar, Christopher a viu em pé na porta, pálida e dura. Ele praguejou, porque queria poder prepará-la.


— Acalme-se — disse, procurando pegar o braço dela.


Dulce o repeliu com veemência e abriu caminho para den­tro do jardim de inverno. Contas rolavam e foram recuperadas a cada passo que ela dava. Por um momento, tudo era choque e incredulidade. Foi então que irrompeu uma saraivada de raiva.


— Como você pôde?


Ao se virar para Christopher, Dulce não estava mais pálida. Sua cor era vivida, seus olhos intensos como a esmerada que ele ainda segurava.


Como estava desprevenido, o primeiro golpe de Dulce quase o acertou. Ele sentiu o ar bater em seu rosto, movido pelo punho dela- Antes que Dulce tentasse bater nele novamente, Christopher a segurou pelo braço.


— Um minuto — começou, mas ela jogou todo o seu corpo


contra o dele, empurrando-o contra a parede. O que ainda resta­va na estante tremeu e caiu. Demorou alguns minutos, e alguns arranhões para ambos os lados, até que Christopher conseguisse virar o braço dela para trás e imobilizá-la.


 — Pare. — Christopher pressionou as costas dela até que Dulce só podia olhar para ele, com os olhos secos e furiosos. — Você tem o direito de ficar irritada, mas pôr a culpa em mim não vai resolver nada.


 — Eu sabia que você era baixo — ela disse, com a voz entrecortada. — Mas nunca pensei que fosse capaz de fazer algo tão grotesco.


 — Pense o que quiser — disse Christopher, sentindo como o corpo de Dulce tremia enquanto ela lutava para recuperar o controle. — Dulce. — E sua voz ficou mais calma. — Eu não fiz isso. Olhe para mim — exigiu, sacudindo-a um pouco. — Por que eu faria isso?


Dulce queria chorar, por isso ela falava e olhava com difi­culdade.


— Me diga você.


Paciência não era uma de suas maiores qualidades, mas Christopher tentou novamente.


— Dulce, me escute. Tente ter bom senso por um minuto e me escute. Eu cheguei aqui pouco antes de você. Da minha janela, eu vi alguém saindo do jardim de inverno e desci. Quando cheguei aqui, foi isto que encontrei.


Ela sentia vergonha de si mesma. Dulce sentiu as lágrimas caindo e as odiou. Era melhor odiar Christopher.


— Largue-me.


Talvez Christopher pudesse lidar melhor com a raiva dela do que com seu desespero. Lentamente, ele soltou os braços de Dulce e deu um passo para trás.


— Não faz nem dez minutos desde que vi alguém saindo daqui. Achei que ele pudesse fugir pela floresta.


Ela tentou pensar, livrar-se da raiva raciocinando.


— Pode ir — disse, extremamente calma. — Eu tenho de limpar tudo e fazer um levantamento.


Diante daquela dispensa tão natural, Christopher ficou com algo quente preso na garganta. Lembrando-se de sua própria reação ao abrir a porta do jardim de inverno, engoliu em seco.


— Eu chamarei a polícia, se você quiser. Mas não sei se algo foi roubado. — Ele abriu a mão e mostrou a Dulce a esmeralda. — Não consigo pensar num ladrão capaz de deixar uma pedra como esta para trás.


Ela pegou a pedra da mão de Christopher. Quando seus dedos se fecharam sobre a esmeralda, Dulce sentiu o diminuto relevo do aro que ela prendera na pedra um dia antes. A esmeralda parecia germinar do fio trançado.


Enquanto Dulce caminhava até sua mesa de trabalho, o co­ração batia com mais força em seu peito. Era tudo o que restava do colar que ela estivera moldando por duas semanas. As teias enganosamente delicadas estavam em pedaços, as esmeraldas que caíam graciosamente dos fios, dispersas sobre a mesa. Seu alicate havia sido usado para destruir o colar. Dulce juntou as peças com as mãos e lutou para conter um grito.


— Foi isso, não foi? — Christopher pegou o desenho do colar do chão. No papel, era fascinante, ao mesmo tempo exagerado e circunspecto. Ele achava que o colar que Dulce desenhara podia ser considerado arte. Christopher imaginou como se sentiria
se alguém pegasse uma tesoura e rasgasse seus roteiros. — Você estava quase terminando.


Dulce largou novamente os fragmentos do colar na mesa.


 — Deixe-me sozinha. — Ela se agachou e começou a juntar as pedras e contas.


 — Dulce. — Ao perceber que ela o ignorava, Christopher a se­gurou pelos ombros e a balançou. — Droga, Dulce, eu quero ajudar.


Ela olhou demoradamente para ele, um olhar gelado.


— Você ajudou bastante, Christopher. Agora me deixe sozinha.


— Tudo bem. Ótimo.


Christopher a soltou e, furioso, saiu. Raiva e frustração o guiaram até o meio do caminho. Então, ele parou, xingou e desejou an­siosamente um cigarro. Dulce não tinha o direito de acusá-lo. Pior, ela não tinha o direito de fazer com que ele se sentisse res­ponsável. A culpa que estava vivendo era quase tão forte quanto se de fato tivesse vandalizado a oficina dela. Com as mãos nos bolsos, Christopher parou, olhando para trás, para o jardim-de-inverno, amaldiçoando-a.


Dulce pensava mesmo que ele tivesse feito aquilo. Que era capaz de tamanha destruição perversa sem sentido algum. Christopher tentara conversar com ela, confortá-la. Dulce recusou todas as ofertas de ajuda. Rangendo os dentes, Christopher pensou que era típico dela. Dulce merecia ser deixada sozinha.


Ele quase voltou ao jardim-de-inverno, quando então se lem­brou de como Dulce parecera chocada e aflita ao olhar para o interior da oficina. Xingando a si mesmo de idiota, Christopher voltou.


Ao abrir novamente a porta da oficina, tudo permanecia caótico ainda. Dulce estava sentada no meio da bagunça perto da mesa de trabalho. Ela chorava em silêncio.


Christopher sentiu imediatamente um pânico masculino por ser confrontado com as lágrimas de uma mulher. Ele também ficou surpreso por perceber que as lágrimas vinham de Dulce, que nunca chorava. Christopher compreendeu o sofrimento de alguém em lidar com um golpe daqueles. Sem dizer nada, ele se aproximou de Dulce e a envolveu com os braços.


Ela ficou tensa, mas Christopher já esperava que isso aconte­cesse.


— Eu disse para você ir embora.


Sim. Mas por que eu daria ouvidos a você? — Ele acariciou os cabelos de Dulce.


Ela queria se jogar no colo dele e chorar por horas.


— Não quero você aqui.


 — Eu sei. Apenas finja que sou outra pessoa. — Christopher a puxou para perto do peito.


 — Só estou chorando porque estou com raiva. — Fungando Dulce virou seu rosto de encontro à camisa de Christopher.


 — Claro. — Ele a beijou no alto da cabeça. — Continue e fique com raiva por um tempo. Estou acostumado.


Dulce dizia a si mesma que era tudo culpa da tristeza e da fraqueza que estava sentindo depois daquele choque, por isso ela se abandonou no corpo de Christopher. As lágrimas caíam fartas. Quando Dulce chorava, o fazia com todo o coração. Quando parava de chorar, era porque tinha acabado mesmo.


Com os olhos secos, Dulce se sentou apoiada em Christopher. Segura. Ela não duvidaria disso naquele momento. Com a rai­va veio uma sensação de vergonha à qual Dulce não estava acostumada. Ela fora grosseira com ele. Mesmo assim, Christopher voltara e a abraçara. Quem poderia esperar que ele fosse paciente e cuidadoso? Ou forte o suficiente para fazê-la aceitar o carinho e a paciência? Dulce soltou um longo suspiro e manteve os olhos fechados por um momento. Christopher cheirava a sopa, nada mais.


— Desculpe, Christopher.


Dulce era frágil. Ora, mas Christopher não tinha dito a si mes­mo que ela não agiria assim? Ele deixou que seu rosto afagasse novamente os cabelos dela.


 — Tudo bem.


 — Não, estou mesmo me desculpando.


Ao virar a cabeça, os lábios de Dulce passaram levemente sobre o rosto dele. Ambos se surpreenderam. Aquele tipo de contato era para amigos — Ou amantes.


— Quando entrei aqui, eu não conseguia pensar. Eu...
Dulce deteve-se por um momento, fascinada pelos olhos de


Christopher. Não era estranho perceber como o mundo de repente ficava pequeno quando se olhava dentro dos olhos de outra pessoa? Por que ela jamais notara isso antes?


— Eu preciso arrumar tudo isso.


— Sim. — Com a ponta dos dedos, Christopher acariciou o rosto


dela. Dulce era macia. Mais macia do que ele se permitira imaginar- — Nós dois temos que arrumar tudo.


Era tão fácil se aconchegar nos braços dele!


 — Não consigo pensar.


 — Não?


Seus lábios estavam a apenas um centímetro um do outro
— perto demais para ignorar, longe demais para experimentar.


— Vamos parar de pensar por um minuto.


Quando a boca de Christopher a tocou, Dulce não se afastou, mas aceitou, experimentou com a mesma curiosidade que per­corria o corpo dele. Não foi explosivo ou impactante, foi uma provação para os dois. O tipo de teste que eles sabiam que, mais cedo ou mais tarde, teriam de enfrentar.


O gosto de Dulce era quente, com um toque de doçura. Christopher a conhecia há tanto tempo! Ele não deveria já saber disso? O corpo dela sentiu um impulso para se mexer, atuar, disparar. Macia, sim, Dulce era macia, mas não dócil. Talvez Christopher achasse que docilidade parecia fácil demais. Quando ele deslizou sua língua para dentro da boca de Dulce, encontrou a dela de algum modo importunada, mas alegre. Foi quando o estômago de Christopher roncou. A reação de Dulce fez que ele desejasse mais, muito mais daquele cheiro de terra profundo, daquele corpo tenso. Os dedos de Christopher agarraram os cabelos dela e se fecharam com força.


Christopher era misterioso e audacioso como ela sempre pensou que seria. Suas mãos eram firmes, sua boca, generosa. Às vezes, Dulce se perguntava como seria tê-lo conhecido em outra situação, como esta. Mas ela sempre ignorava este pensamento antes que uma resposta pudesse se insinuar. Christopher Uckermann era perigoso só por ser Christopher Uckermann. Desde que eram crianças, ele volta e meia a atraía e a repelia. Era mais do que qualquer homem foi capaz de fazer por mais de uma semana.


Agora, enquanto sua boca explorava a dele, Dulce começou a entender por quê. Para ela, Christopher era diferente. Ela não se sentia nem completamente segura nos braços dele, nem totalmente no controle. Dulce sempre teve certeza de que em relação aos homens, ela era as duas coisas. A aspereza da barba por fazer de Christopher não a irritava como ela pensava que irritaria. Era excitante. O desconforto do chão duro de madeira parecia combinar com a situação, assim como a lufada de ar frio que entrava pela porta ainda aberta.


Dulce se sentiu tranqüila e completamente em casa. Então, o leve toque dos dentes de Christopher nos lábios dela fez com que Dulce se sentisse como se tivesse acabado de pisar num terre­no inexplorado. Ela fora criada para admirar novos territórios. Mesmo assim, a vida toda, Dulce jamais explorara nada tão singular, exótico e prazeroso.


Ela quis continuar, mas sabia que tinha de parar.


Eles se afastaram ao mesmo tempo.


— Bem.


Apoiando as mãos no colo, Dulce procurou manter a calma. Aja normalmente, ordenou a si mesma, com a pulsação acelerada. Tenha cuidado. Dulce não agüentaria dizer nada que o fizesse rir dela.


— Acho que isso já poderia ter acontecido há algum tempo. Christopher estava se sentindo como se tivesse acabado de andar em uma montanha-russa, mas sem o carrinho.


— Acho que sim. — Ele a observou um pouco, curioso e um
tanto nervoso. Ao ver que os dedos de Dulce se entrelaçavam,
Christopher se sentiu quase satisfeito. — Isso não foi, de modo algum,
O que eu estava esperando.


— Raramente é.


Surpresas demais para um dia, concluiu Dulce, pondo-se, trôpega, de pé. Ela cometeu o erro de olhar em volta e quase caiu novamente.


— Dulce...


— Não, não se preocupe. — Enquanto Christopher se levantava, ela balançou a cabeça. — Não vou desabar novamente. — Concentrando-se em respirar calmamente, ela olhou por muito tempo para a oficina. — Parece que você tinha razão sobre os cadeados. Acho que preciso agradecer por você não ter digo algo como "Eu lhe disse".


 — Se fosse o caso, talvez eu lhe dissesse. — Christopher pegou as esmeraldas espalhadas pela mesa. — Não sou um especialista, prima, mas diria que isso vale alguns milhares de dólares.


 — E daí? — perguntou Dulce com assombro, como se seus pensamentos tivessem começado a seguir os dele. — Nenhum ladrão teria deixado aquelas pedras para trás. — Abaixando-se, Dulce pegou um punhado de gemas. Entre elas estavam dois diamantes de alta qualidade. — Nem estas.


Como de hábito, Christopher começou a juntar as pistas, numa espécie de cenário mental. Ação e reação, motivo e resultado.


— Eu apostaria como, depois de você reorganizar tudo, não
vai sentir falta de nada. Seja quem for que fez isso, queria apenas
arrombar, invadir e vandalizar.


Num acesso de ira, Dulce sentou-se à sua mesa de tra­balho.


 — Você acha que foi alguém da minha família?


 — Eles disseram que isso não iria durar — relembrou Christopher, enfiando as mãos nos bolsos. — Talvez você tenha descoberto algo, Dulce. Algo que nenhum de nós cogitou quando nos sentamos para estabelecer as regras. Nenhuma das pessoas da sua família acreditava que nós conseguiríamos passar seis meses juntos. A verdade é que passamos as últimas duas semanas sem muito atrito. Isso pode ter deixado um deles nervoso o suficiente Para querer criar alguma complicação. Qual foi sua reação ime­diata quando viu isso tudo?


Ela passou a mão pelos cabelos.


— Eu achei que você tinha feito isso para me irritar. Exatamente o que nossos estimados parentes queriam que eu pensasse. Droga, odeio ser tão previsível.


— Quando você se acalmou, foi mais esperta do que eles.
Dulce olhou para ele de soslaio, incerta se deveria agradecer ou pedir desculpas novamente. Era melhor não fazer nem uma coisa nem outra.


 — Este tipo de truquezinho barato serviria justamente para alegrá-los.


 — Eu apenas votaria em Guillermo se você desse pela falta de algu­mas pedras. — Christopher girou sobre os calcanhares. — Ele não resistiria e pegaria alguns diamantes que pudessem ser conver­tidos em dinheiro limpo.


 — Tem razão.


Tio Bustamante? Não, parecia rude demais para o estilo dele. Angelique ficaria tão fascinada pelas pedras que não conseguiria fazer nada além de acariciá-las. Passando a mão pelos cabelos, Dulce tentou visualizar um de seus pacatos e civilizados pa­rentes manuseando um par de alicates.


 — Bem, eu acho que não importa tanto saber qual deles fez isso. Eles atrasaram em duas semanas minha encomenda. — Novamente, Dulce pegou as peças finas de ouro. — Eu jamais serei a mesma — murmurou. — Nada volta a ser como era quando uma coisa destas acontece.


 — Às vezes, é melhor.


Balançando a cabeça, Dulce foi até o aquecedor. Se Christopher demonstrasse ainda mais solidariedade agora, ela seria incapaz de confiar em si mesma.


 — De um jeito ou de outro, eu preciso começar. Diga a Glaucia que não vou almoçar.


 — Vou ajudá-la a limpar tudo.


 — Não. — Ela se virou no momento em que Christopher fran­zia a testa. — Não mesmo, Christopher, eu agradeço. Preciso ficar ocupada. E sozinha.


Ele não gostou de ouvir aquilo, mas entendeu.


 — Tudo bem. Vejo você no jantar.


 — Christopher...



   Ele parou na porta e olhou para trás. No meio daquela bagunça, Dulce parecia forte e cheia de vida. Quase fechando a porta, Christopher voltou-se para ela.


— Talvez tio Martim tivesse razão.


 — Sobre o quê?


 — Talvez você tenha uma ou duas qualidades que valham a pena.


Christopher sorriu para ela, um sorriso rápido e espirituoso.


— Tio Martim tinha sempre razão, prima. É por isso que ele
ainda está no comando.


Dulce esperou até ouvir a porta se fechar novamente. Tio Martim estava mesmo no controle, ela pensou.


— Mas você não vai bancar o cupido na minha vida — mur-
murou. — Vou ficar livre, solteira e sem me relacionar com
ninguém. Entenda isso de uma vez por todas.


Dulce não era supersticiosa, mas por um momento pensou ter ouvido a risada fina e cacarejada de seu tio. Ela arregaçou as mangas e se pôs a trabalhar.



 



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Autor(a): dullinylarebeldevondy

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 400



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  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:45:00

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:58

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:56

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:09

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:44

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:39

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:53

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:47

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:36

    lindo!!!

  • natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:30

    lindo!!!


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