Fanfic: »•●♥ Querer e Poder ♥●•« (DyC) [Terminada]
Capítulo 4
Depois de fazer um longo e tedioso levantamento e descobrir que nada havia desaparecido, Dulce vetou a idéia de Christopher de chamar a polícia. Se algo tivesse sido roubado, ela pensou que chamar a polícia era uma questão lógica. Como nada desaparecera, Dulce concluiu que a polícia ficaria remexendo em tudo e a provocaria com uma lição sobre a falta de trancas e cadeados. Se o vândalo era alguém da família — e Dulce era obrigada a concordar com Christopher quanto a isso — uma investigação oficial, escandalosa, seria dar ao arrombamento importância demais e também muita publicidade.
Sim, a imprensa teria um dia cheio. Dulce até já imaginava as manchetes. "Família contra família na batalha pelo testamento de um velho excêntrico. " Por trás da sua natureza independente e cheia de energia havia um lado reservado que achava que assuntos de família eram assuntos privados.
Se um ou mais membros da família estavam de olho na mansão Revertti de Martim, e no que acontecia lá, Dulce queria que aquela ou aquelas pessoas pensassem que ela ignorara o ataque, corno se tivesse sido algo insignificante, trivial. Em matéria de orgulho, Dulce não queria que ninguém pensasse que ela tivera de lidar com um duro golpe. Em matéria de praticidade Dulce não queria que ninguém soubesse que agora ela estava com os olhos bem abertos. Estava determinada a descobrir quem arrombara sua oficina e como a pessoa conseguira fazer aquilo no momento certo.
Christopher não insistira em chamar a polícia porque pensava como Dulce. Por meio de várias manobras e silêncios, ele conseguira manter sua carreira totalmente separada dos assuntos de família. Na televisão, ele era conhecido como Christopher Uckermann, escritor premiado, e não Christopher Uckermann, parente de Martim Saviñon, multimilionário. E ele queria manter as coisas assim.
Por teimosia, eles se recusaram a contar ao outro suas razões ou planos para uma espécie de investigação particular. Não era uma questão de confiança, e sim porque nenhum dos dois achava que o outro fosse capaz de fazer o trabalho com competência. Por isso, eles preferiram conversar calmamente sobre os pratos de quatro estrelas de Glaucia e deixar o caso do vandalismo cair no esquecimento. Mais importante, eles evitaram cuidadosamente qualquer referência ao que acontecera num nível mais pessoal na oficina de Dulce.
Depois de duas taças de vinho e uma generosa porção de guisado de frango, Dulce se sentia mais otimista. Teria sido muito pior se qualquer item de seu estoque ou qualquer ferramenta tivesse sido roubada. Isso exigiria uma viagem a Manhattan e dias, talvez semanas, de atraso. Da forma como acontecera, o pior crime era o fato de estar sendo espionada. Obviamente, esta era a única explicação para a coincidência de o arrombamento ter acontecido enquanto ela estava na cidade. O caso da espionagem teria prioridade na sua lista.
— Eu me pergunto — começou Dulce, investigando sutilmente — se os Saunderson estão em casa para passar o inverno.
— Os vizinhos com o lago. — Christopher também pensara na casa dos Saunderson. Havia alguns pontos na propriedade dos
quais, com um bom binóculo, era possível ver o que se passava na mansão Revertti facilmente. — Eles passam muito tempo na Europa, não é?
— Hummm. — Dulce brincava com o frango. — O ramo
dele é a hotelaria, sabia? Eles se mudam de um lado para o outro, às vezes por semanas.
— Alguma vez eles alugaram a propriedade?
— Ah, não que eu saiba. Tenho a impressão de que mantêm uma equipe reduzida lá, mesmo quando estão viajando. Agora que estou pensando nisso, eles estavam em casa há apenas algumas semanas. — A lembrança fez com que ela risse. — Tio Martim e eu fomos pescar e Saunderson quase nos pegou. Se não tivéssemos nos escondido na cabana... — Dulce se interrompeu, como se um pensamento estivesse se formando.
— Cabana. — Christopher continuou de onde ela parara. — Aquela velha ruína com dois quartos que Martim usava como toca de caça durante sua fase de comer só coisas da natureza? Eu havia me esquecido dela.
Dulce deu de ombros, como se aquilo não tivesse qualquer significado, enquanto sua mente se agitava.
— Ele acabou comendo mais feijão do que carne de caça. De qualquer modo, nós pescamos um monte de trutas, comemos como porcos e mandamos o restante para os Saunderson. Ele nem nos mandou um bilhete agradecendo.
— Que falta de educação.
— Bem, ouvi dizer que a avó dele era uma garçonete em Chelsea. Mais vinho?
— Não, obrigado. — Christopher pensava que era melhor manter-se sóbrio se queria levar adiante os planos que estavam apenas começando a ganhar forma. — Sirva-se à vontade.
Dulce largou a garrafa, sorrindo docemente para Christopher.
— Não, estou bem. Só mesmo um pouco cansada.
— Você tem todo o direito de estar. — Se conseguisse mandá-la para a cama mais cedo, ficaria com o caminho completamente livre. — O que você precisa é de uma boa noite de sono.
— Estou certa disso, você tem razão.
Ambos estavam ocupados demais com seus movimentos para perceber o quanto excessivamente educada aquela conversa se tornara.
— Vou dispensar o café hoje e tomar um banho. — Dulce fingiu um pequeno bocejo. — E você? Planejando trabalhar até tarde?
— Não, não. Acho que vou começar novamente, mais disposto só amanhã de manhã.
— Está certo. — Dulce se levantou, ainda sorrindo. Ela calculou que esperaria uma hora, então estaria livre para sair. — Vou subir. Boa noite, Christopher.
— Boa noite.
Quando a luz no quarto dela se apagasse, pensou Christopher, ele também sairia.
Dulce se sentou em seu quarto escuro por exatamente 15 minutos, apenas escutando. Tudo o que ela tinha de fazer era sair da casa sem deixar rastro. O resto seria fácil. Abrindo a porta com um rangido, ela prendeu a respiração, esperou e ficou escutando um pouco mais. Nenhum barulho. Era agora ou nunca, disse para si mesma, escondendo-se com o casaco. Nos bolsos, Dulce colocara uma lanterna, duas caixas de fósforos e uma pequena lata de spray fixador de cabelo. Coisas tão boas quanto um cacetete, pensou Dulce, se você está entrando em território hostil. Ela se arrastou até o corredor e começou a descer as escadas bem devagar, com as costas na parede.
Uma aventura, pensou, sentindo um familiar instinto de ex-citação e ansiedade. Dulce não se sentia assim desde a morte de tio Martim. Assim que saiu por uma das portas laterais, pensou no quanto seu tio teria gostado de uma aventura daquela. A lua estava quase totalmente minguante, mas o céu estava cheio de estrelas. As poucas nuvens não eram mais do que uma névoa transparente. E o ar — Dulce respirou fundo — estava frio e revigorante. Olhou rapidamente para o lado, para a janela de Christopher, e entrou na floresta.
A luz das estrelas não ajudava. Embora as árvores fossem baixas, as copas eram bastante densas para bloquear grandes porções do céu. Dulce tirou sua lanterna e, apontando-a de um lado para o outro, encontrou indícios de uma trilha. Ela não tinha pressa. Se corresse, a aventura acabaria logo. Dulce andava devagar, ouvindo e imaginando.
Havia sons — a brisa soprando através das pinhas e espalhando as folhas secas. Aqui e ali havia ruídos na floresta, à direita ou à esquerda. Seria uma raposa, um guaxinim, um urso ainda não satisfeito com a idéia de hibernar? Dulce apreciava não saber ao certo de que se tratava. Se você anda pela floresta sozinha, no escuro, e não tem a capacidade de se maravilhar, então não vale tanto a pena.
Ela gostava dos cheiros — pinha, terra, os sinais no solo de que haveria geada antes do amanhecer. Dulce gostava de se sentir sozinha. E, mais, de ter algo logo à frente que exigisse sua atenção.
A trilha se bifurcou, e Dulce escolheu continuar à esquerda. A cabana não ficava muito longe. Ela parou uma vez, certa de que havia algo se movendo à frente, algo grande demais para ser uma simples raposa. Por um instante, Dulce teve alguns pensamentos incômodos sobre ursos e leões-da-montanha. Uma coisa era imaginar e outra era ter de lidar com um animal desses. Mas não era nada. Balançando a cabeça, Dulce continuou.
E se, quando chegasse à cabana, descobrisse que ela não estava deserta e inabitada? O que Dulce faria se encontrasse mesmo um de seus queridos e devotados parentes com todo um aparato montado? Tio Bustamante lendo o Wall Street Journal perto do fogo? Tia Ninel arrumando todas as coisas e cobrindo a mesa de madeira rústica com uma toalha? Pensar naquilo era quase cômico. Quase, até que Dulce se lembrasse de sua oficina.
Cerrando os olhos para ver melhor, ela seguiu em frente. Se alguém estivesse lá, iria se ver com ela. Em pouco tempo, a cabana apareceu diante de Dulce. Ela parecia exatamente como deveria: desolada, deserta, erma. Dulce manteve a lanterna abaixada enquanto andava lentamente para a varanda. Então ela quase deixou escapar um grito quando seu próprio peso fez com que a madeira da escada rangesse alto. Dulce pôs uma das mãos no coração até que não sentisse mais, como se ele fosse sair pela boca. Então, devagar, com calma e furtivamente, Dulce tocou na maçaneta e a girou.
A porta abriu com um gemido. Estremecendo ao ouvir o barulho, Dulce contou até dez antes de dar o próximo passo. Dando uma olhada rapidamente com a lanterna, ela entrou.
Quando um braço enroscou em seu pescoço, deixou a lanterna cair com um barulho alto. A lanterna rolou pelo chão, iluminando aleatoriamente as paredes de madeira e a lareira de tijolos. Mesmo que tivesse forças para gritar, Dulce procurou pelo spray de fixador de cabelo no bolso. Conseguindo virar-se rapidamente, ela ficou cara a cara com Christopher. O pulso dele estava a poucos centímetros do rosto dela, o spray a poucos centímetros do rosto dele. Eles ficaram onde estavam.
— Droga! — Christopher abaixou o braço. — O que você está fazendo aqui?
— O que você está fazendo aqui? — ela retrucou. — E o que você pretende me segurando desse jeito? Você deve ter quebrado minha lanterna.
— Eu quase quebrei foi seu nariz.
Dulce ajeitou os cabelos para trás com um movimento de cabeça e deu alguns passos a fim de recuperar a lanterna. Ela não queria que Christopher visse que suas mãos tremiam.
— Bem, acho que você deveria identificar a pessoa antes de aplicar uma chave-de-braço nela.
— Você me seguiu.
Ela o olhou com calma, divertindo-se. Ser capaz de fazer isso era muito útil, já que sua barriga ainda estava tremendo.
— Não fique se gabando. Eu simplesmente queria ver se algo estava acontecendo aqui, e não queria que você interferisse.
— Interferir. — Christopher apontou a luz da sua lanterna diretamente para o rosto de Dulce. Em autodefesa, ela teve de proteger-se com a mão. — E o que você faria se alguma coisa realmente estivesse acontecendo aqui? Dominá-los?
Dulce pensou como Christopher facilmente a pegava de surpresa. Isso só serviu para que ela arrebitasse ainda mais o nariz. — Eu posso cuidar de mim mesma.
— Claro. — Christopher olhava para a lata que ela ainda segurava.
— O que você tem aí?
Esquecida, Dulce olhou para baixo, então precisou conter uma gargalhada. Ah, como tio Martim teria gostado do absurdo daquela situação.
— Fixador de cabelo — disse, muito séria. — Bem no meio dos olhos.
Christopher praguejou, e então riu. Ele próprio teria sido incapaz de escrever uma cena tão improvável.
— Acho que deveria ficar feliz por você não ter atirado isso em mim.
— Eu olho antes de atacar. — Dulce guardou o fixador novamente no bolso. — Bem, já que você está aqui, nós podemos dar uma olhada.
— Eu estava fazendo exatamente isso quando ouvi você se aproximar como um gato.
Dulce torceu o nariz para ele, mas Christopher a ignorou.
— Parece que alguém estava tentando se sentir em casa.
Para provar o que dizia, ele iluminou a lareira. Tocos de lenha
recém-queimados estavam ainda em brasa.
— Bem, bem.
Com sua própria lanterna, Dulce começou a vasculhar a cabana. Da última vez que estivera ali, a cadeira com a perna quebrada estava próxima da janela. O próprio Martim se sentara nela, mantendo um olho em Saunderson enquanto Dulce abria uma lata de sardinha para saciar a fome. Agora a cadeira fora empurrada para perto do fogo.
— Um vagabundo, talvez.
Observando-a, Christopher concordou.
— Talvez.
— Mas improvável. Acha que eles voltarão?
— É difícil dizer.
Uma investigação superficial não revelava nada fora do lugar A cabana estava arrumada e limpa. Limpa demais. O chão e a mesa deveriam ter uma camada de poeira. Tudo fora limpo.
— Pode ser que eles já fizeram todo o estrago que pretendiam.
Descontente, Dulce deixou-se cair no beliche, segurando a cabeça com as mãos.
— Eu esperava pegá-los.
— E fazer o quê? Matá-los com um spray que não prejudica
a camada de ozônio?
Dulce olhou para Christopher.
— Tenho certeza de que você tinha um plano melhor.
— Acho que poderia deixá-los um pouco mais incomodados.
— Com vendas nos olhos e narizes quebrados. — Dulce fez um som de impaciência. — Sério, Christopher, você deveria tentar separar sua cabeça dos seus punhos.
— Suponho que você apenas quisesse conversar tranqüilamente com qualquer membro da sua família tão unida que brincou de pegar-e-destruir sua oficina.
Dulce estava prestes a responder com rispidez, mas se deteve e sorriu. Era um sorriso pequeno, malvado, do tipo que Christopher nunca conseguia deixar de admirar.
— Não — ela admitiu. — Ser razoável não faz parte das minhas prioridades. De qualquer modo, parece que perdemos nossa chance de brigar. Bem, é você que escreve as histórias de detetive, por assim dizer, nós não deveríamos procurar pistas?
Seus lábios se torceram numa espécie de gozação.
— Acho que não trouxe minha lente de aumento.
— Você consegue ser engraçado quando se esforça para isso — Levantando-se, Dulce começou a investigar com a lanterna
— Eles podem ter deixado cair alguma coisa.
— Um crachá com o nome?
— Alguma coisa — murmurou Dulce, ajoelhando-se para procurar embaixo do beliche. — Aha! — Sentada no chão, ela pegou algo.
— O que é isso? — Christopher estava ao lado dela antes que Dulce pudesse se levantar.
— Um sapato. — Sentindo-se boba, Dulce segurou o sapato com as duas mãos. — Não é nada. Era de tio Martim.
Parecia perdida e mais vulnerável do que Christopher esperava. Por isso, ele ofereceu o único consolo que podia.
— Eu também sinto falta dele.
Dulce sentou-se por um momento, com o tênis esfarrapado no colo.
— Sabe, às vezes é como se eu quase pudesse senti-lo. Como se ele estivesse perto, ali no canto do outro quarto, esperando para aparecer e rir da incrível peça que nos pregou.
Com um riso curto, Christopher deslizou a mão pelas costas de Dulce.
— Entendo o que você quer dizer. —Tensa, ela olhou para ele, avaliando-o.
— Talvez você entenda— murmurou Dulce. Rapidamente, ela deixou o tênis sobre o beliche e se levantou. — Vou dar uma olhada no armário.
— Me avise se encontrar alguns biscoitos. — Com um meneio de ombros, Christopher percebeu que Dulce o olhava. — Quando se está deixando de fumar, logo no começo, você precisa manter a boca ocupada de alguma maneira.
— Você deveria tentar mascar chicletes.
Dulce abriu o armário e, usando a lanterna, iluminou potes e latas. Havia manteiga de amendoim, chocolate e caviar russo. Dois dos aperitivos preferidos de Martim. Ela passou pelo molho Para tacos e um coquetel de frutas tamanho família, lembrando-se que seu tio de 93 anos tinha o apetite de um adolescente. Então, estendendo a mão, puxou uma lata e a segurou ainda no alto.
— Ahá!
— De novo?
— Atum — informou Dulce, mostrando a lata para Christopher — É uma lata de atum.
— Com certeza. Tem maionese para comermos com o atum?
— Não seja estúpido, Christopher. Tio Martim odiava atum.
Christopher ia fazer um comentário sarcástico, mas se deteve.
— Ele odiava, é mesmo — disse, calmamente. — E ele nunca deixava por perto coisas que não gostava.
— Exatamente.
— Parabéns, Sherlock. Agora, qual dos nossos suspeitos tem uma predileção por atum enlatado?
— Você está apenas com inveja porque eu achei uma pista e você não.
— É apenas uma pista — disse Christopher, um pouco irritado por ter sido superado por uma amadora. — Se você puder fazer alguma coisa com ela...
Christopher jamais lhe dava crédito, pensou Dulce, por nada: nem por sua arte, nem por sua inteligência, muito menos por sua feminilidade. Quando falou novamente, havia rispidez na voz de Dulce.
— Se você está tão pessimista, por que veio até aqui?
— Eu esperava encontrar alguém. — Cansado, Christopher direcionava sua lanterna de uma parede a outra. — Tudo o que conseguimos foi provar que alguém esteve aqui e foi embora.
Desapontada, Dulce deixou cair a lata de atum.
— Perda de tempo.
— Você não deveria ter me seguido.
— Eu não o segui. — Ela o iluminou com a lanterna. Christopher parecia másculo, perigoso demais na sombra. Por um momento, Dulce desejou ter aquele corpo espetacular com estilo fascinante, capaz até de deixá-la de joelhos a seus pés. O ar que expiravam se fundiu numa névoa de vapor. — Até onde eu sei, foi você quem me seguiu.
— Ah, claro. Por isso cheguei aqui primeiro.
— Isso não vem ao caso. Se você planejou vir aqui hoje à noite, por que não me disse?
Christopher se aproximou: Porém descobriu que uma aproximação de Dulce o faria começar a sentir algo, como uma coceira pela pele. Se tentasse se livrar disso, lembrou-se, ficaria em carne viva em poucos segundos.
— Do mesmo jeito que você não me disse. Eu não confio em você, prima. E você não confia em mim.
— Pelo menos concordamos em alguma coisa.
Dulce fez menção de esbarrar nele quando seu braço foi capturado. Com um movimento frio, ela tombou a cabeça a fim de ver as mãos de Christopher, depois olhou novamente para o rosto dele.
— Esse é um vício que você deveria abandonar, Christopher.
— Dizem que quando você larga um vício, adquire outro.
A frieza na voz de Dulce não se alterava, mas seu sangue estava mais quente.
— Mesmo?
— Você se deixa tocar mais facilmente do que eu pensava, Dulce.
— Não tenha tanta certeza disso, Christopher. — Ela deu um passo para trás, mas sem recuar, disse para si mesma. Era um movimento puramente ofensivo. Até por que foi Christopher que a moveu.
— Algumas mulheres têm problemas em lidar com a atração física.
A raiva acesa nos olhos de Dulce o atraiu tanto quanto a paixão que Christopher vira brevemente naquela tarde.
— Seu ego está dando as caras novamente. Esse comportamento dominador deve fazer efeito com suas modelos de revista, mas...
— Você sempre se sentiu estranhamente fascinada com minha vida sexual. — Christopher sorriu para ela, feliz por ver a frustração estampada no rosto de Dulce.
— É o mesmo tipo de fascinação cultural que qualquer pessoa sente em relação à vida sexual dos mamíferos inferiores. — Ela estava com tanta raiva que seu coração batia acelerado. E não por ódio. Dulce era honesta demais para fingir ódio. Ela foi até a cabana à procura de aventura. E acabou encontrando
— Está ficando tarde — ela disse, usando o tom de voz de uma professora de escola dominical falando a um estudante levado.
— Se você me der licença...
— Eu nunca perguntei sobre sua vida sexual.
Quando Dulce deu mais um passo para se afastar, Christopher a cercou num canto da cabana. A mão dela deslizou até o bolso e tocou no spray fixador de cabelo.
— Deixe-me adivinhar. Você prefere um homem com uma
fileira de abreviaturas antes do nome, daqueles que filosofam
sobre o sexo mais do que fazem.
— Por que você é tão pretensioso, arrogante...
Christopher fez com que Dulce se calasse do jeito que já imaginara uma vez. Do seu modo.
Dessa vez, o beijo não foi vacilante, e sim tórrido, quente, à beira do desespero. No que poderia estar sentindo, Dulce pensaria nisso mais tarde. Agora, ela aceitara aquela experiência. A boca de Christopher era quente, firme, e ele a usava com a mesma confiança máscula e arrogante que em qualquer outro momento a teria deixado furiosa. Agora, aquela confiança combinava com a da própria Dulce.
Christopher era forte, insistente. Pela primeira vez Dulce se percebeu corpo a corpo com um homem que não a trataria com delicadeza. Ele exigia, ansiava e a alimentava com um contato físico completamente desinibido. Dulce não precisou pensar no que fazer durante o beijo; não precisou pensar em nada.
Christopher esperava que Dulce lhe desse um coice para se livrar dele. A reação imediata e plena dela o deixou inseguro. Mais tarde Christopher diria que jamais algo tão simples e básico como um beijo o fizera perder a cabeça em anos.
Dulce se preparou para atacá-lo, mas fez isso com palavras doces. Se ela soubesse como era capaz de rapidamente nocauteá-lo, se sentiria feliz por isso? Christopher não pensaria nisso agora. Ele não pensaria em nada naquele momento. Sem a menor hesitação, Christopher se entregou a Dulce e deixou que a emoção ditasse as regras.
A cabana era fria e escura, sem nenhum raio de luar para criar um clima romântico. Tinha cheiro de fumaça velha e poeira. O vento aumentara o suficiente para uivar tristemente pela janela. Nenhum dos dois percebeu. Mesmo quando se separaram, nenhum deles percebeu nada.
Christopher não estava normal. Precisaria pensar naquele mais tarde. Pelo menos teve a satisfação de ver que Dulce também não estava no seu normal. Ela parecia estar desequilibrada, atordoada, incapaz de se recompor para o próximo golpe. Precisando de um pouco de equilíbrio? Christopher sorriu para ela.
— O que você estava dizendo?
Dulce desejou dar um soco nele. Quis beijá-lo novamente, até que Christopher não tivesse forças para rir. Ele esperava que Dulce caísse a seus pés como outras mulheres provavelmente já haviam feito. Christopher esperava que ela suspirasse e, sorrindo, se rendesse, de modo que ele fosse vitorioso mais uma vez. Em vez de fazer isso, Dulce o atacou.
— Idiota.
— Eu adoro quando você é tão sucinta.
— Regra número 6 — disse Dulce, mirando-o com um olhar mortal. — Sem contato físico.
— Sem contato físico — concordou Christopher, enquanto ela saía em disparada pela porta. — A não ser que ambas as partes sintam prazer com isso.
Dulce bateu a porta e o deixou rindo sozinho.
Quando duas pessoas estão completamente envolvidas com seus próprios projetos, elas são capazes de viver sob o mesmo teto por dias e raramente se verem. Especialmente se o teto em questão for enorme e as pessoas teimosas demais. Dulce e Christopher se encontravam durante as refeições mas, fora isso, se ignoravam. Não faziam isso por educação ou algum respeito mútuo. Apenas Porque estavam ocupados demais para se importunarem.
Separadamente, Christopher e Dulce se sentiram satisfeitos quando o primeiro mês foi superado. Um a menos. Agora só faltavam cinco.
Ao entrarem no segundo mês de convivência, Christopher viajou até Nova York para resolver um problema com um roteiro pessoalmente. Ele saiu de mau humor como um urso e resmungando algo sobre os imbecis. Dulce se preparou para se divertir imensamente na ausência dele. Ela não teria de manter-se na defensiva ou dividir a mansão Revertti durante horas. Ela podia fazer o que quisesse sem se preocupar com alguém bisbilhotando ou fazendo um comentário ácido. Seria maravilhoso.
Dulce apenas beliscou o jantar e então ficou procurando o carro de Christopher meio escondida atrás da cortina de grossos brocados. Não porque sentia falta dele, garantiu a si mesma. Era só porque se acostumara a ter alguém na casa.
Não era justamente por causa disso que ela jamais morara com uma pessoa antes? Dulce queria evitar qualquer sentimento de dependência. E dependência, pensava, era natural quando você compartilha o mesmo espaço — mesmo quando se trata de uma serpente com duas pernas.
Por isso Dulce esperou e olhou. Muito depois de Pascoal e Glaucia terem ido para a cama, ela continuou a esperar e a olhar. Dulce não estava preocupada, e certamente não estava se sentindo sozinha. Apenas impaciente. Ela disse a si mesma que não ia para a cama porque não estava cansada. Descendo até o andar de baixo, Dulce entrou no gabinete de trabalho de tio Martim, que deveria ser chamado de sala de jogos, um nome mais apropriado. A decoração era uma mistura de fliperama com discoteca, com acessórios da época e sofás baixos e inclinados.
Dulce ligou a gigantesca televisão de 54 polegadas e deixou no primeiro programa que apareceu na tela. Ela não iria assistir aquilo. Dulce queria apenas companhia.
Havia duas máquinas de pinball nas quais ela passou quase uma hora tentando quebrar os recordes de tio Martim. Outro de
seus legados. Então, havia outra máquina de fliperama que simulava um ataque ao planeta Zarbo. Sob o desleixado sistema de defesa de Dulce, o planeta explodiu três vezes antes que ela mudasse para o próximo brinquedo. Havia um jogo de xadrez computadorizado, mas Dulce achava que sua mente estava dispersiva demais para aquilo. Por fim, ela se deixou cair num sofá de quase 2 metros de comprimento, na frente da televisão. Apenas para descansar, não para assistir.
Em pouco tempo, assistia vidrada uma série policial da madrugada. Pneus cantando e rajadas de balas. Abraçada ao travesseiro e com uma perna largada na parte de cima do sofá, Dulce relaxou e se permitiu um pouco de diversão.
Quando Christopher surgiu na porta, ela não sentiu sua presença. Ele tivera um dia difícil e enfrentara um tráfego horrível no caminho de volta à mansão. A verdade é que Christopher cogitara passar a noite na cidade — a coisa mais sensata a se fazer. Mas ele se percebeu inventando dezenas de desculpas tolas sobre por que precisava voltar em vez de aceitar o convite da assistente de produção — uma morena de corpo perfeito e com grandes olhos castanhos.
A intenção de Christopher era subir as escadas, cair na cama e dormir até o meio-dia, mas ele vira as luzes e ouvira o barulho. Agora, ali estava Dulce, autoproclamada inimiga da televisão, esparramada no sofá assistindo reprises à 1 h!. Ela parecia desconfiada, ainda que estivesse se divertindo.
Não era um programa ruim, pensou Christopher, quando reconheceu a série. Na verdade, ele já escrevera alguns roteiros para aquela série, no começo. O personagem principal era tão malandro quanto sabichão e desastrado, e fazia com que o criminoso lhe desse informações suficientes para prendê-lo antes que o episódio terminasse.
Christopher ficou observando Dulce enquanto esta se ajeitava confortavelmente no sofá. Ele esperou até o intervalo comercial.
— Bem, a que ponto chegou a todo-poderosa.
Virando-se rapidamente para olhar para a porta, Dulce quase caiu. Ela se sentou, olhou-o com raiva e procurou uma desculpa plausível.
— Não estava conseguindo dormir — disse, e era verdade. Dulce não diria que não estava conseguindo dormir porque Christopher
não estava em casa. — Acho que a televisão é feita para pessoas
que sofrem de insônia. Uma espécie de Valium para a mente.
Christopher estava cansado demais, mas percebeu como estava feliz pela resposta mordaz de Dulce. Ele se aproximou, sentou-se ao lado dela e pôs os pés sobre a mesa de centro feita a partir de um grosso toco de madeira.
— Quem fez esta coisa? — perguntou, suspirando. Era bom estar em casa.
— O ganancioso sócio na empresa. — Dulce estava feliz demais por tê-lo em casa, incapaz de sentir vergonha. — Não há muito desafio em desvendar este mistério.
— O programa não se baseia na idéia de descobrir quem cometeu o crime, mas como o herói manipulava dados para fazer com que os criminosos se traíam.
Dulce fingiu não estar interessada, mas se ajeitou para poder ver a televisão.
— Então, como foram as coisas em Nova York?
— Normal. — Christopher tirou o pé de um sapato com a ajuda do outro pé. — Depois de muitas horas de reclamações e de pôr a culpa nos atores, o roteiro não foi modificado.
Christopher parecia cansado. Cansado mesmo, percebeu Dulce, e sem energia para tirar o outro sapato. Ele apenas deixou escapar um resmungo de gratidão.
— Não entendo por que as pessoas se estressam tanto por causa de um episódio de uma hora por semana — disse Dulce.
Ele abriu um olho e a encarou.
— É assim que as coisas são feitas nos Estados Unidos.
— O que há de tão excitante nisso? Você tem um crime, os mocinhos perseguem os bandidos e os prendem antes dos créditos finais. Parece muito simples.
— Não tenho como agradecer por me esclarecer tanto. Vou
argumentar desse modo na próxima reunião da produção.
— Sério, Christopher, para mim parece que as coisas deveriam ser
mais tranqüilas, sobretudo porque a série está no ar há anos.
— Conhece uma coisa chamada ego e paranóia? Dulce riu.
— Já ouvi falar.
— Bem, multiplique isso pelo temperamento artístico, os índices de audiência e um orçamento que não pára de crescer. Não se esqueça de acrescentar uma boa dose de executivos de televisão. Há quatro anos que as coisas não são nada tranqüilas.
E se Logan for exibida por mais quatro anos, ainda assim as coisas
não serão tranqüilas. Este é o mundo do entretenimento.
Ela deu de ombros.
— Parece um jeito estúpido de ganhar a vida.
— Não é mesmo — concordou Christopher, caindo no sono.
Pelos vinte minutos seguintes, Dulce deixou que ele cochilasse enquanto assistia ao policial malandro e desengonçado apertar o cerco aos sócios gananciosos. Satisfeita por ter sido feita a justiça, ela se levantou para desligar o aparelho e diminuir
Ao observá-lo dormir, Dulce pensou em deixá-lo ali. Christopher parecia bem à vontade naquele momento. Era o que ela achava, depois de se aproximar para tirar os cabelos que caíam sobre a testa dele. Mas Christopher provavelmente acordaria com um torcicolo e indisposto. Melhor levá-lo para a cama no andar de cima, concluiu, sacudindo seu ombro.
— Christopher.
— Anh?
— Vamos para a cama.
— Achei que você nunca pediria — ele murmurou, procurando por ela desesperadamente.
Divertindo-se, Dulce o sacudiu com mais força.
— Nunca prometa o que não pode cumprir. Vamos, primo.
Vou ajudá-lo a chegar lá em cima.
— O diretor é um idiota metido à besta — resmungou Christopher quando Dulce o pôs de pé.
— Claro que ele é. Agora veja se consegue pôr um pé depois do outro. É assim que se faz. Aqui vamos nós.
Com um braço ao redor da cintura dele, Dulce começou a guiá-lo para fora da sala.
— Ele continua estragando todo o meu roteiro.
— Que ousadia. Aqui estão os degraus.
— Ele disse que queria mais impacto emocional na segunda parte. Vá perturbar outro — murmurou Christopher, enquanto Dulce o empurrava para cima a cada degrau. — Como se ele soubesse muito sobre impacto emocional.
— Ele é, obviamente, um anão intelectual. — Sem fôlego, Dulce o conduziu até o quarto. Christopher era mais pesado do que ela pensava. — Aqui estamos nós, em casa novamente. — Com um pouco de estratégia e força de vontade, ela o empurrou para a cama. — Pronto. Está confortável? — Deixando-o totalmente vestido, Dulce jogou uma manta sobre ele.
— Você não vai tirar minhas calça? — Ela deu um tapinha na cabeça dele.
— Sem chance.
— Sua estraga-prazeres.
— Se eu o ajudasse a se despir a esta hora da madrugada, provavelmente teria pesadelo.
— Você sabe que é louca por mim. — A cama era um paraíso. Christopher era capaz de se esconder nela por uma semana.
— Você está tendo alucinações, Christopher. Vou pedir que Pascoal lhe traga um chá quente com mel pela manhã.
— Não, se você quiser continuar viva. — Ele conseguiu abrir os olhos e sorriu para Dulce. — Por que você não se deita ao meu lado? Com um pouco de estímulo eu poderia lhe dar a melhor hora da sua vida.
Dulce se inclinou um pouco mais, até que sua boca estivesse a centímetros da dele. O ar que respiravam se misturou rápida mente, intimamente. Ela prolongou aquele momento até que seus cabelos caíssem para a frente, afagando o rosto de Christopher.
— Aos olhos de um porco.
Ele deu de ombros, bocejou e se virou para o lado.
— Tudo bem.
No escuro, Dulce ficou em pé por um momento, com a mão sobre os lábios. Pelo menos ele podia fingir que se sentia ofendido. Com o nariz arrebitado, ela saiu do quarto — garantindo que batera a porta.
Autor(a): dullinylarebeldevondy
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 400
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:45:00
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:58
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:56
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:44:09
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:44
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:43:39
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:53
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:47
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:36
lindo!!!
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natyvondy Postado em 29/10/2009 - 21:42:30
lindo!!!