Fanfic: Amor e ódio | Tema: Fátima Bernardes e William Bonner

(OBS: Inverti o aniversário do William com o dos trigêmeos para facilitar o andamento da história.)

                O dia amanheceu e logo o despertador de William ecoou por todo o quarto. Ele custou a acreditar que já precisava levantar da cama. Era um domingo. Ele imediatamente desligou o alarme e afundou o rosto no travesseiro. Era seu aniversário. Tinha bebido uma quantidade excessiva de vinho na noite anterior. Não costumava beber sozinho, muito menos em casa, mas aquela noite foi especialmente melancólica para ele. As vésperas de seu aniversário eram sempre datas muito comemorativas, em que programavam algum jantar ou viagem em comemoração. Naquela noite, os filhos estavam com Fátima e ele não cogitou a hipótese de estar com eles. Preferiu ficar sozinho com seus pensamentos e sentimentos. Abriu uma garrafa de um legítimo Cabernet Sauvignon, que ele guardava pra uma data especial. Não tinha perspectiva de comemoração alguma, não enquanto estivesse sozinho naquele apartamento imenso. Sem ela. Decidiu tomá-la naquela noite mesmo, sem taça. Deitou o gargalo na boca e fechou os olhos ao dar longos goles na bebida. Ligou a TV e assistiu um jogo de beisebol noite adentro, com as luzes apagadas. Sabia que no domingo de manhã acordaria ressacado e se arrependeria da bebedeira. Principalmente porque era terrível amargar uma dor de cabeça no dia de seu aniversário. E o que ele preveu acabou acontecendo mesmo, seu corpo amanheceu no domingo pesando uma tonelada. Tentou dormir o máximo que pôde, até pouco antes de onze da manhã. Almoçaria com os filhos naquele dia. Era isso que o moveu a levantar-se da cama, tomar uma chuveirada e se vestir pra sair. Dirigiu até o condomínio, com a cabeça explodindo. Uma garrafa d’água aliviava a enxaqueca e o desejo de ver os filhos o deixava um pouco mais animado. Estacionou na porta de casa e deu duas cutucadas na buzina. Em mais de dois meses separado de Fátima buscando os filhos quase diariamente, eles já estavam acostumados a identificar a buzina de seu carro quando ele chegava. Aguardou pacientemente que as crianças saíssem o portão. Ver seus rostinhos revigorou William, de forma que o ânimo aumentou um pouco mais para aquele almoço de domingo. Ganhar um coro de “feliz aniversário, papai!” seguido de um abraço de cada um dos três foi impagável. Todos trouxeram presentes, obviamente comprados por Fátima. Por algum motivo, William sentiu que havia um pouco dela naqueles embrulhos. Sorriu por dentro e por fora ao olhá-los. Arrancou com o carro e dirigiu até seu restaurante preferido, acompanhado pelos filhos.

***

                - Como foi o almoço? – Fátima questionava as crianças, enquanto elas mostravam brinquedinhos que ganharam de brinde lanchando no shopping.

                 - Foi bom! Comemos e depois o papai levou a gente pra brincar no parque. – contou um deles.

                - É? O aniversário é do papai e quem ganha presente são vocês? – Fátima disse, divertidamente.

                - É! Ele disse que o presente de aniversário dele era ver a gente feliz.

Fátima ficou com o semblante sério. Refletiu sobre o que ouviu da filha. William era realmente um pai maravilhoso, isso ela não podia negar. Sentiu subitamente uma vontade de tê-lo visto, nem que fosse de longe. Sem pensar, ela perguntou, tentando parecer natural para a filha.

                - O papai está bem? Ele... ele estava feliz? – ela ponderou. Se arrependeu de ter dito isso logo em seguida.

                - Mais ou menos. Ele disse que é terrível passar o aniversário sozinho. Vocês ainda vão ficar chateados um com o outro por muito tempo, mamãe?

Fátima engoliu seco. Doía pensar ou falar nesse assunto com os filhos. Ela respirou fundo.

                - Filha... não se preocupe com isso, tá bom? As coisas... irão se resolver. – ela sorriu, enquanto a filha concordava com a cabeça. – Vá pro banho. Já está na hora, né? – outra resposta afirmativa e Fátima ficou, finalmente, a sós com seus pensamentos. Subiu pra suíte enquanto as crianças estavam em seus quartos. Caminhou até a sacada e olhou pro jardim e pra piscina. Apoiou os cotovelos no parapeito de vidro e entrelaçou os dedos pelos cabelos. Começou a se lembrar do último aniversário de William, que passaram juntos na casa da Serra. Sacudiu a cabeça, interrompendo abruptamente aquela lembrança. Girou o corpo e voltou para o quarto. Contemplou o porta-retrato no aparador de vidro.

                Faziam quatro anos apenas. Parecia ter sido ontem. Ela esboçou um sorriso encarando a foto. Desviou o olhar depois de alguns segundos, fitando o próprio celular. Tocou-o de leve, hesitando em pegá-lo. Refletiu um pouco, mas pegou o aparelho e olhou pra tela. Eram 8 da noite. Lentamente, quase em câmera lenta, clicou na opção de “Escrever mensagem de texto”. Não estava bem certa se era isso que gostaria de fazer, mas algo dentro dela a empurrava a fazê-lo. Digitou rapidamente o torpedo e o número do telefone de William. Desviou o olhar, olhando novamente a foto do porta-retrato. Lembrou-se do presente de aniversário que ele deu a ela, a aliança antiga e a fotografia da lua-de-mel dos dois. Havia guardado ambos ao longo daquele longo mês que se passou, o segundo separada dele. Quando a saudade apertava, ela olhava a foto e o anel. Chorava em quase todas as vezes, mas nem todas. Alguns dias, ela sentia que estava mais forte e que esquecê-lo era apenas questão de tempo. Em outros, sonhava com William a noite e acordava procurando por ele na cama. A ausência do marido destruía seu coração e suas esperanças de que fosse conseguir viver bem sem ele novamente. Vê-lo todos os dias era uma rotina dolorosa, porém corriqueira. Fátima já estava acostumada. Continuava tentando manter tudo no mais absoluto segredo, com sucesso. Desabafava com a mãe, quase sempre. Naquele 21 de outubro, ela amanheceu pensando muito em William, mais do que de costume. Estremeceu ao ouvir a buzina do carro dele pela manhã, quando ele foi buscar as crianças pra almoçarem com ele no dia de seu aniversário. E naquele fim de noite, seus pensamentos extravasaram e ela acabou não resistindo. Abaixou a cabeça, olhou pela terceira vez para aquele telefone celular. Sentiu seu dedo deslizar até o botão direito do teclado. Apertou “Enviar”, jogou o telefone em cima da cama e caminhou pro banheiro, sem olhar pra trás.

***

                William passava a lâmina de baixo pra cima na lateral do maxilar. O rosto, todo lambuzado de espuma de barbear. Estava nu no banheiro do apartamento da Lagoa, com a porta fechada e o espelho parcialmente embaçado com a fumaça que o chuveiro quente provocava. Olhando seu próprio reflexo, ele sentia-se bem melhor da ressaca. Passou a tarde com os filhos no shopping, aquilo era relativamente revigorante. Atendeu dezenas de telefonemas, de família, amigos e conhecidos que ligaram para parabenizá-lo pelo aniversário. Estava um pouco exausto de receber felicitações, apesar de estar agradecido por todo aquele carinho que recebeu. Naquele momento em que fazia a barba, pensou nas crianças e sentiu saudade de quando eram menores e gostavam de passar o dedo na espuma que cobria o rosto dele. Aquela lembrança deu saudade dos domingos a noite em casa. Ao lado dela. Qualquer episódio da vida de William que ele se lembrava, ela sempre estava diretamente relacionada. Era impossível pensar em algo sem lembrar-se dela. Ele respirou fundo e se concentrou em terminar de se barbear pra sair daquele banheiro úmido e abafado. Ouviu um bipe no celular, que estava dentro do bolso da calça jeans, jogada em cima do cesto de roupas sujas. Raspou o último vestígio de espuma com a lâmina, inclinou-se pra frente e enxaguou o rosto. Conferiu se havia retirado todos os pêlos, deslizando as mãos pelas bochechas e pescoço. Girou o corpo e pegou o celular, se preparando para ler mais uma das várias mensagens que recebeu naquele dia. Levemente entediado, deu um clique pra destravar as teclas e estremeceu ao olhar para o visor.

De: Fátima (celular)

Feliz aniversário. Te desejo muita luz, saúde e paz. As crianças adoraram a tarde com você. Boa semana.

                William fechou os olhos e sorriu, tentando se certificar de que não estava sonhando. Era real. Ela tinha realmente mandado os parabéns a ele. Ele tentava conter a felicidade de ler aquelas palavras, mesmo sabendo que tinha sido um ato de cordialidade da parte de Fátima. Se sentiu patético por gastar minutos lendo e relendo uma dúzia de palavras amontoadas em apenas duas linhas de mensagem. Era uma bobagem, ele sabia, mas de todos os cumprimentos que ele havia recebido, aquele tinha sido o mais especial e inesperado. Ele se vestiu e se jogou de costas na cama, como um adolescente bobo. Fechou os olhos e, mesmo com as luzes acesas, deixou que o pensamento vagasse, com o coração explodindo de esperança de realizar aquela meta que ele tanto sonhava, que era tê-la de volta.