— Não estou tentando agir como um ditador insensível, mas não é uma boa ideia você ir pra lá agora.
— Mas pra Mia tudo bem?
— De certa forma, sim.
— De certa forma, mas não completamente?
— Completamente? Provavelmente não.
— Então está decidido. Eu vou também. — Anahí se vira para Caio. — Posso pegar uma carona com você?
Eu adoro Anahí , mas nesse momento eu gostaria de estrangulá-la.
— Não, não pode. Ele vai ficar aqui e fechar a boate enquanto nós levamos Miguel para a casa de Mia.
Anahí olha para Caio novamente e ele dá de ombros, dando um sorriso que diz que vai ficar fora disso.
— Você pode fazer o tal cara nos encontrar lá?
— Acho que sim. Ele me deve uma.
— Muito bem, então. — Eu me viro para Miguel . — Você precisa de ajuda pra chegar ao carro?
— Não, está tranquilo. — Ele fala casualmente, mas posso ver o suor brotar em sua testa quando ele tenta ficar sentado. Quando consegue, com muito esforço, ficar de pé, Anahí e Mia se posicionam uma de cada lado e o ajudam a atravessar a curta distância do quarto ao
carro, que está estacionado na garagem. Ao passar mancando por mim, vejo seus lábios se contorcerem.
O cretino está curtindo isso!
Poderia até ser engraçado se fosse outra pessoa, mas como se trata dele, não acho graça nenhuma. Não o quero colocando as mãos em Anahí . Aliás, eu não o quero perto dela. É algo irracional e provavelmente bastante relacionado a ciúmes, mas não me importo. É isso e pronto. Não muda a maneira como me sinto em relação ao assunto. Eu trinco os dentes até elas o sentarem no banco de trás do carro. Só está faltando ganhar das
duas garotas um beijinho na testa.
Minha vontade é de soltar um palavrão.
Mia estacionou na rua lateral, então fico esperando ela dar a partida para segui-la.
Ninguém no carro diz uma palavra durante todo o percurso até o apartamento. Quando chegamos, as duas garotas disputam entre si os mimos em torno de Miguel novamente, o que me
deixa com vontade de revirar os olhos, irritado. Mas eu me seguro. Não sou tão estúpido. Se fosse pego, isso só me faria parecer um idiota, o que, neste momento, eu sou. Pelo menos em relação a Miguel . Sei que ele está curtindo a situação. E provavelmente está adorando me tirar do sério ao se apoiar em Anahí .
Babaca.
— As chaves — digo, me dirigindo à Mia, quando passo por ela. Ela as entrega a mim e eu me apresso para abrir a porta. Após abri-la, paro durante um segundo para prestar atenção. Quando não ouço nada, acendo a luz e olho ao redor. Tudo está exatamente como há alguns dias
quando voltei para pegar as coisas de Anahí . Isso é um bom sinal.
Acho que eu poderia chutar algumas coisas para o lado, para abrir caminho para Miguel passar.
Mas então penso naquele sorriso presunçoso e decido que poderia servir-lhe de lição se ele caísse
de bunda.
Olho para a porta. Os três permanecem lá.
— E aí? — pergunto, para que eles entrem.
Vejo Miguel e Anahí darem um passo para a frente. Mia permanece imóvel. Anahí olha para ela.
— Você sabe que não tem que fazer isso. Você pode voltar para a casa do seu pai. Ou para a casa de Alfonso. Ninguém a culparia se você não quisesse voltar aqui nunca mais.
Tenho que dar o braço a torcer. Anahí percebeu a situação. Mia parece totalmente apavorada. Ela normalmente é pálida, mas, na luz fraca, parece quase morta. Ela olha rapidamente para o corredor e de volta para Anahí . Eu a ouço respirar com dificuldade. Admito, se for fingimento, Mia é boa nisso. Muito boa. Melhor do que eu julgava que fosse capaz.
— Não, eu preciso fazer isso. Não posso viver com medo pra sempre. Está na hora de superar isso, certo? — diz ela com um sorriso inseguro.
— Eu levo Miguel . Pode deixar comigo.
Mia respira fundo e balança a cabeça.
— Não, estou bem.
Talvez seja de família essa capacidade de transmitir fisicamente a ideia de dar a volta por cima, porque Mia está fazendo o que vi Anahí fazer algumas vezes. Está dando a volta por cima. Talvez ela tenha algo de Anahí em sua personalidade, o que a torna um ser humano quase decente, afinal de contas. Os três entram no apartamento. Ao chegarem na sala, tenho a impressão de que Miguel está
servindo mais de apoio a Mia do que ela a ele.
— Por aqui — diz ela, conduzindo-os na direção do seu quarto. — Ele pode ficar no meu quarto. Vou ficar no sofá.
Ninguém discute, muito menos eu. Isso não foi ideia minha. Eu é que não vou ficar no sofá. Meu lugar é com Anahí . Mia que fique sozinha. Quando as garotas começam a tirar o casaco e a camisa de Miguel , dou uma desculpa para sair
e esperar pelo amigo de Caio. Parece estúpido, mas fico furioso ao vê-la tirar a camisa de outro homem, mesmo que esse outro homem seja o meu irmão gêmeo. Para falar a verdade, isso é ainda pior. É como se ela estivesse fazendo aquilo comigo. Só que não está. Estou andando de um lado para o outro, em frente à porta aberta do apartamento, sentindo-me
extremamente irritado, no momento em que um sedã escuro, comum, para no meio-fio. Um homem baixo salta do carro, olha casualmente em torno, atira algum tipo de bolsa por cima do ombro e caminha lentamente até a calçada. Quando se aproxima, fico surpreso ao ver o quanto ele é jovem.
— Onde está o ferido? — pergunta ele em tom impassível. Jovem ou não, esse cara vai direto ao ponto.
— E você é...? — Ele pode achar que sou estúpido, mas estaria enganado.
— Delaney . Caio pediu que eu viesse.
— Você é um dos amigos dele?
— Trabalhei com ele em Honduras.
Eu já tinha ouvido Caio mencionar esse lugar algumas vezes. Ao que parece, ele era um dos... especialistas contratados para algum tipo de trabalho por lá. Foi tudo uma tortura. Só do pouco que ouvi falar, para os mercenários, a situação era como estar nas trincheiras durante a
guerra. Se esse cara estava com ele, posso ver como ambos devem ter ficado em dívida um com o outro.
— Por aqui — digo, conduzindo o homem ao quarto de Mia.
Todos ficamos em volta como espectadores curiosos enquanto ele cuida dos ferimentos de Miguel . Ele deve ter uma farmácia inteira e um puta kit de emergência naquela bolsa. Ele aplica
algumas injeções em Miguel e limpa seu ferimento com um tipo de solução que retira de um tubo. Enfia uma agulha contendo outra substância (a minha suposição seria lidocaína ou algo assim) no ferimento à faca de Miguel , depois abre a embalagem de um par de luvas estéreis e material de sutura, para dar os pontos. Quando termina, pousa um frasco de pílulas na mesinha de cabeceira, diz a Miguel para tomar uma drágea três vezes ao dia por duas semanas, então acena a cabeça e se levanta para sair. Eu o conduzo à porta, principalmente porque ainda não confio no cara. Ele para na saída, se vira para um breve aceno de cabeça e em seguida vai embora. É isso. Matadores — eles são uma raça diferente. Com certeza. Espero até que as garotas acabem de paparicar Miguel antes de dar qualquer sugestão.
— Bem, acho que está na hora de todos nós descansarmos um pouco.
— Mia, tem certeza de que não quer ficar na minha cama? Você passou por tanta...
Ela sorri para Anahí , obviamente sensibilizada por sua oferta.
— Não, acho que vou ficar com ele um pouco mais. Vocês podem ir.
— Tem certeza?
— Tenho. Aquele sofá é realmente confortável.
— É mesmo — concorda Anahí . Elas sorriem uma para outra, compartilhando, ao que parece, algum tipo de piada que só elas conhecem. Eu respeito Anahí ainda mais por sua capacidade de fazer as pazes prontamente com alguém que a tratou tão mal. Mas ela é assim. E
isso é parte do que a torna tão incrível.
— Muito bem, acho que vamos para a cama, então. Preciso de um banho e depois vou cair no sono.
— Boa noite — diz Mia, dando a volta pela cama para se instalar ao lado de Miguel . — Ei, Any?
Cacete! Estávamos quase livres, penso, no instante em que Anahí para perto da porta. Ela se vira para olhar para Mia. Mais uma vez, parece que até eu posso ver a diferença na prima dela. Talvez isso tenha sido exatamente o que ela precisava para acordar para a vida e virar uma pessoa melhor.
— Obrigada.
Elas compartilham outro olhar. E sorriem.
— É para isso que serve uma família.