Anahí
Talvez seja a TPM. Talvez seja somente o estresse de várias mudanças acontecendo muito rapidamente. Não tenho a menor ideia, mas sinto como se de repente minha vida estivesse se tornando um caos.E a maior parte desse caos envolve dois homens. Dois homens que, por razões totalmente distintas, estão me despedaçando. Dois homens que desejo. Dois homens que não posso ter. Dois homens que não saem da minha cabeça.Eu quero Alfonso – quero muito – em um nível puramente físico,embora ele seja lindo e encantador, o que só aumenta o nível de perigo. Mas quero Miguel tanto quanto, embora de um jeito diferente. Há um componente físico com certeza. Ele me desperta algo intenso. Mas é exatamente o tipo de homem que quero, que preciso na minha vida.Não creio que registrei na memória uma única palavra das três aulas de hoje. Ainda bem que eram matérias sem muita importância: estatística, sociologia e mecânica do corpo; é como se fosse a educação física da faculdade.Quando chego em casa, estou exausta. Mais emocional do que fisicamente, mas acaba parecendo a mesma coisa. Na tranquilidade da casa, sabendo que a terei todinha só para mim durante duas semanas (um fato que descobri acidentalmente, já que a Mia não fez nenhuma questão de me contar), decido deitar no sofá para tirar uma breve soneca.Acordo às quatro e meia, sem me sentir melhor. Somente lerda. De um modo geral, ainda estou me sentindo péssima, então passo a mão no telefone e ligo para Maite. Ouço sua mensagem de voz, que me informa que ela está com a mãe,escolhendo as flores para o casamento.A única outra amiga realmente chegada que tenho é Rachel, a bartender com quem trabalhei no Tad’s por alguns anos. Por sorte, ela está em casa.Depois de falarmos durante vários minutos, ela assume o estilo sem papas na língua, típico dela.
— Muito bem, pode se abrir. Tem alguma coisa errada.
— Não, não tem nada errado.
— Você é uma péssima mentirosa, odeio quando você tenta me enganar.
Dou uma risadinha.
— Não odeia nada — replico.
Então ela faz uma pausa.
— Tudo bem, não odeio. Mas a única maneira de se retratar é me dizer o que está te deixando
com tanto fogo nesse rabo.
Rache também tem o dom das palavras.
Suspiro.
— Acho que estou sentindo falta da minha casa e das minha amigas... Não sei. A vida está meio... complicada.
— Hã-hã. Isto está me parecendo falta de um cacete.
— Minha nossa,Rachel! Não é nada disso. Você acha que tudo tem a ver com sexo.
— E não tem?
Eu rio.
— Não. Não tem.
— Vai me dizer que não tem nada a ver com homem?
Faço uma pausa.
— Ah-há! Eu sabia! Tem a ver com pên*is,então.
— Bem, parece que a causa de alguns dos meus problemas, por acaso, tem um pên*is. Bem,dois na verdade.
— Caramba, amiga! Você está saindo com um cara que tem dois pint*os?
— Claro que não! Estou falando de dois homens.
— Ah, bom — diz, obviamente desapontada. — Droga. Isto até que seria interessante.
— Como assim?
— Não sei. Um para cada buraco?
— Você é doente, sabia?
— Sim, um pouco.
Eu rio novamente.
— Pelo menos tem coragem de admitir.
— Amiga, eu admito mesmo! Estou velha demais para fingir ser algo que não sou. Requer muito esforço, assim como fingir um orgasmo. Se você não der o melhor de si, não se dê ao trabalho de chamar atenção. Eu disponho de um número limitado de anos orgásticos.Planejo espremer até a última gota de prazer desses anos que eu puder. E quero dizer espremer mesmo.Eu balanço a cabeça, achando graça daquele comentário. Ah,Rachel...
Após alguns minutos de um papo altamente impróprio e recheado de comentários chocantes,Rachel promete me levar para beber à noite, o que de fato soa como uma tábua de salvação.Combinamos de nos encontrar em um bar que ela conhece, que fica na parte central da cidade e,ao desligar o telefone, já me sinto mais alegre.Estou terminando o segundo drinque quando ouço o telefone tocar. Fico desanimada quando vejo o número da Rachel.
— Cadê você? — pergunto, sem preâmbulos.
— Não vou poder sair esta noite, amiga . Gabriel precisa de mim. A Norma ligou avisando que estava doente e ele precisa de ajuda. Eu estava indo pra casa e acabei de fazer o retorno.Desculpe,Any. A gente se vê outro dia.Prometo.
Trinco os dentes.
— Tudo bem,Rache. A gente se vê outro dia.
— Nesse meio-tempo, tente resolver aquele problema com os seus pintos.Todo galinheiro precisa de um galo, mas só as galinhas especiais podem lidar com mais de um.Experimente os dois, depois escolha um e fique com ele. Você é nova demais para brincar com dois brinquedos ao mesmo tempo. Isto é coisa de mulher que gosta de garotão.
— Vou tentar me lembrar disso — digo em tom de brincadeira.
— Pode mandar o rejeitado para minha casa.Eu o farei esquecer completamente de você.Pelo menos durante algumas horas. — Ela ri na sua voz grave de fumante. — Conversamos depois, querida.Beijo. — Em seguida, desliga.
Guardo o telefone e olho em torno do bar. Embora eu realmente não queira voltar para uma casa vazia e ficar remoendo todos os meus problemas, também não quero ficar aqui sozinha.Com um suspiro desanimado, coloco alguns dólares sob meu copo vazio e levanto do banco,procurando as chaves na bolsa.Experimente os dois, depois escolha um e fique com ele.O conselho da Rachel se repete na minha cabeça. Parece absurdo, ridículo! E completamente vulgar. Mas ao mesmo tempo...
Por mais que eu queira que dê certo, um relacionamento com Miguel é algo impossível. Ele está namorando a Mia. Bem, eu os vi hoje de manhã. Mesmo agora, fico revoltada só de lembrar.Mas então vem à minha memória a imagem dele acariciando meu rosto. E me pergunto se ele fica pensando em mim como eu fico pensando nele.
E o Alfonso? Pelo menos um relacionamento com ele seria menos complicado. Menos significativo e sem futuro, naturalmente, mas pelo menos eu teria a noção exata de onde estava me metendo.Pensamentos insanos passam pela minha cabeça enquanto entro no carro e ligo o motor.Ou,melhor dizendo, tento ligar o motor.
O que foi agora?
Bato no volante e as luzes do painel piscam, fracas.
— Não, não, não!
Acendo a luz interna e ela mal forma um cone de iluminação tênue, em direção ao banco de trás. Estou familiarizada com esses sintomas de carro quebrado.A bateria.
— Sua lata-velha de merda! — grito no silêncio do interior do carro, esbarrando na buzina,acidentalmente. Ela faz um som parecido com o de um pato ferido. — Não se atreva a me responder! Você está a um passo de ir parar no ferro-velho.
Sim, eu me sinto um pouquinho melhor ao extravasar minha frustração, mesmo que isso signifique ficar do lado de fora de um bar,gritando para um objeto inanimado. Por sinal,completamente inanimado no momento.
E agora?
Preciso que alguém me ajude a conectá-lo na bateria de outro carro. Detesto ligar para um reboque para algo tão simples. Custaria uma fortuna. E meus recursos estão assustadoramente escassos agora.Isto é o que acontece quando se passa os dois primeiros anos de faculdade atrás de um cara e o terceiro, completamente isolada.Fecho os olhos e tento pensar. Como sempre, dois rostos, rostos idênticos, flutuam pela minha mente.
Miguel provavelmente tem planos. Segundo Mia, ele está sempre muito ocupado. Eu odiaria lançar mão da estratégia de donzela em apuros e interrompê-lo, por mais que aprecie a ideia de vê-lo me salvar.Então, penso em Alfonso. Ele administra o próprio negócio e desaparece por várias horas,regularmente, toda noite. Além disso, está apenas a poucas quadras daqui. Seria a escolha lógica.Mas só de pensar na nossa última conversa, meu estômago tremula e eu me pergunto o que ele poderia pedir como forma do pagamento.Entretanto, não posso negar que a perspectiva me deixa excitada.
Experimente os dois.
Afastando a voz de Rachel da minha cabeça, pego o celular e procuro o número de Alfonso na lista de contatos. Ele atende no segundo toque.
— Alfonso, oi, é Anahí.
— O que houve? — pergunta ele,abruptamente. Seu tom direto me surpreende. Não sei bem o que esperava, mas com certeza não era isso. Imaginei que ele atenderia todo sexy e sedutor, e tentaria me convencer a transar com ele. O mais triste é que me sinto um pouco desapontada por ele não ter feito isso.
— Estou te incomodando? Porque, se quiser...
— Não, tudo bem, pode falar. O que houve? — repete.
— Bem, desculpe ligar por causa de algo assim, mas a bateria do meu carro arriou, eu acho, e
estou meio presa aqui. Será que você poderia vir me ajudar. Estou a poucas quadras da boate.
Há uma pausa. E parece uma pausa longa, sobretudo quando já estou ansiosa e apreensiva.Por um segundo, chego a pensar em desligar. Será que seria uma atitude infantil? Bem, depois de fazer algo tão constrangedor, eu seria forçada a sair da Dual, largar a faculdade, voltar a morar na casa do meu pai e deixar toda a minha humilhação recente para trás, na cidade grande. E por mais drástico que isso possa parecer, às vezes parece uma ideia incrivelmente tentadora.Mas não faço nada. Apenas espero. Enquanto meu rosto queima de humilhação e vergonha.
— Me diga onde você está.
Dou o endereço a ele.
— Será que você poderia esperar uns 15 minutos? Preciso fazer uma coisa antes de sair, mas depois vou direto para aí.
— Tudo bem. O tempo que precisar.
— Que tal voltar para o bar e beber alguma coisa enquanto espera? Eu não gosto da ideia de você ficar do lado de fora, no carro, sozinha. Você está sozinha, não está?
— Sim, estou sozinha. Mas vou ficar numa boa. Eu só...
— Anahí, eu realmente não gosto disso. Você não pode voltar para o bar? Considere como um favor.
Quando ele coloca as coisas dessa forma...
— Certo. Vou voltar para o bar — respondo. — Ligue para mim quando chegar.
— Te vejo daqui a pouco — diz, antes de desligar.
Eu guardo o telefone na bolsa, abaixo o retrovisor e dou uma conferida na maquiagem. Sei que não devia me preocupar, mas fico contente de ter dado uma caprichada no visual para encontrar a Rachel. Após retocar o batom rosa, passo os dedos pelo meu cabelo liso e ajeito a blusa vermelha, de ombro recortado.De volta ao bar, peço uma cerveja. É barata,portanto não me incomodo de ter que deixá-la quando Alfonso aparecer. Além do mais, alguns goles não vão me deixar embriagada.Vinte minutos se passam e eu já verifiquei o meu telefone umas seis vezes.Estou começando a me perguntar se todo mundo resolveu me dar o bolo esta noite, quando a porta se abre e vejo Alfonso andando com passos largos, na minha direção.Minha boca seca completamente quando os seus olhos encontram os meus, e ele abre um sorriso convencido, erguendo um canto da boca. Queria que as suas pernas longas não devorassem o espaço entre nós tão rapidamente. Eu poderia somente fitá-lo, passar o dia todo apenas observando-o se movimentar. Seu físico é tão perfeito e ele fica tremendamente irresistível no seu “uniforme de trabalho”, com uma calça e uma camisa pretas que se ajustam perfeitamente ao seu corpo, e botas da mesma cor. A camisa realça seus ombros largos, os quadris estreitos, e a cor de mel da sua pele. E aqueles olhos. Olhos esverdeados maravilhosos. Eles brilham como gotas de ébano no seu rosto lindo.Quando chega perto de mim, estou considerando a necessidade de uma troca de calcinha.Começo a me levantar, mas ele interrompe meu gesto.
— Termine a sua cerveja — diz, antes de acenar ao bartender. — Um Jack Daniel’s. Puro e
sem gelo.
Quando o bartender serve a bebida, Alfonso toma um gole e se vira para mim, como se estivesse se acomodando.
— Afinal, por que você está aqui, bebendo sozinha?
Nervosa, fico esfregando o polegar no rótulo da garrafa de cerveja.
— Eu ia encontrar uma pessoa que precisou cancelar. Depois que eu já tinha chegado,obviamente — explico, com um toque de amargura gotejando na minha voz.
— Quer que eu dê uma surra nele? — pergunta ele. Quando levanto os olhos, ele está sorrindo e me fitando por cima do copo.
— Não. Você poderia ficar envergonhado quando ela levasse a melhor e desse uma surra em você.
— Ahhhh, está falando da sua namorada lésbica e fortona?
Seus olhos estão brilhando. Ele está me provocando. E aparentemente curtindo muito isso. Era mais ou menos uma reação assim que eu esperava quando telefonei. Bem, não tanto, realmente.Essa brincadeira é inesperada e muito... sedutora.
Não caia na sedução dele.
Mas então me lembro das palavras da Rachel. E fico um pouco mais ousada.
— Não, eu não curto garotas. Gosto demais de... homem.
Fico me perguntando se a imagem de mulher fatal na minha cabeça tenha saído brega e vulgar, em vez disso.
Tarde demais.
— Ontem à noite eu fiquei com a impressão de que isso fosse verdade. — Ele me olha intrigado, arqueando a sobrancelha, e seus lábios formam o sorriso que está tentando conter.
Puta merda, ele é tão sexy!
— O que isso significa?
— É meio difícil de explicar — responde, inclinando-se na minha direção e abaixando a voz.
— Mas eu ficaria feliz de mostrar se você quiser.
Há um brilho de desafio em seus olhos. Mas não sei se estou pronta para tudo que ele está oferecendo. Será que posso me aventurar sem deixar meu coração se envolver?Eu pigarreio e olho para a garrafa de cerveja, desistindo de beber simplesmente por instinto de autopreservação.Inteligente como ele é, percebe a mudança no meu humor.
— Então — diz Alfonso da forma mais tranquila possível —, me fale tudo a respeito de Anahí.
Eu dou de ombros.
— Não há muita coisa a dizer. Sou de Salt Springs. Cresci na fazenda do meu pai e estou no último ano da faculdade.
— Nossa, uma vida reduzida a duas frases. Não sei se fico impressionado ou deprimido. Houve alguns namorados e algumas festas no meio dessa história? Ou...
Sorrio.
— Sim, houve um pouco de cada. Não fui uma criança rebelde, mas também não era introvertida. Apenas comum, eu acho.
— Não há nada de comum em relação a você — diz Alfonso, baixinho.
Meus olhos voam de encontro aos dele. Ele não está sorrindo e não parece estar me provocando, o que me faz ruborizar.
— Obrigada.
Fitamos um ao outro por alguns segundos, diretamente, até o clima começar a crepitar com a energia que há entre nós. Neste instante, eu desvio o olhar.
— O que você está estudando?
— Contabilidade.
— Contabilidade? Contabilidade é para solteironas que usam coque e têm um armário cheio
de sapatos ortopédicos. Por que escolheu essa carreira?
Rio da sua visão a respeito da profissão.
— Sou boa com números. Além disso, com um diploma de contadora, vou poder ajudar meu pai com os negócios na fazenda. Faz todo o sentido.
— Quer dizer que está fazendo isso pelo seu pai?
— Em parte, sim.
Ele acena com a cabeça, lentamente. A expressão no seu rosto indica desconfiança, mas ele não diz nada. Apenas muda de assunto.
— E a sua mãe?
— Ela foi embora. Há muito tempo.
Ele me olha meio confuso, mas novamente não diz nada. É um cara muito perceptivo.
— E o namorado bad boy ?
— Bad boy ?
— Sim. O tipo que você evita a todo custo, pelo que parece.
— Ah, sim. — Eu rio. É um único riso amargurado. — Huum, caiu num triturador de
madeira? — pergunto, esperando que perceba a indireta de que realmente não quero falar sobre isso, também.
Então faz uma pausa, com o copo a caminho da boca, como se avaliasse se estou falando sério, e logo sorri e toma um gole da bebida.
— Coitado. E o anterior?
— Foi engolido por um tubarão?
— E o anterior?
— Raptado por um circo itinerante?
Alfonso dá uma risada.
— Nossa! Sua vida parece lenda urbana.
— Atenção futuros pretendentes, fiquem alertas.
— Estou disposto a correr o risco — diz com uma piscadela. Meu estômago reage e o meu coração dá uma acelerada que é, por si só, uma enorme bandeira vermelha.
Mude de assunto! Mude de assunto!
— E a sua família? — Minha pergunta esfria o seu tom de gozação, consideravelmente.
— Uma longa história, horrível, terrível demais para seus ouvidos delicados.
— Caramba, vai ser assim mesmo? Quer dizer que você pode fazer todos os tipos de pergunta,mas eu só recebo isto em troca?
Estou brincando, mas não totalmente. Quero mesmo que ele responda a algumas perguntas,principalmente enquanto estou de posse do meu bom senso. De alguma forma, pelo menos.
— A forma problemática como fui criado e meus contatos suspeitos poderiam fazê-la tremer na base. Você sairia correndo, com bota e tudo — diz Alfonso com um sorriso não exatamente discreto.
Eu me viro no banco e abaixo os olhos.
— Não estou usando bota.
— Isto eu posso ver — diz Alfonso, abaixando-se para passar a mão na minha perna. — Nem meia-calça.
Uma bolha de ar se forma na minha garganta, me impossibilitando de respirar. Um arrepio
sobe pela minha perna diretamente para minha calcinha.Ele levanta a cabeça, com um brilho no olhar. Sei o que quer. E sei que ele sabe que eu também quero. Está nos seus olhos. Não tenho motivo para tentar negá-lo. Mas o que fazer a respeito?Na minha indecisão, viro as pernas em direção ao bar, longe da sua mão. Ele sorri.Demonstrando ter entendido meu gesto. Mas vai em frente.Por enquanto.Então termina a sua bebida em um só gole, e se vira para mim. Afasto minha cerveja.
— Está pronta?
Isso é o que chamo de chegar junto!
Aceno com a cabeça. Não sei muito bem com o que acabei de concordar, mas cada célula no meu corpo está cheia de expectativa.
— Vamos — diz Alfonso com um gesto de cabeça e um sorriso diabólico. — Vamos tirar você dessa agonia.
Não consigo deixar de sorrir.
Continuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa. ..........