Alfonso
Nada que vejo me surpreende quando entro no bar frequentado por pessoas que vão assistir a jogos pela televisão. O lugar é bem típico, com várias TVs enfileiradas nas paredes e um conjunto de mesas no centro do salão, em frente aos aparelhos. O bar fica à minha direita,seguido por quatro mesas de sinuca, acanhadas sob as imensas luminárias Budweiser. Logo atrás,há uma pequena pista de dança.Em poucos segundos, meus olhos encontram Anahí. É como se eles fossem atraídos por ela,como um ímã. Quando a vejo no bar com seus amigos, sei que duas coisas são verdade. A
primeira é que ela vai ficar bêbada se não parar de beber logo. E a segunda é que vou levantar aquela saia até a sua cintura, antes do fim da noite.Quando os seus olhos encontram meus, vejo resistência estampada neles. Já vi isso antes, mas pensei que tivéssemos superado este estágio. Não consigo deixar de me perguntar o que
aconteceu desde a manhã de hoje para que ela regredisse.
Estou com um palavrão na ponta da língua, mas eu o contenho e mantenho uma expressão indiferente,enquanto caminho em sua direção. Quando paro ao seu lado, observo-a endireitar a coluna e erguer o queixo. Sim, resistência. E ela está decidida.Embora isso me frustre, acho o gesto bem sensual. Ele me instiga a fazer com que ela me queira, apesar de todas as razões que a fazem pensar que não deveria.E lá vou eu.Novamente.
— Eu poderia te oferecer uma bebida, mas pelo visto você já bebeu bastante.
— Já tenho um pai para me dar bronca. E ele está em casa se restabelecendo de uma perna quebrada, muito obrigada — diz de forma mal-articulada.
— Não queria ofender. É apenas uma observação. — Então chamo o bartender, que está me olhando com ar completamente hostil. — Jack. Puro e sem gelo. — Estou no território dela agora.
Anahí está entre amigos e eles são, obviamente, muito protetores. O mais estranho é a necessidade que eles têm de protegê-la de mim, embora nunca tenham me visto.
É, acho que ela realmente tem uma atração por um tipo específico de homem. E esse pessoal deve saber disso.
Fico profundamente aborrecido com o fato de ter sido rotulado por ela, como fizeram todos os seus amigos.Não há nada que eu deteste mais do que ser julgado injustamente. Nenhuma dessas pessoas sabe nada a meu respeito, inclusive Anahí.Seria interessante ver como ela reagiria se soubesse tudo, se tomasse conhecimento da
verdade. Em poucas frases curtas, eu poderia dar a ela todas as razões para fugir de mim, o mais rápido e para o mais distante que pudesse. Mas não vou fazer isso.Porque sou egoísta. Não quero que fuja, por enquanto. Antes disso preciso tê-la mais.Muito mais.
Quando o bartender pousa o copo diante de mim, deslizo uma nota de 10 dólares e bebo o
drinque de um gole só. Em seguida, aceno com a cabeça para pedir outro, e arrasto o copo vazio sobre o balcão.
Decido ignorar Anahí, enquanto espero pela bebida. Finalmente, ela fala. Contenho um sorriso. Eu queria que ela desse o primeiro passo. E consegui.
— O que está fazendo aqui? — pergunta, levantando-se do banco para ficar ao meu lado. Eu me pergunto se isso a faz sentir-se mais no controle, no comando da situação.
Ou talvez a deixe mais segura, como se pudesse escapar rapidamente. Fugir.
— Achei que você poderia precisar de ajuda — respondo.— Então vim para ajudá-la.
Vejo seus olhos oscilarem para sua direita, em uma fração de segundos, antes de se voltarem para mim.
— Como você me encontrou?
— Meu irmão.
— Não, quero dizer como sabia que eu estava aqui?
— O seu pai.
— Você foi à minha casa?
Ela está obviamente perturbada com isso.
— Sim. Algum problema? Visitantes não são bem-vindos na sua toca secreta?
Fascinado, observo a raiva lhe enrijecer os músculos. Ela põe as mãos nos quadris. Cacete, ela é mesmo feroz.
— Alguma vez ocorreu a você que talvez devesse esperar ser convidado?
— Se eu fosse convidado, não estaria me oferecendo espontaneamente para ajudar, não é?
Mesmo em meio à sua agitação, percebo que ela olha,pela segunda vez, para uma mesa à direita. Então sigo o seu olhar e vejo que ela observa um cara sentado diante de uma garota,totalmente sem graça. A maneira como ele olha para Anahí me faz ter certeza de que eles se
conhecem. E, pelo jeito, muito bem.Dou um passo na direção de Anahí e me curvo para perguntar baixinho:
— É aquele cara?
Ela vira a cabeça para mim, envergonhada. Furiosa.
— Que cara? Do que você está falando?
— Ah, qual é! Admita. Aquele foi o último bad boy, não foi? — Olho de novo para o babaca que, mesmo involuntariamente, está dificultando a minha vida.Parece que ele se recuperou bem do acidente com o trator. Quer que eu dê umas porradas nele?
Olho de volta para Anahí. Um misto de emoções atravessa rapidamente seu rosto, começando
com perplexidade e terminando com algo próximo do humor, de um sorriso.
— Não, não quero que você dê porrada nele.
— Tem certeza? Porque sou especialista em descafajestização.
Desta vez ela sorri.
— Descafajestização?
— Sim. Imagine que eu sou um dedetizador de pragas, só que dos cafajestes, cuja missão é colocá-los no seu devido lugar.
— Bem, eu agradeço a oferta, mas ele não vale o esforço.
Então me inclino para a frente, a fim de prender uma mecha desgarrada de cabelo preto atrás de sua orelha.
— Se ele a magoou, então vale.
Acho que Anahí não faz ideia do quanto seu rosto é expressivo. Posso ver claramente que não
me é indiferente, que gosta de mim e provavelmente não discutiria se eu a despisse e a lambesse dos pés à cabeça, embora permitir que eu faça isso vá contra o que ela julga ser mais sensato.Mas também posso ver que ela não quer sentir essas coisas. Ela quer ser contraditória,impassível. E insensível a mim. Só que não é. E, se depender de mim,não será.Reconheço a canção animada que começa a tocar. “Ho Hey ” jamais tocaria na minha boate,principalmente porque é uma boate, mas gosto da música mesmo assim. A letra me faz sentir um pouco sentimental em relação à confusa e apreensiva Anahí.
— Vamos — digo, tomando-a pela mão. — Vamos pagar mico.
Em seguida, pego também a mão da sua amiga, que não tira os olhos de mim desde que cheguei, como se eu fosse uma refeição.
— Sou o Alfonso, chefe da Anahí. Vamos dançar.
— Rachel — apresenta-se ela, com um largo sorriso, e entrelaça seus dedos nos meus, sem oferecer resistência.Enquanto levo as garotas pelo bar, em direção à pista de dança, Rachel chama outras pessoas,
o que é perfeito para o que tenho em mente.
— Vamos lá pessoal. Vamos dar à Any uma dança de despedida que ela nunca esquecerá.
Em poucos segundos, há duas dúzias de admiradores de Anahí à nossa volta, na pista de dança,cantando e cobrindo-a com sorrisos, abraços e atenção. Posso ver seu rosto se iluminar e sua atitude ficar mais relaxada.Então ela volta a olhar para o cara uma vez, e até mesmo isso é um gesto praticamente distraído. Na maior parte do tempo, seu foco é nas pessoas à sua volta. E em mim.Posso ver o gelo se derreter cada vez que seus olhos encontram os meus. Quando sorrio, ela sorri também.Quando pego a sua mão, Anahí entrelaça seus dedos nos meus. E quando se vira para mim, parece, pelo menos no momento, que parou de me ver como aquele canalha que ela desejaria que tivesse caído embaixo de um trator.Sua expressão está brilhante e feliz, e ela parece estar realmente satisfeita.
— Obrigada. Você é um ótimo agente de descafajestização.
— Ah, este não é o meu método favorito. Acredite. Mas se a faz feliz, por mim tudo bem.
Ela desvia o olhar timidamente, mas volta a me fitar,incapaz de resistir ao magnetismo que há entre nós.
— Bem, isso me faz muito feliz.
— Então vamos considerá-lo exterminado, certo?
Ela ergue as sobrancelhas e sorri. Vejo a garota atrevida voltar à tona. Ela se sente como se pudesse enfrentar o mundo, capaz de derrotar qualquer coisa, inclusive um ex-namorado.Está pronta para pular de cabeça. E eu estou pronto para agarrá-la.