Alfonso
Faço o trajeto já familiar que leva à penitenciária. Estou desorientado. A única coisa que posso fazer, exceto aparecer na casa de Anahí e simplesmente rastejar, é conversar com meu pai.Ficou evidente para mim há alguns dias que não tenho ideia do que estou fazendo. Estou contando que ele me dê um bom conselho, algumas boas sugestões. Preciso de toda a ajuda possível. E só
há uma pessoa, além de Anahí, no mundo inteiro que conhece o problema.
Já faz alguns anos que guardei na memória o horário de visita. Eu venho até aqui visitar o meu pai como Alfonso e como Miguel . Nunca tentei esconder o passado da minha família da alta sociedade de Atlanta. Apenas tentei permanecer inserido nela de um modo completamente diferente como Miguel Como Miguel , o enfoque era sempre a partir de uma perspectiva jurídica, como se fosse o meu dever tentar ajudar o meu pai aprendendo e fazendo o que eu podia. Legalmente.Como Alfonso, nunca realmente fiz nada. Apenas assumi o controle da única coisa que ele me deixou: a boate Dual — comprada com dinheiro suspeito de pessoas suspeitas —, e a transformei em um estabelecimento famoso e de sucesso. Algo que um adolescente sem um diploma de nível superior poderia administrar. Algo esperado de uma pessoa como eu.Representei o papel de Alfonso por completo.Mas em algum ponto ao longo do caminho, eu me tornei algo mais. Algo diferente. Uma espécie de misto dos dois. Não estou mais satisfeito em ser o Alfonso fracassado. Pelo menos não só
o Alfonso fracassado. Gosto de ser respeitável e respeitado. Gosto de ser visto como uma pessoa digna e perceber que minha opinião é importante. Gosto que outras pessoas saibam que sou inteligente, sem que eu tenha que tentar convencê-las. E acabar não conseguindo. Eu gosto de ser o vencedor que meu irmão foi.Só que não sou meu irmão. Sou um vencedor por mim mesmo, sem ajuda de ninguém. Tudo bem, a morte dele me proporcionou uma chance na vida, mas eu conquistei todas essas coisas sozinho.E sou a única pessoa que saberá disso. Exceto o meu pai.E Anahí .
Os guardas acionam um dispositivo eletrônico que abre o portão, e eu me registro,preenchendo o formulário e assinando o meu nome, além de identificar o nome e o número do detento que vim visitar. Quando acabo de preencher os papéis, eles me conduzem à sala que já conheço, onde há uma mesa comprida, cortada ao meio em toda a sua extensão por uma parede de vidro. Ela é separada por divisórias que criam pequenos cubículos, projetados para dar a
ilusão de privacidade. Mas aqui não há nenhuma privacidade. Não tenho a menor dúvida de que tudo que eu digo no telefone preto e comum é gravado e guardado em algum lugar. Por sorte,meu pai é inocente. E qualquer outra coisa que conversamos, podemos fazer de forma vaga, semlevantar suspeitas.
Como acontece hoje, quando os guardas o conduzem até aqui e ele me cumprimenta.Meu pai sorri.
— Afinal, quem está me visitando hoje? Alfonso ou Miguel ? Não consigo distinguir pelas roupas.
Olho para baixo, para a minha roupa escolhida apressadamente. Pelo menos para mim, ela é bem comum. Jeans preto e uma camisa de rúgbi listrada. É algo que tanto Alfonso quanto Miguel poderia usar. Ou nenhum dos dois usaria. Não sei. Nem me lembro de ter comprado a camisa.
— Isso importa? — pergunto secamente.
Ele sorri novamente. Seus olhos procuram meu rosto, como fazem toda vez que venho aqui.Como se procurasse sinais de mudança e envelhecimento. Ou de aflição. Quando o seu sorriso desaparece, sei que hoje encontrou alguma coisa.
Ele senta um pouco mais ereto, seus olhos ficam aguçados. Atentos. Vigilantes.
— Qual é o problema? O que aconteceu?
— Eu conheci uma garota.
Uma carranca oscila pelo seu rosto — o rosto que muita gente diz que parece uma versãomais velha do meu —, mas então a expressão dele fica menos severa e seus lábios se curvam em um sorriso satisfeito.
— Bem, já estava na hora. Quem diria. — Em seguida, se acomoda e bate a mão na mesa.
Ele está verdadeiramente feliz por mim. Pelo menos até eu contar o resto da história. Isso pode mudar o tom da conversa.
— Eu contei tudo a ela, pai — digo, sem rodeios.
Por um segundo, ele parece um pouco confuso, antes de compreender o que envolve essa declaração tão vaga.
— Há quanto tempo você a conhece?
Começo a balançar a cabeça. Sei bem onde ele quer chegar. Sempre desconfiado.
— Pai, isso não importa. Eu tinha que contar. Ela é importante pra mim. E confio nela. Além disso, achei que ela talvez pudesse ajudar.
— Trazê-la para toda essa confusão não parece um gesto que demonstre a importância dela pra você, nem um pouco.
— Fiz tudo de forma a mantê-la segura. Eu não a colocaria em perigo.
— Você a colocou em perigo. Você é meu filho; portanto, está envolvido, quer queira quer não. E isso me entristece. Mais do que você jamais poderá imaginar, mas o que está feito, está feito. Enquanto eu viver, você terá de ficar atento em relação às pessoas que deixa entrar na sua vida. Talvez um dia... quando eu não estiver mais vivo...
— Não vou ficar parado, pai. Não vou deixar você morrer aqui, nem vou deixar de viver normalmente por causa de alguns erros cometidos há muitos anos. Já fomos punidos o suficiente.Está na hora de darmos prosseguimento às nossas vidas. Acho que encontrei um meio de...
— De ser assassinado. É isso o que fez. Pare de se meter em assuntos que não tem que se meter, Alfonso . Eu dei a você aqueles... itens, por garantia. Nada mais.
— Bem, sinto muito, pai, mas estou cansado de deixar que outras pessoas destruam a minha vida. Não posso viver assim. Você é tudo que me resta. Não posso simplesmente ficar de braços cruzados, sem fazer nada.
— Filho, já conversamos sobre isso. Agradeço pelo que está tentando fazer, mas não é a maneira mais inteligente...
— Pai, será que não pode apenas confiar em mim? Pelo menos uma vez, será que não dá pra acreditar que sou capaz de cuidar das coisas, de tomar as decisões certas? De realizar um plano sensato e bem-elaborado?
Sua expressão se abranda.
— Não é que eu não confie. É que você é tudo o que me resta. E eu já trouxe tanta desgraça à sua vida. Quero que viva uma vida feliz, normal. Uma vida que você teria se eu tivesse morrido naquele incêndio também.
— Pai, eu nunca poderia ser feliz deixando você definhar aqui.
Ele ri.
— Definhar?
Sorrio.
— A faculdade de direito melhorou o meu vocabulário.
Ele começa a dizer algo, mas muda de ideia.
— Que foi? — pergunto.
— Eu só ia dizer que já me orgulhava de você antes de entrar para a faculdade de direito.Desde muito garoto, você sempre foi feliz sendo apenas o que é. Você fazia o que queria, o resto do mundo que se danasse. Eu sempre tive orgulho desse temperamento obstinado. Sempre admirei essa ousadia e autoconfiança.
Sinto a emoção apertar minha garganta, como um punho cerrado. Acho que nunca se é adulto demais para desejar a aprovação do próprio pai. Ou, pelo menos, eu ainda não sou.
— Alfonso, por favor, não deixe esse temperamento obstinado tomar as decisões por você. Há um momento para se desistir, para deixar as coisas acontecerem e se resignar. Se gosta dessa garota, vá atrás dela e faça-a feliz.Tente mantê-la em segurança. Dê-lhe uma vida longe de tudo isso. Comece do zero. Se a ama, mesmo que seja a metade do amor que eu tinha por sua mãe,
sua vida será feliz. E isso é tudo que eu desejo a você.
— Epa! Eu não disse que a amava.
Meu pai sorri.
— E nem precisava.