Anahí
Na sexta-feira de manhã, eu me forço a tomar uma chuveirada. Acho mais do que repugnante e patético não ter tomado banho a semana inteira.Mas hoje resolvi deixar de ser patética. Já fiquei mergulhada em sofrimento, curtindo
desilusão por tempo demais. Preciso fazer alguma coisa. Então decido ir para casa passar o fim de semana. Vou ligar para o Tad no caminho e ver se posso fazer pelo menos um turno. Depois decido o que fazer pelo resto... Bem, eu vejo quando voltar.Só de pensar em ter de voltar e lidar com Alfonso e depois com Mia, e a faculdade, e com a... vida, é uma sensação insuportável. Afasto esses pensamentos da cabeça para dar lugar a um fim de semana a ser desfrutado no ambiente familiar. No aconchego. Na segurança.Segurança. Nunca pensei que essa palavra teria um significado tão literal na minha vida.Preparo a mala com o básico e saio, trancando a porta. Com Mia viajando e Alfonso/Miguel
fora de cena, eu me sinto completamente sem vínculo com a cidade. Com a minha vida. Com meu lar. Agora, não tenho a sensação de estar em um lar aqui.Sinto-me numa prisão de mentiras e angústia. O único lugar que me faz sentir em um verdadeiro lar é a fazenda, para a qual estou indo.No caminho, ligo para meu pai e para Rachel. Ela, num gesto de amizade, me oferece um dos
seus turnos, o que eu aceito contente. Será esta noite, o que é bom,provavelmente. Assim, posso me manter ocupada logo de cara. Amanhã, vou dar uma volta e procurar mais cordeiros,embora não haja nenhuma razão para isso. Mas vai ser bom sair um pouco, fazer algo que não me obrigue a pensar. Ou sofrer. Ou desejar.
— Ei, punk — diz meu pai como saudação, quando entro em casa. Tenho o súbito e inexplicável impulso de me jogar no seu pescoço e chorar no seu ombro, como fazia quando era criança. Entretanto, em vez de agir assim e deixá-lo assustado, pouso a mala, beijo-o no rosto e pergunto como ele tem andado.Passo o dia assistindo a uma maratona de CSI na televisão e conversando sobre várias coisas.Isso não tira Alfonso completamente da minha cabeça, mas ajuda. Eu sabia que ajudaria.Tomo um banho e me arrumo para o meu turno. Sinto o conforto emocional ao vestir o short preto e a camiseta, da mesma forma que sinto o conforto físico dessa roupa. Acomodo meu pai
antes de sair e, em seguida, vou para o Tad’s.Todo mundo me recebe de forma extraordinária. Claro. Todos estão contentes por eu estar de
volta. Mais de uma vez, sinto lágrimas ameaçando brotar nos meus olhos,quando os clientes me pedem para voltar a trabalhar ali, me garantindo que as coisas nunca serão tão boas para mim no meu novo emprego como são no Tad’s. De certo modo, acredito. Mas, de alguma forma,também sei que isso não é verdade. Alfonso faz parte do meu novo emprego.Alfonso.Rachel aparece, não para trabalhar, mas para fornecer a ajuda extremamente necessária, do
outro lado do balcão. Ela bebe a sua bebida e espera pacientemente as coisas se acalmarem,antes de fazer qualquer pergunta.
— Bem, me deixe adivinhar. “O bad boy provou ser um verdadeiro canalha”?
Dou uma risada. Bem, é uma risada um pouco amarga.
— Hum, acho que dá para dizer isso.
— Eu já temia por isso.
Então paro de colocar garrafas de cerveja na geladeira e a fito, boquiaberta.
— Você temia? Bem, então podia ter dito alguma coisa, não é?
— Eu o vi apenas uma vez e percebi que ele era problema. Ele não é só gostoso. Ele é inteligente. Isso não é uma boa combinação para seu coração, Any. Pelo menos os outros eram uns inúteis e estúpidos. Mas, este? Ah, eu sabia que se ele a pegasse haveria problema.
Eu queria dar um tapa nela. Bem forte.
— Obrigada por me alertar, Rachel — digo, tentando um tom de brincadeira, mas consciente de que a minha raiva estava transparecendo.
— Você teria me escutado se eu tivesse tentado alertá-la? Não. Você nunca me ouve. Sabia que devia ficar longe dele. Mas não ficou. Você acha mesmo que eu poderia ter dito algo que a faria agir diferente?
Não quero admitir, mas provavelmente Rachel tem razão. Alfonso tinha me deixado sem fôlego desde o primeiro dia. Assim como Miguel . Porque ambos eram a mesma pessoa, só que com roupas e empregos diferentes. Acho que, no fundo, meu corpo sabia. Eu reagi a cada um deles do mesmo modo, sexualmente. Ambos me despertaram sensações intensas. E isso não é muito comum de acontecer com duas pessoas de personalidades tão supostamente diferentes. Por que
não percebi isso antes? Como pude ser tão cega?Estou retirando as últimas garrafas da caixa e colocando-as cuidadosamente na geladeira quando vejo alguém sentar no banco, ao lado da Rachel. Levanto os olhos e fico paralisada, com metade do braço dentro da geladeira.
É o Alfonso.
E agora hein?
Continua....