Alfonso
Tenho que fazer um esforço enorme para conseguir me afastar de Anahí e atender Mia na
porta. Estar com Anahí é como me refugiar em uma bolha de perfeição, em uma bolha de vida,longe de todos os problemas, decepções e... sujeiras da minha existência dupla. E é muito difícil sair de lá!
Passo os dedos pelo cabelo novamente. Minha ereção não é mais um problema; o som da voz de Mia se encarregou de acabar com ela. Para falar a verdade, a transformação foi tanta
que eu quase acabei ganhando uma v*agina.Trincando os dentes, vou contrariado até a porta que dá para a garagem. Então a empurro para abri-la, sem tentar disfarçar minha irritação. Mia quase acerta meu nariz, prestes a bater novamente na porta.
— Ui — diz ela, pulando para trás, evidentemente assustada pelo meu súbito aparecimento.
Ela pigarreia. — Alfonso. Desculpe ser tão insistente, mas preciso falar com seu irmão. Agora. Ele não atende as minhas ligações e me deve uma explicação.
Quanto mais ela fala, mais irada fica. Posso ouvir a raiva no seu tom de voz e posso vê-la na
linha fina dos seus lábios.
— Desculpe, Mia. Ele não está. Ele deixou o carro aqui ontem à noite e ainda não voltou
para buscá-lo.
— Por que ele faria isso? Aonde ele foi? — pergunta ela, claramente confusa.
— Ele não disse. Ele só perguntou se poderia deixá-lo aqui por um ou dois dias. Isso é tudo que sei.
Um suspiro infla suas bochechas. Não é típico de Mia se aborrecer tanto, expressar tanta
raiva. Normalmente, suas feições não variam muito. Ela se alterna entre megera, fria e
indiferente. Há pouca coisa além disso em sua personalidade.
— Acho que vou continuar tentando o celular dele — diz ela, olhando o carro de Miguel .
Quando se vira para mim, seus olhos expressam desconfiança. — Eu vou encontrá-lo. De um jeito ou de outro. Desculpe incomodá-lo, Alfonso. — Isso é uma mentira. Ela não está nem um pouco preocupada por ter me incomodado. E aquela ameaça? Ah, como eu gostaria de tirar isso a limpo!
Ela começa a se afastar, mas para e se vira.
— A Anahí ainda está aqui? Vi o carro dela aqui em frente.
— Sim, ela está fechando a boate. Por quê?
— Eu mandei umas mensagens, mas ela até agora não ligou para mim. Eu vim do aeroporto
direto para a casa do Miguel e depois vim para cá.
— Quer que eu dê algum recado a ela?
Ela franze o cenho e comprime os lábios enquanto pensa.
— Não, pode deixar. Apenas diga a ela que eu a verei quando ela chegar em casa. Ela não
deve demorar muito, certo?
Eu não bato em mulheres. Nunca. Mas Mia me faz desejar, por uns dez segundos, pesar
40 quilos a menos e ter peitos. Não só sua interrupção foi inoportuna, como agora ela vai estragar o resto da minha noite também.
— Humm, não. Ela não deve demorar muito. Pode ir. Eu dou o recado a ela e vou fazer o
possível para ela ir embora logo.
O sorriso de Mia é frio e satisfeito, o que me deixa irritado. Agir de modo educado e
impassível, fingindo não ter nada a ver com a história, é uma merda!
— Tudo bem. Obrigada, Alfonso.
Dou um sorriso tenso e espero até que ela se vire antes de fechar a porta. Eu realmente
gostaria de bater a porta e falar um monte de palavrões, mas não adiantaria. Merda.
Anahí está cobrindo as biqueiras das garrafas de licor, a última tarefa de todas as noites,quando me aproximo. Ela se vira e olha para mim. Por uma fração de segundo, algo parece diferente. Distante. Mas então ela sorri e eu esqueço tudo.
Aquele sorriso... Humm... Deixa meu peito quase tão apertado quanto minha calça.
Eu chego mais perto, parando no balcão diante dela. Eu a observo cobrir a última garrafa e
recolocá-la na prateleira. Ela olha ao redor, assegurando-se de que tudo foi feito e o bar está
limpo, antes de se virar para mim.
— Eu já disse o quanto você é linda?
Com uma expressão tímida, ela desvia o olhar por um instante, antes de voltá-lo para mim.
Ela ainda não está exatamente à vontade com elogios, o que me surpreende. Como alguém com a aparência dela pode se sentir abaixo do nível “simplesmente espetacular”? Isso é algo que eu não consigo entender. Mesmo assim, isso acontece com ela e, ironicamente, a torna ainda mais atraente.
— Você deve ter dito algumas vezes — responde ela modestamente, mordendo o lábio daquele jeito que eu adoro. Seu gesto me faz querer carregá-la para o escritório, nos fundos,novamente. Mas teria de ser rápido. E uma rapidinha não é o que eu quero com esta garota. A menos que possa ser seguido de algo muito mais... completo.Ela me olha pelo canto do olho, se vira e começa a andar lentamente em direção à saída do bar. Com o balcão entre nós, caminho paralelamente a ela.
— Tem razão. Realmente eu já disse antes. Lembro de dizer o quanto você é linda. Acho que
estávamos diante de um espelho. — Meu pê*nis se contrai atrás do zíper da calça só de lembrar o dia em que penetrei Anahí por trás, no banheiro feminino do Tad’s.
— Lembra? — Enquanto caminha, ela me olha pelo canto do olho. Vejo o desejo abrasador em sua expressão. Sei que ela se lembra tão bem quanto eu.
Ela pigarreia.
— Sim. Eu lembro vagamente. — Seu sorriso é irônico.
Que tesão!
— Vagamente? Talvez eu não tenha feito esse elogio penetrar em você corretamente.
— Ah, acho que você fez isso muito bem.
— Então talvez eu devesse ter sido mais enfático.
— Ah, eu acho que a forma de comunicação que você usou foi muito eficaz.
— Então tudo está pulsando na sua mente agora?
— Sim, está tudo pulsando.
— Se você estiver mentindo, posso te pressionar a falar a verdade, você sabe.
— Não estou mentindo. Está gravado na minha memória. Para sempre.
— Talvez a gente devesse repetir, só pra você ter certeza de tudo que falamos. Quero me
assegurar de que isso está guardado. Profundamente. Para você nunca esquecer.
Finalmente seu sorriso transforma-se em uma risadinha no instante em que estamos nos
aproximando da saída, na ponta do balcão. Quando ela dá a volta, eu bloqueio o caminho com meu corpo.
— Duvido que haja algo que você possa fazer para guardá-lo mais profundamente.
— Ah, eu posso pensar em alguma coisa. Mas o único modo de sabermos com certeza é
tentando. E não sei quanto a você, mas eu estou a fim. Inspirado. E mais pronto que qualquer
coisa.
Vejo algo brilhar nos seus olhos pouco antes de a luz se apagar, e ela parece esfriar. Antes que eu possa tentar achar uma solução, ela muda de assunto.
— Ah! Já ia me esquecendo. Mia. O que ela queria?
Mais uma vez tenho a sensação de que alguma coisa está estranha.
Ao que parece, agora não é o momento para falar sobre o que a está incomodando. Mas sei que algo está errado.
— Certo. Mia. Ela estava procurando Miguel . Claro. Ela também quer falar com você. Disse
que mandou algumas mensagens, mas que fala com você mais tarde. Ela vai esperar você chegar.
Ou eu estou louco ou há um pequeno alívio na expressão de Anahí.
— É, meu celular está na bolsa. Eu ainda não verifiquei as mensagens. Acho melhor ir andando, então. Ver o que ela quer. Quer dizer, não podemos dar mole. Seria um desastre se ela descobrisse sobre... você.
— Anahí, eu já falei que eu desistiria desse problema com o meu pai. E se isso significa...
— De jeito nenhum! É importante, Alfonso! Ele é o seu pai e está na prisão por um crime que
não cometeu. Não, você não vai desistir de nada. Nem por mim, nem por ninguém. Só
precisamos ter cuidado.
Pelo menos ela ainda está dizendo “nós” e se incluindo na história. Em relação a mim e a todo
o resto.
— Mas você sabe que eu faria isso por você. Para mantê-la em segurança.
— Mas não quero que você faça isso. Estou perfeitamente segura. Não há nada com que se
preocupar. Apenas teremos que lidar com os problemas quando eles surgirem.
Tenho a sensação de que há um duplo sentido no que ela está dizendo, que eu não estou
entendendo muito bem. Com certeza. Definitivamente há algo errado com ela.
— Então você planeja contar a Mia sobre nós? — pergunta ela.
— Você é quem sabe. Quanto a mim, eu não me preocupo com quem sabe, mas sei que você
se preocupa. Principalmente com as pessoas daqui.
— Mas você sabe por que, não sabe?
— Sim, eu entendo. Por isso fiquei afastado quase a noite toda. É difícil manter as mãos longe
de você. E os meus olhos também. Mas eu não queria deixá-la desconfortável.
Anahí ruboriza.
— Jura?
— Jura o quê?
— Que você não consegue mesmo manter os olhos longe de mim?
— Caramba, para uma garota inteligente, você está sendo bem burrinha. Será que eu ainda
não deixei bem claro como eu me sinto em relação a você?
Pensei que tivesse deixado isso claro, mas talvez o que é claro para mim não seja tão óbvio
para ela. Se este é o caso, terei de fazer o possível para ser mais... acessível e comunicativo.
Anahí dá de ombros e olha para o lado. Eu chego mais perto e me curvo, até ela olhar para
mim.
— Olha, eu sei que isso é tudo novo e sei como você se sente em relação a homens como eu.
— Ela tenta me interromper, mas eu a faço parar, pousando o dedo nos seus lábios. — Mas
espero que você esteja começando a ver que eu tenho outras características além da sua
primeira impressão. Além do que você presumiu, logo de cara. Você não pode esquecer que
estou desempenhando um papel, também. Um papel que seria ainda mais difícil, se eu não
levasse cada um tão ao extremo. Você sabe que, em alguns aspectos, eu sou ambos; e em outros,não sou nenhum dos dois.
— Como vou saber quem é o verdadeiro Alfonso então?
Posso ver a preocupação nos olhos dela; só não sei o que aconteceu nos últimos minutos para deixá-la assim. Pensei que já tivéssemos superado tudo isso.Acaricio seu rosto macio com o dorso das mãos.
— Você já sabe. Você só terá que ignorar algumas coisas que vê, quando estivermos perto de
outras pessoas. Tenho de manter as aparências, se quiser levar os meus planos adiante.
Ela me olha atentamente. Eu gostaria de saber o que está passando pela sua mente, mas tenho a sensação de que mesmo se eu insistisse muito ela não me diria.
Finalmente, ela balança a cabeça.
— Ainda quero que você leve seus planos adiante. E farei o possível para enxergar... além das
aparências. Com o tempo eu me acostumo.
— Eu sei. Não é fácil a vida que eu levo. Tem sido o meu foco, a razão da minha vida durante
os últimos sete anos. Mas é necessário.
— Eu sei. E estou tentando.
— Isso é tudo que peço.
Um silêncio desconfortável se instala entre nós, e eu sinto raiva. Como se alguma coisa
permanecesse omitida.
— Acho que preciso ir. Para casa.
Não só eu não quero que ela vá, como odeio a forma como as coisas estão agora. Eu não
gosto de questões malresolvidas. Já tenho muitos problemas na minha vida.
— Pelo menos me deixe levá-la.
— Iria parecer estranho, já que ela sabe que o meu carro estava aqui.
— Sim, mas na maioria das vezes aquela L.V. sequer pega.
— L.V.?
— Lata-velha.
Ela ri.
— Isso é verdade.
— Diga a ela que o carro não pegou e eu tive que levar você em casa. Se você quiser, posso
puxar uma das velas de ignição, portanto será verdade.
O sorriso dela aumenta.
— Isso me parece um esforço enorme só por minha causa.
— Não fique tão convencida. Tenho motivos ocultos.
— É mesmo? — pergunta ela, erguendo as sobrancelhas.
— Ã-hã — digo, passando os braços em volta de sua cintura.
— E quais poderiam ser esses motivos?
— Você vai ter que esperar para ver.
Quando vou beijá-la, seus lábios estão quentes e dóceis, mas não exatamente tão receptivos
quanto eu esperava. Alguma coisa ainda a perturba. Terei que continuar insistindo até descobrir o que é.Dou um passo para trás e beijo sua testa.
— Pegue suas coisas. Eu te espero na garagem.
Em vez de observá-la se afastar, eu me viro em direção à porta da frente. Odeio essa
sensação que me aflige só de imaginá-la indo embora.