Anahí
Eu balanço a cabeça, jogo o cabelo para o alto ao secá-lo e observo meu reflexo. Posso ver a preocupação nos meus olhos. Não sei se Alfonso consegue perceber, e se é isso que está tornando as coisas piores, mas sei que algo com certeza está. Parece que a tensão entre nós está crescendo. E não de um modo bom. A tensão sexual continua. Com certeza. Mas está em segundo plano agora, em relação a todo o resto que tem causado desassossego. Pode ser apenas uma série de coisas. Sei que estou me sentindo um pouco insegura. Em relação a ele, em relação à situação, em relação a... tudo.
Maldita Angel e seus comentários estúpidos!
Sei que não devia prestar tanta atenção ao que ela diz, mas é como se suas palavras me fizessem sair de um transe no qual eu ignorava tudo para me concentrar apenas em Alfonso. E veja o que me aconteceu! Uma prima raptada e uma estadia, com todas as despesas pagas, em um hotel de luxo, que pode ser também uma prisão. Não pareceria tanto um cativeiro se Alfonso e eu não estivéssemos tão tensos um com o outro. Eu sei quais são as minhas dúvidas. São as dele que me preocupam. Por que ele se tornou tão distante e inquieto? É só por causa da situação em que Mia se encontra? Ele se sente culpado? Será que está preocupado com o fato de entregar os livros e perder os únicos meios de que dispunha para ajudar o pai? Sei que ele está sentindo tudo isso. Mas a pergunta é: há mais alguma coisa? E será que tem algo a ver comigo? Enquanto termino de me arrumar para o trabalho, fico ruminando em silêncio este estranho e novo dilema, e penso no quanto sou egoísta por estar tão concentrada nisso, quando há coisas mais importantes em jogo. Após enfiar as finas argolas de ouro nas orelhas, apago a luz do banheiro e vou para a sala.
— Certo. Estou pronta. Podemos ir quando você quiser — digo a Alfonso, que está sentado no sofá, fingindo prestar atenção na TV. Eu sei, pelo modo como ele se assusta quando falo, que sua mente estava em outro lugar. Bem, bem, bem longe.
Ele sorri. E meu coração dispara. Como sempre.
— Acho que foi muito bom você querer trabalhar esta noite, não é? Agora ambos temos razão de estarmos lá. Você ganha um dinheiro e eu posso vigiá-la.
— Você não tem que me vigiar. Aliás, provavelmente nem é necessário ficarmos aqui. Eles estão com a Mia. Você vai entregar os livros. Amanhã isso tudo deve acabar de vez, certo?
Não sei como interpretar a expressão de Alfonso. Porém, mesmo se soubesse, não estaria certa de meu julgamento. Acho que estou sensível demais no momento. Em relação a tudo que se refere a ele. Ele assente e sorri, mas seu sorriso é tenso.
— Deve acabar, sim. Só tenha um pouco mais de paciência comigo. Por favor.
As últimas palavras são acrescentadas de uma sinceridade hesitante, que me faz sentir mal por... alguma razão. Como se eu o tivesse magoado de alguma forma. Mas não consigo supor que isso seja verdade. Entretanto, é o que parece.
— Claro. Pode contar comigo. Afinal de contas, serviço de quarto e banheira de mármore? Não há como não curtir, certo?
— Exatamente.
Seu sorriso ainda não alcança os olhos.
— Vamos ganhar dinheiro.
Dez minutos depois, quando estamos percorrendo as ruas de Atlanta em sua moto, eu me deleito com a sensação de passar os braços em volta da cintura dele. É o único momento que posso me agarrar a ele sem me preocupar com o porquê de estar me apegando ou se estou me apegando demais. Ou se deveria sequer estar me apegando. Queria ter um enorme botão de rebobinagem que nos levasse a alguns dias atrás, ao dia em que ele foi a Salt Springs para me encontrar; ao dia que senti que eu era dele e ele era meu; ao dia que parei de pensar em todo o resto. Isso tudo antes de falar com Angel , e ela me lembrar que os leopardos não mudam suas manchas. Eles são belos como são, mas devem ser admirados à distância, de onde não podem alcançar você com as suas garras, que podem facilmente destruir o coração de uma garota. Quando Anahí vira a esquina e avistamos a Dual, me sinto triste. Angel já chegou. E está em seu carro, sem dúvida esperando por alguém para abrir as portas da boate e deixá-la entrar. Eu tinha ouvido Alfonso ligar para Gavin, o gerente de meio período, e dizer-lhe para não se incomodar em abrir a boate, que ele estaria lá.
Droga! Eu nem sequer pensei nisso!
Quando Alfonso passa ao lado do carro dela e dá a volta pelo edifício para entrar na garagem, vejo que ela nos segue com o olhar. Mesmo através da viseira colorida do capacete, posso sentir as pontas afiadas dos punhais que ela está lançando na minha direção. Suponho que isso trará um final abrupto e provavelmente desagradável à nossa trégua.
Merda.
A porta da garagem se abre quando Alfonso aperta um botão na moto. Ele entra e desliga o motor. Pulo rapidamente da moto, torcendo para que Angel não apareça e faça um grande
escândalo.
— É melhor eu entrar e começar a trabalhar — digo, entregando o capacete a Alfonso.
Lentamente, ele estica o braço para pegá-lo da minha mão, olhando para mim de um modo estranho. Após vários segundos pouco confortáveis, justo quando acho que ele vai insistir em manter o nosso relacionamento (ou o que quer que seja) em segredo, ele acena a cabeça. Dou um breve sorriso e entro correndo na sala, passo pelo escritório e saio no bar, guardando a minha bolsa de forma segura atrás do balcão.
Sem perder tempo para começar a trabalhar, abro algumas garrafas de licor e me certifico de que as geladeiras estejam com seus devidos estoques em dia. Em seguida, começo a fatiar limões, limas-da-pérsia e laranjas. Vejo Alfonso cruzar o salão para destrancar as portas, mas em vez de voltar ao escritório, ele vai para o lado de fora. E leva uns 15 minutos para voltar. E o que mais me aborrece? Aproximadamente sessenta segundos depois que ele entra, Angel finalmente aparece.
E ela está sorrindo.
Um largo sorriso.
Afinal, o que isso significa?
O bolo que se forma em meu estômago me diz que isso não significa nada de bom. Pelo menos para mim. Pestanejo para afastar as lágrimas que formigam nos meus olhos. Como pude me deixar enganar? Novamente! Parecia tudo tão certo. Eu havia chegado tão perto. Angel começa a assobiar enquanto organiza sua parte do balcão. Assobiar, pelo amor de Deus! Pode dizer que estou maluca, mas acho que ela está se mostrando exultante. Assobio pode ter a ver com exultação? Humm, tenho quase certeza que sim. E tenho quase certeza que este, em particular, tem tudo a ver. Eu trinco os dentes e tento, ao máximo, ignorá-la. Fico agradecida quando Alfonso liga o som, e a música abafa a felicidade irritante de Angel . Com um rancor que parece diretamente ligado à minha sobrevivência, concentro toda a atenção no trabalho. Não consigo suportar, por nem mais
um segundo, ficar imaginando coisas.