Alfonso
Eu me levanto e vou até a estante de livros, em frente à escrivaninha, pela terceira vez. Eu havia deixado a porta do escritório semiaberta para me assegurar de que Angel estava se
comportando. Quando fui para o lado de fora, após destrancar as portas da frente, tinha a intenção de admitir que Anahí e eu estávamos juntos e depois dar a Angelum ultimato. Eu não queria que ela entrasse e aborrecesse Anahí. Mas acho que subestimei o tamanho do ego de Angel. Ela se antecipou, falando antes de mim. E, no processo, acabou me dando uma desculpa perfeita. O
segredo de anah ainda está a salvo.
— Essa garota realmente precisa de um carro novo — disse ela, alegremente, lançando os olhos ao carro de Anahí quando atravessava o estacionamento na minha direção.
— Ela não tem condição de comprar outro agora. E você não precisa sacaneá-la. Anahí está numa fase difícil. Tenho pena dela, e se você soubesse tudo o que ela está passando com a família, também teria. Portanto faça-nos um favor e recolha suas garras, certo?
Ela parou diante de mim. Olhando bem na minha cara, me fitou durante pelo menos um ou dois minutos antes de falar alguma coisa. Mesmo agora me pergunto se ela estava procurando a
verdade. E o que acabou descobrindo. Seja o que for que tenha descoberto, ela nunca admitiu que não acreditava em mim. Apenas
riu e balançou a cabeça.
— Afinal, qual foi o problema desta vez?
— Velas de ignição, eu acho.
— Acho que posso começar a dar carona pra ela, já que estaremos trabalhando no mesmo turno durante algum tempo.
— Com certeza, já que isso não a faria se sentir ainda pior — eu disse em tom sarcástico.
— Como assim? Eu posso ser legal.
— Você pode ser, mas não tem sido. Seria como esfregar sal em uma ferida, se você oferecesse carona a Anahí porque o carro dela é uma lata-velha e ela não pode comprar outro agora. Principalmente depois do modo como você a tratou.
Eu tive que trincar os dentes. Só imaginar Angel maltratando Anahí era o bastante para me deixar furioso. Mas não podia deixar que ela percebesse minha reação. Então, escondi tudo atrás
da máscara que meu rosto se tornou.
— Você está brincando? Eu paguei uma dose pra ela ontem à noite e me ofereci pra sair depois do trabalho. O que mais você quer que eu faça? Que eu doe o meu sangue para ajudá-la a comprar um carro?
— Pare de bancar a engraçadinha. Não pedi que você fosse a melhor amiga dela. Isso é problema seu. Só estou pedindo que você não a sacaneie tanto. Ela está numa fase difícil.
Angel sorriu com seu jeito sedutor que costumava nos levar a algum lugar para ficarmos nus, mas que agora não me afetava em absolutamente nada. Esperava que ela percebesse, mas seu gesto seguinte me assegurou que ela não notou nada.
— Tudo por você, chefe. — Em seguida, inclinou-se na minha direção enquanto falava. Não o bastante para esfregar o corpo no meu, mas o suficiente para que o seu peito grande roçasse em mim.
— Esta é a atitude que eu espero dos meus funcionários — eu disse, indiferente, ao me virar e voltar para a boate.
Intencionalmente, não lancei os olhos à Anahí quando voltei. Eu não queria que ela pensasse que eu tinha revelado o nosso segredo. Bem, não é exatamente o nosso segredo, já que eu não
me importo se alguém ficar sabendo. Na verdade, é o segredo dela.
Ao olhar para o bar, vejo Angel sorrindo e atendendo seus clientes. Não a vi hostilizar Anahí em momento algum. Na realidade, eu também não a vi prestar muita atenção a ela. Eu
preferiria que ela apenas ignorasse Anahí. Seria o melhor.
Estou sentado diante da mesa quando meu telefone apita, avisando o recebimento de uma mensagem de texto.
Este é o númer o do “precisa-se de ajuda nas cidades gêmeas” ?
Meu pulso acelera. É uma resposta ao anúncio.
Sim.
Minha resposta é curta. Realmente não sei o que dizer, além disso.
Por sorte estou na cidade. Estarei aí em 3 horas.
Meu primeiro pensamento é me perguntar como um perfeito estranho saberia onde menencontrar. A única informação contida no anúncio on-line, além do meu telefone, era o pequeno
texto que meu pai me fez colocar.
Precisa-se urgente de ajuda nas Cidades Gêmeas. Ponto.
Ele não diz nada sobre minha localização. Talvez o código de área do meu telefone pudesse ser usado para se obter uma posição geral, mas nada específico o bastante para, de fato, me
encontrar. A menos que haja algum tipo de rastreamento.
Você sabe onde estou?
A resposta me deixa preocupado.
Claro.
Eu já imaginava que as pessoas do passado do meu pai nos vigiavam, mas, pelo visto, o grupo é muito maior — e, com alguma sorte, muito mais amistoso, em alguns casos — do que eu
suspeitava inicialmente.
Naturalmente, tenho mil perguntas do tipo: quem são vocês, como estão ligados ao meu pai e por que têm me observado. Estou na dúvida entre perguntar agora ou esperar. Por fim, decido
que é melhor esperar. Meu pai me mandou fazer contato com eles. Tenho que acreditar que ele sabe o que está fazendo. Sei que ele nunca permitiria que algo acontecesse a mim. Entretanto,
tudo isso me deixa nervoso. Afastando esse pensamento, vejo o quanto sou grato à tecnologia. O anúncio on-line alertou
alguém. Rápido. Alguém que meu pai acha que pode ajudar. E, a julgar pelo texto curto e truncado, provavelmente não se trata de um tipo de pessoa que poderia ser chamada de um contato “simpático”. Mas este é o tipo de negócio no qual meu pai estava envolvido. Eu soube por muito tempo. Só não esperava que isso tivesse um impacto tão profundo e íntimo na minha vida.
Pego os livros da boate e examino a contabilidade, na esperança de que isso me ajude a passar as três horas seguintes. Não posso sair e ficar no bar, já que não vou conseguir tirar os
olhos de Anahí. Então fico preso aqui. Esperando. Mais ou menos uma hora depois, um pensamento que estava no fundo da minha mente vem à tona. Trata-se de algo com aspectos desagradáveis, o que provavelmente me levou a mantê-lo em segundo plano e faz parecer que não confio no meu pai, o que não é verdade. Mas acho que não confio em ninguém cem por cento, principalmente quando a segurança de Anahí está por um fio.
Pego o telefone e ligo para a pessoa que me parece a única em quem eu posso confiar e que faria tudo para me ajudar em uma emergência. Na ausência do meu verdadeiro irmão, ele se
fez presente para preencher esse vazio. Ele é o mais próximo de família que tenho.
— Cacete, você é mesmo carente! — diz a voz familiar de Caio, o gerente de meio período e amigo. Suas palavras ainda carregam um pouco do sotaque da sua infância na Austrália.
— Não é sobre trabalho, Caio. É outra coisa. Preciso da sua ajuda.
Há uma pausa. Quando Caio fala novamente, toda a animação desparece da sua voz.
— Pode falar, qualquer coisa. Você sabe disso.
— Você poderia vir à boate por algumas horas?
— Humm, sim — diz ele, meio hesitante. — Só preciso cuidar de umas coisas e dou um pulo aí depois. Daqui a uns quarenta e cinco minutos, está bem?
— Claro. A gente se vê já já.
Após desligar, chego à conclusão de que foi uma decisão acertada. Já me sinto melhor em relação à situação. Preciso do meu pessoal, pessoas nas quais posso confiar, pessoas que conheço. Entrar nisso sozinho seria uma atitude louca e irresponsável, mesmo com meu pai conduzindo tudo. Entretanto, tenho que me proteger de todas as formas. E Caio pode ser a minha carta na manga.