Alfonso
Mal consigo me controlar para não bater a porta atrás de mim quando acompanho Caio para o escritório. Estou fervendo de ódio. E Caio me conhece bem o suficiente para perceber isso.
— Eu não sabia que você estava saindo com ela, cara. Não fiz por mal.
Eu sei que ele não fez por mal. Mas isso não ajuda em nada a apaziguar a minha raiva. Ver Anahí sorrir daquele jeito para outro cara foi... foi...
— Você não pode agir assim com as funcionárias, Caio. Tem noção do tamanho do problema que você poderia causar?
Ele ergue as mãos em sinal de rendição.
— Foi mal, Alfonso. Não vai acontecer novamente. Eu não tive a intenção.
— Não faça isso de novo. Estou falando sério.
— Pode deixar — assegura ele solenemente. Após alguns segundos de silêncio, ele comete o erro número dois. — Mas caraca, essa mulher é maravilhosa!
Seu sotaque parece mais pronunciado, o que só me deixa mais irritado. É como se ele interpretasse um personagem que tenta seduzir as mulheres.
— Já chega! — eu grito.
Caio sorri e acena a cabeça lentamente, como se tivesse descoberto algo.
— Ahh, então você está saindo com ela.
— Eu não falei...
— Não precisa falar. Não se esqueça de que eu te conheço, cara. Há um bom tempo. Eu já vi você com garotas antes e você nunca deu a mínima se eu dava em cima delas.
— Você nunca...
— Nunca o cacete! Você é que nunca notou.
Não consigo sequer clarear a mente o suficiente para pensar e dizer se aquilo é verdade ou não. Mas decido que isso não importa. O que importa é que ele mantenha as mãos longe de
Anahí. E os olhos também.
— Anahí é... ela é... é só...
— Não precisa falar mais nada. De agora em diante, ela é minha irmãzinha.
Eu olho para ele. Fixamente. Nos seus olhos, vejo o meu melhor amigo. Meu sócio nos negócios. Uma das poucas pessoas no mundo em quem, de fato, confio. E sei que ele está falando a verdade.
Então balanço a cabeça.
— Tudo bem.
Caio afunda um pouco na cadeira, apoiando o tornozelo no joelho e entrelaçando os dedos atrás da cabeça. Ele está de volta ao seu velho estilo confortável.
— Afinal, o que está acontecendo? Pelo que estou vendo, deve ser algo bem importante.
Eu sei que ele está se referindo ao meu humor. Pelo menos em parte. Caio é um cara muito perceptivo. O pai dele era militar e eles viajavam muito. A família morou na Austrália durante
vários anos quando Caio era pequeno, e é de lá que vem o sotaque dele. Quando Caio era adolescente, a família vivia na Irlanda. Seu pai, de alguma maneira, se envolveu com dois grupos perigosos de rebeldes e acabou sendo morto, juntamente com a mãe
de Caio e a irmã mais velha dele. Não foi muito depois disso que ele passou a servir numa espécie diferente de forças armadas. Do tipo que não consta em currículos e que os envolvidos às
vezes morrem quando descobrem alguma coisa. Por vários anos ele foi um mercenário. Ele é um pouco mais velho que eu — deve ter uns 30 anos —, mas possui uma das melhores habilidades táticas que já vi. Ele é fodão, e fico contente por ser meu amigo e estar me apoiando. Afora seu profundo intelecto e... outras experiências, ele é piloto. Caio é capaz de pilotar
praticamente qualquer coisa que voa, de Cessnas e pequenos jatos a helicópteros. Na realidade, agora que ele não é mais um mercenário, isso é o que ele faz quando não está me ajudando na
boate — ele faz voo fretado com seu helicóptero. Eu o conheci por meio do meu pai, que usou os serviços de Caio como piloto algumas vezes quando começou a quebrar os laços com a Bratva, a máfia russa. Caio era competente e discreto, e meu pai logo viu que ele era um homem em quem podia confiar, sobretudo quando
era para fazer a coisa certa, apesar das consequências. Caio permaneceu em contato com meu pai mesmo depois que ele foi preso. Então, quando a economia despencou e o trabalho de Caio começou a diminuir, meu pai o pôs em contato comigo para conseguir trabalho extra. Nós nos demos bem logo de cara. Desde então, Caio tem sido o meu melhor amigo e a pessoa mais próxima à família “fora da prisão” que tive durante anos.
E agora preciso da sua experiência e discrição mais do que nunca.
— O que meu pai contou a você a respeito do que aconteceu?
Caio me conta o que meu pai lhe disse e vou preenchendo as partes incompletas da história na minha cabeça. Bem, para falar a verdade, a maior parte. Não menciono a morte de Miguel,nem que estou vivendo como os dois irmãos há sete anos. Esta é uma informação que eu gostaria de manter para mim o máximo de tempo possível. Este é um nível de confiança que tenho em
poucas pessoas. Na realidade, em uma pessoa. Anahí.
— Bem, você não tem a menor ideia de quem vai aparecer daqui a... — Caio olha o relógio
— vinte minutos ou algo assim?
— Nem uma pista. Meu pai deve supor ou ter certeza de que eles têm algum tipo de informação que possa me ajudar ou que eles têm algum modo de nos tirar dessa situação sem precisar abrir mão de um trunfo valioso, incomparável, ou da vida de alguém.
— Sim, fazer uma cópia está fora de cogitação. Isso é o tipo de coisa que realmente mata pessoas.
— Minha preocupação não é só com o fato de abrir mão da informação que pode livrar meu pai da cadeia. É também com o modo como essa gente age. Eles não deixam testemunhas vivas.
Nunca. Preciso encontrar algum outro modo de me assegurar de que Anahí está segura. Completamente. Definitivamente. Tenho que me livrar deles ou... Não sei. Mas preciso fazer
alguma coisa. Tenho que me assegurar de que ela está em segurança.
Caio coça o queixo.
— Isso pode ser complicado. Essas pessoas são perigosas demais para serem subestimadas. Mas você é um ótimo estrategista. Um dos caras mais inteligentes que eu já conheci. E isso é
muito importante. Trabalhei em todo o mundo com todo o tipo de gente. Você teria sido um excelente mercenário. Pode não ter muito o que fazer agora, mas quando o plano B do seu pai
aparecer aqui, você saberá mais. Você parece muito com Greg. E sabendo o tipo de homem que o seu pai, essa pessoa misteriosa vai mudar o rumo das coisas. -Pressiono os dedos entre as sobrancelhas, na esperança de parar o incômodo latejamento
atrás dos olhos.
— Espero que você esteja certo. Senão, vou ter que pensar em algo bem rápido. Só tenho até às nove e meia da manhã. Eles vão me dar trinta minutos depois que o banco abrir para eu pegar
os livros. Então irei conhecê-los.
— Mas os livros não estão no banco, certo?
— Não.
Confio em Caio, mas ainda hesito em revelar meus segredos.
— Você disse a eles qual é o banco?
— Não. Por quê?
— Bem, isso poderia favorecê-lo. Poderia lhe dar tempo. Além disso, eles não conseguirão encontrá-lo lá. Tente derrubar os truques típicos deles.
— Sim, quanto mais tempo tivermos e menos eles souberem, melhor.
— Com certeza.
Caio e eu ficamos jogando bolinha de papel um para o outro enquanto esperamos. Isso me impede de andar de um canto a outro, que é o que tenho vontade de fazer. Eu não gosto de
esperar. Não gosto de não dispor de todos os fatos. Não gosto de ser o último a saber. E, acima de tudo, não gosto da preocupação de não conseguir manter Anahí em segurança. Há muitas incógnitas, muitos elementos envolvidos, muitas variáveis. O que eu preciso é que os homens do meu pai venham até aqui, para que eu possa recuperar algum controle. Durante algum tempo depois do acidente eu fiquei muito ansioso. Só pensava em me vingar
das pessoas que mataram minha mãe e meu irmão e incriminaram meu pai por essas mortes. Porém, com o passar do tempo, quanto mais eu me tornava Miguel, mais percebia que havia um modo lícito de proceder, um modo que poderia libertar meu pai. Isso por si só valeria a pena, sem a necessidade de derramamento de sangue. Portanto, foi o que fiz. Tratei de tirar meu diploma de advogado e aprender o máximo sobre casos semelhantes para que um dia eu pudesse usar as provas pelas quais meu pai tanto se sacrificou e ver a justiça sendo feita.
Mas, agora, tudo isso está em perigo. A menos que o ás que meu pai tem na manga seja muito bom. Quarenta e quatro minutos depois, uma hora antes do fechamento da boate, um ás entra no escritório. E que ás!