Anahí
Homens esquisitos e grandões continuam entrando no escritório de Alfonso. Por isso, quando a boate fecha, fico um pouco temerosa de voltar lá. Mas vou em frente. Realmente não tenho escolha.
Estou metida numa tremenda enrascada. Ao me abaixar diante do balcão para pegar minha bolsa, ouço a porta do escritório se abrir.
Uma faixa de luz ilumina o chão e ouço vozes. Vozes baixas, graves. Meu estômago se contrai em um nó apertado.
A porta se abre um pouco mais, e o corpo grandão de Alfonso bloqueia quase toda a luz. Seus olhos imediatamente se fixam nos meus.
— Acabou?
Respondo com um gesto afirmativo de cabeça.
Ele vira para trás e fala com alguém. Então sai do escritório, atravessa o salão e tranca as portas da frente. Eu o observo, com medo de me mexer. Como não estou ocupada e todos os
clientes do bar já se foram, a tensão é palpável.
Como é que eu fui me meter nessa situação?
Antes que eu possa formular qualquer resposta, percebo que Alfonso está vindo na minha direção, com uma expressão dura e intensa.
— Vamos voltar ao escritório. Há algumas coisas que preciso contar a você.
Meu pulso acelera, e o medo corre pelas minhas veias como água gelada. Alfonso me encontra na saída do balcão, na extremidade do bar. Quando estou diante dele, ele põe a mão na parte de
baixo das minhas costas e me conduz ao escritório. Posso sentir o calor da sua mão por cima da minha blusa, e isso me conforta.
Quando entro, vejo Caio na cadeira de Alfonso, atrás da mesa. E o homem alto, com rabo de cavalo, sentado na cadeira diante dele, de costas para mim. Caio levanta os olhos e sorri.
— Aí está ela.
Sorrio para ele, embora saiba que é um sorriso nervoso. Meu rosto parece que vai quebrar de tanta tensão. Daqui a poucas horas, Alfonso irá resgatar Mia. Quem sabe o que acontecerá?Meu estômago está em ebulição, e eu me sinto nauseada. Fecho os olhos e suspiro lenta e profundamente.Quando os abro novamente, o estranho está de pé. Ele se vira na minha direção, apoia-se na
mesa atrás de si e cruza os braços sobre o peito largo. Ele tirou os óculos. E isso faz toda a diferença do mundo.
Meu coração dá um salto quando observo o castanho-mel familiar dos olhos de Alfonso. Só que não são os olhos de Alfonso. Não exatamente.Alfonso fica diante de mim e para ao lado dele.Quando olho de um para o outro, não preciso perguntar quem é o estranho, mas com certeza preciso que alguém me explique como ele veio
parar aqui, como ele está diante de mim, quando todos acreditavam que estivesse morto.
Cacete! Isso é ainda pior do que eu pensava!
— Miguel — digo baixinho, tentando parecer calma quando me sinto exatamente ao contrário.
Ele sorri, um gesto que não chega aos seus olhos.
— Parabéns. — Então olha para Alfonso. — Pelo menos esta tem cérebro.
Não sei o que ele quis dizer, mas não posso me preocupar com isso agora. Só quero descobrir o que está acontecendo, o que esperam de mim e como todos podemos sair em segurança desse
dilema absurdo e tremendamente perigoso. Todo o resto terá de esperar.
— Você parece estar muito bem para um cara morto.
— Meu irmão fez um ótimo trabalho em me manter vivo, não acha?
A amargura em seu tom de voz é inconfundível.
— Acho que sim. Você não parece muito satisfeito com isso.
— Por que eu estaria satisfeito com o fato de alguém se passar por mim?
A raiva brilha nos olhos dele. Isso me faz hesitar, mas não totalmente. Por alguma razão, com Alfonso por perto, não tenho medo dele. Eu poderia ter medo em outras circunstâncias, mas, neste momento, me sinto corajosa.
— Por que não estaria? Você ficou numa boa. Tem um diploma de advogado pelo qual não
teve que estudar, um emprego pelo qual não teve que trabalhar e uma vida que não teve que ganhar. Pelo visto, foi Alfonso quem fez a parte difícil — digo. Olho para Alfonso. Ele está me encarando. E sorri. Um sorriso largo e contente. Quase presunçoso. Seus olhos estão brilhando. Ele dá uma piscadela para mim e o rubor toma conta do meu rosto. Ele deve estar feliz por me ver apoiá-lo.
Miguel se empertiga e dá um passo à frente. Minha primeira intenção é recuar, embora ele não esteja tão perto. Mas não faço nada. Permaneço imóvel, e ele diz:
— Você poderia estar certa, principalmente se não tem a menor ideia de como foi a minha vida. Se não sabe que tive que abandonar minha identidade e ir trabalhar para criminosos em um
navio de contrabando. Não sabe que eu só podia vir à costa uma vez a cada poucos meses. Não sabe que eu tinha que andar furtivamente pela cidade, usando um disfarce, só para ver o meu
irmão vivendo uma vida boa. A minha vida. Sim, posso entender por que você acha que eu deveria estar agradecido.
A culpa toma conta de mim. Não sei o que dizer. Olho para Alfonso, que está fitando Miguel com uma expressão inflexível. Em seguida me viro para Caio, que parece entediado com toda aquela conversa. Então viro-me novamente para Miguel que, de repente, parece angustiado e consternado por trás de sua máscara de pedra.
— Sinto muito — confesso sinceramente. — Eu... eu não sabia. Eu só concluí...
O riso de Miguel é curto.
— Tudo bem, você sabe o que se diz sobre conclusões precipitadas.
Ele recua para retomar a sua posição, apoiado na mesa. Miguel não me ofende com suas palavras. Ele tem direito a elas. Tanto ele quanto Alfonso foram sacaneados, e sinto imensa pena de
ambos por tudo o que sofreram e perderam, pelo que tiveram de passar por causa de um homem que tomou todas as decisões erradas.
— Talvez depois disso você não precise mais se esconder — digo suavemente.
Miguel me olha bem no fundo dos olhos. Posso ver que ele quer acreditar que isso seja verdade,e meu coração fica apertado.
— Talvez. Talvez um dia eu possa ter a liberdade, o emprego, a vida. A garota.
Não sei se ele se refere a mim quando diz “garota”, mas seu olhar é tão intenso que me faz ruborizar de qualquer maneira.
Cacete! Ele é tão parecido com o irmão.
Alfonso se aproxima de mim e fica ao meu lado. Quando começa a falar, sua voz está tensa.
— Se fizermos tudo direitinho, talvez ambos possamos ter nossas vidas de volta. E você pode arranjar seu próprio emprego, sua vida e sua garota — fala ele.
Alfonso desliza o braço em volta da minha cintura. Quero sorrir diante do gesto possessivo. Homem tem cada comportamento tolo!
Sem dúvida a conversa precisa mudar de rumo. A tensão está me matando!
— Afinal, você decidiu o que vai fazer amanhã?
Ouço o suspiro de Alfonso.
Xiiiii!
— Acho que sim.
Ele se afasta de mim para ir até a porta e voltar, de cabeça baixa, sinal de que está concentrado.
— E então?
— Miguel dispõe de algumas... informações que podemos usar depois de entregarmos os livros em troca de Mia.
— Que tipo de informações?
Há uma pausa, durante a qual todos no recinto parecem se perguntar se vale a pena Alfonso responder à minha pergunta. Eu dou um jeito de tirá-los dessa dúvida na mesma hora.
— Se vocês estão pensando em esconder algo de mim, quando sou uma das pessoas na mira dessa gente, podem tirar o cavalinho da chuva. Vocês precisam da minha cooperação, certo?Quer dizer, eu posso ir direto à polícia e isso mudaria tudo, não é?
Odeio fazer tal ameaça. Acho que Alfonso sabe que estou só blefando, mas os outros não. Não teriam como saber.
É Caio quem fala primeiro.
— Conta a ela logo, cara. Você mesmo disse que ela é confiável.
Não vou mentir. Fico muito feliz ao saber que Alfonso disse isso. Mas também me sinto culpada pelas dúvidas que tive nos últimos dias.
— No dia do acidente, Miguel voltava da loja com provisões para a viagem. Ele parou na marina pra filmar umas garotas que estavam num iate, tomando banho de sol, fazendo topless. E,sem querer, acabou filmando o criminoso — explica Alfonso.
— Criminoso?
— É, o cara que detonou a bomba.
Chego a perder o fôlego diante do choque.
— Puta merda!
— Exatamente. Eles teriam matado todos nós se soubessem que Miguel o havia filmado. Acho que papai estava certo em não fazer nada durante algum tempo. Algo assim é muito perigoso.
— Então você vai entregar os livros e depois fazer o quê? Usar o vídeo para...
— Para nos manter vivos.
— Mas como? Vai ser como os livros, só que eles saberão quem tem o material, saberão quem pegar.
Sinto-me angustiada. Fico só imaginando os tipos de tortura que eles usariam em pessoas importantes para Alfonso a fim de se apoderarem de uma prova tão incriminatória como um vídeo.
— Não exatamente. Há algo mais em jogo. Papai me fez colocar o anúncio para duas pessoas. Miguel era uma delas. Ainda não tivemos notícias da outra. Miguel acha que o vídeo usado
em conjunto com este outro... elemento poderia ser o suficiente para nos tirar dessa situação de uma vez por todas.
— De uma vez por todas? Como exatamente?
— Eliminando a ameaça.
— O que isso significa? Parece que vocês planejam matar alguém.
— Não. Nós não.
Olho os rostos dos três homens. Eles estão todos muito sérios.
— Com certeza vocês estão brincando.
Nenhum deles sequer pisca.
— Vocês não podem estar falando sério.
Todos permanecem imóveis.
Minha cabeça gira. É exatamente como nos filmes. Mas é muito pior na vida real. Por alguns segundos, parece surreal. Não consigo aceitar a ideia de estar envolvida em algo assim. Quer dizer, isso é... isso é...
Alfonso se aproxima de mim e se curva até seu rosto ficar a poucos centímetros do meu.
— Anahí, esses caras são bandidos. E não estou querendo dizer que eles roubaram uma loja de bebidas. Esses homens são assassinos. Assassinos. E não vão parar se acharem, por um segundo, que algum de nós representa uma ameaça. Ou que poderia dar a eles algo que querem. Isso é real. E é sério.
Procuro os seus olhos. Acho, considerando o tom da conversa, que estou procurando um monstro. Mas não vejo nenhum. Só vejo o cara por quem estou completamente apaixonada. Eu me pergunto se é tarde demais para voltar atrás.
— O que você quer de mim?
Com os olhos fixos nos meus, Alfonso volta a ficar com o corpo reto.
— Vocês podem nos dar um minuto — pede ele a Caio e Miguel . Em silêncio, eles se retiram.