Alfonso
Com Anahí aconchegada a mim, não quero me mexer, de jeito nenhum. Mas preciso. A realidade — e o perigo — estarão à nossa espreita assim que amanhecer, ou seja, daqui a poucas horas.
Anahí está acariciando a tatuagem no lado esquerdo do meu peito, como ela faz frequentemente quando estamos despidos. Não sei se é um gesto tranquilizador para ela, mas é para mim.
Seus dedos começam a se mover cada vez mais lentamente, até pararem. Sua respiração torna-se profunda e regular. Ela está tão quietinha que sei que está dormindo. Tenho certeza de que está exausta. Mas não há nada que eu possa fazer em relação a isso agora. Saio debaixo dela da forma mais suave possível, mas, mesmo assim, eu a acordo.
— Descanse, gata. Volto logo.
Posso ver que seus olhos estão abertos e fixos nos meus, portanto sei que ela me ouviu. Entretanto, ela não diz nada. Apenas sorri.
Depois de ajeitar a minha roupa, saio, passando pelo escritório e chegando na boate. Miguel e Caio estão no bar, servindo-se de uísque.
— Fiquem à vontade — digo de modo sarcástico ao me aproximar.
— Ah, não se preocupe. Já estamos — responde Caio com um sorriso atrevido. Então puxo um banco e sirvo-me de uma dose, bebendo o conteúdo de um gole só. O calor provocado pela bebida é bem-vindo. Ele me faz lembrar que haverá muita dor e perda se eu não fizer tudo direitinho. Logo de primeira. Não há dúvida de que não terei uma segunda chance.
— Eu estava pensando e acho que o único lugar em que Anahí realmente estará segura é na casa da mãe dela.
— Era isso o que você estava fazendo lá atrás? Pensando na mãe daquela garota? — Miguel pergunta em tom irônico. — Se ela expressar a necessidade de um homem de verdade, manda
ela falar comigo.
— Depois de passar tanto tempo sozinho com um bando de homens em um navio, tenho certeza de que você poderia recomendar um.
Caio cospe o uísque no balcão. Miguel levanta tão rapidamente que derruba o banco no qual estava sentado.
— Qual é cara, o que você está querendo dizer com isso?
Eu me levanto também.
— Quero dizer que se você pensar em tocá-la, falar com ela ou olhar pra ela, nós vamos ter um problema muito sério, cara.
Antes que Miguel e eu possamos ficar peito a peito, Caio se interpõe entre nós. Mais uma vez.
— Não posso deixar vocês dois sozinhos de jeito nenhum, não é?
Ele dá um pequeno empurrão em nós dois, o que, vindo de Caio, é quase o suficiente para nos fazer dar um passo para trás. Quase, mas não exatamente. Caio coloca mais três doses e desliza um copo para mim e um para Miguel . Em seguida apanha o terceiro e o ergue entre nós.
— Um brinde à segurança e ao êxito. Salut!
Miguel e eu ainda estamos nos encarando, mas brindamos com Caio. É uma atitude positiva,que merece um momento para ser apreciada. Após uma breve pausa, eu pigarreio e digo de modo intencional:
— Como eu estava dizendo, acho que o único lugar onde Anahí realmente pode estar segura é na casa da mãe. Desde que seus pais se divorciaram, Anahí não tem ficado muito com ela. Elas
raramente se falam, e duvido que alguém fosse capaz de encontrá-la lá com facilidade. Aliás, nem eu sei muito bem onde ela mora. Parece que ouvi Anahí mencionar Savana, mas não tenho
certeza. De qualquer maneira, vou descobrir.
— Quer dizer que você vai mandá-la para lá, achando que eles não o seguirão? E que vai voltar a tempo? — pergunta Miguel de forma brusca. Eu trinco os dentes e tento não me ofender com seu tom.
— Não, ela irá com Caio. Eu e você vamos cuidar da negociação amanhã.
Miguel sorri de modo afetado.
— Com medo de deixá-la sozinha comigo, não é?
— Sim. Estou. Ela precisa de proteção. Da proteção de alguém competente. Por isso estou enviando Caio. Eu sei que ele é capaz de mantê-la em segurança.
Miguel revira os olhos, mas não diz nada. Pelo menos ele está aprendendo a manter a boca fechada.
Eu me viro para Caio.
— Cara, estou confiando em você.
Ele me olha bem nos olhos, e eu tento transmitir tudo que quero dizer com a minha expressão. Estou contando que ele vá me respeitar, que não vá encostar um dedo em Anahí. Estou contando
com ele para guardar os meus segredos, para manter Anahí em segurança, para fazer tudo o que for preciso para protegê-la. Isso não é um simples pedido, e ele tem consciência disso. O fato de
Caio fazer uma pausa para pensar cuidadosamente no que estou pedindo me faz sentir um pouco melhor, como se ele não estivesse fazendo pouco caso.
— Eu sei, companheiro. Você sabe que estou aqui pra te ajudar. E ajudar Anahí. Somos irmãos. — Caio estende a mão, seu braço curvado na altura do cotovelo. Quando aperto a mão dele, estamos ambos concordando em agir de forma correta um com o outro, não importa o preço. Isso não é um jogo. Ambos sabemos disso.
— Irmãos — repito.
— Espero que ele seja um irmão melhor pra você do que foi pra mim — resmunga Miguel do outro lado de Caio, ao se servir de outra dose.
Eu ignoro seu comentário.
— Vou descobrir o local exato pra onde você a levará, onde a mãe dela está morando agora. Me dê alguns minutos e depois me encontre no hotel. O que acha?
Caio concorda com a cabeça.
— Ok. É bem prudente. Apenas se certifique de que não está sendo seguido. — Eu olho para Caio, que sorri e joga as mãos para cima. — Desculpe. É o hábito. Sei que você é muito
cuidadoso.
— Sobretudo quando se trata de algo importante. — Ele assente novamente. — E esta garota com certeza é muito importante.
Não respondo. Não sei o que dizer. Ele tem razão, claro. Eu só não havia pensado nisso desse jeito, no fato de Anahí ser tão importante para mim. Mas ela é. E muito. Não há dúvida em
relação a isso.
— Apenas siga o plano à risca e faça o que eu pedir. Agindo assim, acho que conseguimos sair dessa numa boa. — Olho para Miguel , que está atrás de Caio. Ele finge me ignorar. — Posso
Caio contar com você pra fazer o que precisa ser feito?
Lentamente, Miguel vira seus olhos frios na minha direção.
— Sim, mas quando tudo acabar, e você e sua namorada estiverem a salvo, é a minha vez. A minha vez de ter o que quero.
A vingança está nos seus olhos. Posso reconhecê-la porque lutei contra essa ânsia por muitos anos. E, na maioria das vezes, perdi. Eu apenas encontrei caminhos... menos violentos de saciála.
Ou pelo menos de tentar saciá-la. Entregar estes livros vai me custar caro, mas vale a pena para garantir a segurança de Anahí. Posso começar novamente, talvez convencer Miguel a me
deixar usar o que ele tem. Não sei muito bem, mas não posso me preocupar com tudo isso agora. Esta noite, a coisa mais importante é deixar Anahí em segurança. O amanhã não tarda a chegar.
— Certo. Mas, por enquanto, as coisas são do meu jeito.
Ele me olha atentamente antes de concordar com a cabeça.