Alfonso
Estou de pé no estacionamento de um velho depósito abandonado numa parte de Atlanta, onde
qualquer pessoa diria: “Estou ferrado se for pego aqui depois que anoitecer.” Conforme as
instruções que recebi, eu deveria vir sozinho a este endereço após pegar os livros-razão no banco.
Foi o que eu fiz.
Antes, porém, fiz de tudo para mostrar que estava saindo do meu apartamento e indo a um
banco conhecido, do outro lado da cidade. Fui até o local onde ficam os cofres particulares. A
antessala não pode ser vista das outras partes do banco, portanto eu sabia que poderia levar a
cabo o meu ardil dali mesmo.
Havia um jovem muito prestativo na mesa, do lado de fora daquela sala. Falei com ele sobre
as tarifas de aluguel dos cofres e o valor dos seguros, coisas desse tipo, só para gastar tempo. Não
tenho a menor dúvida de que eles mandaram alguém me seguir, portanto caprichei na farsa. Saí
do banco depois de uns 15 minutos, ainda carregando a bolsa com a qual entrei. Quando cheguei
no carro, coloquei os livros-razão falsos no interior do veículo, para o caso de alguém ter a
brilhante ideia de me sequestrar no caminho. Mas isso não aconteceu, o que me faz pensar que
eles realmente podem estar dispostos a cooperar.
Agora, enquanto espero por... qualquer coisa que possa acontecer, minha mente está nos
Livros-razão em branco que estão no carro. Miguel está com os verdadeiros. Ele está parado na
moto, atrás de um velho gerador, a alguns metros dali, observando.
Estou aqui há seis minutos e não vi uma alma. Há apenas uma porta enferrujada à direita dos
imensos portões de hangar do depósito, mas não a verifiquei. Não vou entrar naquele prédio. Eles
estão completamente loucos se acham que sou estúpido a ponto de fazer isso. Eles que tragam
Mia para o lado de fora.
Ouço o ruído de cascalho atrás de mim e, ao me virar, vejo uma van branca vindo na minha
direção.
Minha Nossa, não poderia ser mais clichê!
O veículo para perto do prédio, e um cara gordo, meio calvo, vestindo uma jaqueta e calça
esportiva, salta do banco do motorista.
Ao que parece, a resposta é sim, pode ser mais clichê.
Ele está de costas para mim, mas não tenho dúvida de que, sob a jaqueta preta que está
usando, há uma camiseta regata branca e pelo menos um cordão de ouro no pescoço.
Evidentemente, a aparência clássica de bandido não é mais reservada a adeptos de filmes como
O poderoso chefão e Os bons companheiros.
Observo-o atravessar o chão de cascalho na minha direção.
— Trouxe os livros? — pergunta ele quando para diante de mim. O sotaque russo é forte. Não
seria difícil para quem conhece o crime organizado perceber que ele é um Bratva. Máfia russa.
— Tenho certeza de que você sabe que eu os trouxe.
De perto, posso ver como este cara se diferencia dos gângsteres de filme. Não tem nada a ver
com o seu rosto, que é marcado por cicatrizes, mas não de forma muito grotesca. Não é a sua
altura. Seu tamanho intimida, mas não muito, já que tenho a mesma altura e, obviamente, estou
em melhor forma. Não são as suas palavras. Elas são diretas e inócuas o suficiente.
São seus olhos que fazem minha mão suar. Eles são frios e insensíveis. Se algum dia eu tivesse
de descrever a alguém como são os olhos de um assassino, eu descreveria estes. Não pela cor ou
pelo formato, mas pelo que eles expressam. Eles dizem que este homem não se importa em
fazer seu trabalho e que, provavelmente, nunca se importou. São os olhos de alguém que nunca
teve alma, alguém que provavelmente veio a este mundo imaginando fazer coisas horríveis a
pessoas inocentes, até ter idade suficiente para fazê-las de fato.
Peço a Deus que estes olhos nunca vejam Anahí . Nem à distância.
— Passe os livros e eu trago a garota.
— Me deixe vê-la primeiro. Não vou entregar nada até confirmar que ela está bem.
Aqueles olhos me observam pelos dez segundos mais longos da minha vida antes que o
homem volte a falar. Sem desviar totalmente seu olhar do meu, ele vira a cabeça e grita algo em
russo. Segundos depois, uma das portas da van se abre, e Mia é jogada para fora. As mãos e
os tornozelos dela estão amarrados, sua boca está amordaçada, e seus olhos, vendados. Ela cai de
lado, sem sentidos, no chão. Ouço seu gemido e vejo suas pernas subirem em direção ao peito,
em sinal de dor. Mesmo com a mordaça e a venda nos olhos, posso ver que seu rosto está
marcado por hematomas, assim como o seu ombro, que está desnudo pela camiseta que está
usando. Parece a parte de cima de um pijaminha que a vi usar antes. Espero que seja, e que eles
não tenham lhe feito nada pior do que apenas causado aqueles hematomas. Independentemente
do fato de eu gostar ou não de Mia, ou de respeitá-la como pessoa, eu não desejaria o que
aconteceu a ela — e certamente nada pior — nem ao meu maior inimigo.
— Agora, passe os livros.
— Mande seus amigos levarem a garota para o meu carro.
— Me mostre os livros primeiro.
Eu tinha meio que imaginado que as coisas poderiam acabar dessa forma, portanto me sinto
preparado ao me virar e caminhar até o carro para pegar os livros-razão em branco. Deixo a
porta do motorista aberta, na esperança de economizar segundos valiosos, caso eu tenha de
escapar rapidamente. Levo os livros até o cara grandão e evito ficar onde eu estava antes.
Quanto maior a distância entre nós, melhor.
Levanto os livros rapidamente, em seguida volto a abaixá-los.
— Agora, mande seus amigos colocarem a garota no meu carro.
O homem abre o sorriso mais frio que já vi. Seu gesto faz com que eu me pergunte se estou
fazendo exatamente o que ele espera que eu faça. Não sei se é o caso, mas sou esperto o bastante
para saber que subestimar uma pessoa dessas é um erro fatal.
Portanto evito dar bobeira. Faço o possível para não subestimá-lo.
Ele grita para alguém atrás dele novamente, para alguém que está na van.
— Duffy , coloque-a no carro.
Vejo um cara mais baixo, uma versão mais americana que a do homem diante de mim, sair
da van, pegar Mia no colo, jogá-la de qualquer maneira sobre o ombro e carregá-la até o
BMW. Ele abre a porta traseira do carro e arremessa-a sobre o banco. Pela porta do motorista
ainda aberta, posso ouvir os soluços abafados dela. Não sei se são soluços de dor ou de alívio.
— Agora, passe os livros — repete ele, como se eu fosse uma criança teimosa com a qual ele
está perdendo a paciência.
Meu coração tenta bater num ritmo normal no momento em que entrego a ele os livros-razão
em branco. Como eu suspeitava, ele os folheia. Quando levanta os olhos frios, eles estão ainda
mais sinistros, se é que isso é possível.
— Pensei que você fosse mais inteligente. Seu pai não foi muito inteligente. Veja o que
aconteceu com ele. — O homem faz uma pausa significativa. — E com a sua família.
O fogo percorre as minhas veias quando ele se refere à minha mãe e à sua morte horrível.
— As coisas vão ser diferentes desta vez. Você vai nos deixar sair daqui com os livros e vai
me garantir, tanto da sua parte quanto da do seu chefe e de todos os seus comparsas, que
ninguém nunca chegará perto de mim, da minha família ou dos meus amigos novamente.
Porque se isso acontecer, os livros serão o menor dos seus problemas.
— O que o faz pensar que vou fazer isso?
— Porque nós temos o vídeo. Um vídeo muito incriminador do assassino, nas docas, naquele
dia, há sete anos. Um homem que pode ser diretamente ligado a Slava. — Slava é a célula líder
d a Bratva no sul. — Agora, eu posso prometer que, enquanto todo mundo que eu conheço
permanecer seguro, este vídeo nunca virá à tona. Mas se...
O celular toca no meu bolso. Meu coração dá um salto. Deve haver algum problema. Um
bem grande. Todo mundo sabia claramente quando este número poderia ser usado: apenas em
último caso.
Meu estômago se contrai em um nó apertado.
Anahí .