Anahí
Quando começo a recuperar os sentidos, ouço um estouro alto seguido de um estrondo contra a
parede. Eu me lembro de onde estou, de que estou sendo mantida em cativeiro... em algum
lugar. E de um modo vago, impreciso, me lembro imediatamente do medo que tomou conta de
mim quando o pano foi colocado no meu rosto novamente, na última vez.
Reconheço o barulho como o disparo de uma arma. Sei que é estranho, mas minha primeira
reação não é de medo, e sim de alívio, alívio por conseguir ligar o barulho à sua fonte, por fazer
rapidamente a associação.
Isso deve significar que o meu cérebro, até certo ponto, ainda está funcionando. Ainda não virei
um vegetal.
Ouço um segundo tiro. Este provoca uma reação mais lógica. Medo. Não, não é medo.
Terror. Meu pulso acelera. A sensação é agravada pelo fato de não conseguir me mover, muito
menos de fazer qualquer coisa sobre o que quer que esteja acontecendo. Percebo que estou
indefesa e que provavelmente meu destino será decidido sem que eu ao menos consiga falar de
forma coerente.
Onde está Rachel quando mais preciso dela?
Mentalmente, estou rindo. Como um observador curioso, uma parte de mim teme que eu
esteja menosprezando as coisas diante de uma situação tão séria.
Será que estou ficando maluca? Alguma parte disso é real?
Esforço-me para abrir os olhos. Exausta, pisco várias vezes. Um reflexo brilhante no teto
flutua na minha visão, me incomodando. Fecho os olhos para dar um único suspiro e, em seguida,
luto para abri-los mais uma vez.
Ouço barulhos novamente e o som de passos pesados. Meu coração bate desesperado no peito
quando o pânico se instala.
Eles estão vindo me pegar! Ah, meu bom Deus, eles estão vindo me pegar!
Tento reunir cada grama de força que resta no meu corpo sedado, levanto a cabeça do
travesseiro achatado e fedorento e olho da esquerda para a direita. Estou em um quarto pequeno
com pouca mobília. Sozinha. Há uma janela à minha esquerda.
A sensação das lágrimas no meu rosto é menos intensa que a percepção da visão turva
causada por elas. Se eu pelo menos conseguisse chegar até a janela... e ir para o lado de fora...
para a liberdade...
Talvez alguém me ajudasse...
Então respiro fundo, dobro os cotovelos e uso os braços para impulsionar meu corpo e ficar
em uma posição um pouco mais ereta. Porém, como se fossem feitos de gelatina, eles
esmorecem no instante em que tento apoiar meu peso sobre eles. Tento uma segunda vez, em
vão.
A inutilidade dos meus esforços e a desesperança da minha situação me afligem novamente.
Só que desta vez, quanto mais tempo estou acordada, sem o pano embebido em droga
pressionado contra o meu rosto, mais clara se torna a minha mente. E mais apavorada eu fico.
Eu digo a mim mesma que vou continuar tentando quando ouço um barulho na porta, do outro
lado do quarto. As lascas de madeira voam quando ela é arrancada das dobradiças por um corpo
lançado para dentro. Minha mente se esforça para entender o que estou vendo.
Um homem alto, magro, de cabelos castanhos encaracolados cai no chão, fazendo um ruído
surdo, na frente da cama. Olho para a porta, com o coração na garganta, e vejo a alucinação
mais maravilhosa que poderia imaginar.
É Alfonso, parado como uma nuvem de trovão, bem diante de mim. Seu rosto está pintado com
faixas pretas e seus lábios estão contraídos de raiva. Ele parece feroz. Parece assassino.
Parece o paraíso.
Por uma fração de segundos, seus olhos encontram os meus. Vejo raiva, determinação e a
expressão de quem está a um passo de perder as estribeiras. Mas também vejo alívio e algo que
me deixa comovida. Então sua atenção se volta para o pé da cama.
Eu o vejo ajoelhar-se e ouço seu rosnado tal qual o de um animal quando seu punho sobe e
desce, repetidas vezes. A sequência violenta dos golpes me deixa nauseada. A imagem que vem
à minha mente é a de um rosto ensanguentado e deformado sobre as tábuas do soalho, levando
socos do punho forte e pesado de Alfonso. Mas sequer sinto pena do homem. Na realidade, se eu
conseguisse me mover, eu até ajudaria a meter porrada nele.
Alguns segundos depois, Alfonso fica de pé e se aproxima da cama. A cena inteira tem um ar
surreal até ele se agachar, ficar com o rosto na altura do meu e estender a mão para tocar
suavemente a minha face, com a ponta do dedo.
— Você está bem? — sussurra ele. Seu rosto é uma máscara de agonia. Posso ver a culpa
consumi-lo. Ele se culpa por tudo isso.
— Agora estou.
Ele fecha os olhos por um breve momento. Quando os abre novamente, posso ver sua alma.
— Ah, meu Deus, Anahí , eu não sabia... Pensei... Se algo acontecesse a você...
— Eu estou bem — digo, sem saber ao certo se de fato estou. Apenas sinto uma necessidade
enorme de acalmar Alfonso e aliviar um pouco a sua dor.