Fico desanimada quando ouço aquela voz. Então lanço os olhos a Alfonso. Mesmo do outro lado
do quarto, percebo que ele fica tenso.
Meu primeiro pensamento é o de me esconder debaixo das cobertas, o que, naturalmente, não
é uma opção. O melhor que posso fazer é me sentar numa posição decente e assumir a situação
como mulher, uma mulher madura o suficiente para tomar suas próprias decisões.
Minha mãe para na entrada do quarto e fita Alfonso e Miguel . É um olhar furioso e fulminante, que
faria as minhas bolas encolherem. Se eu tivesse bolas, claro. Acho que estou praticando a
empatia, compartilhando a sensação de ter as bolas se encolhendo. Não é uma sensação nada
boa.
Miguel dá um pequeno passo para o lado, para se afastar, quando ela entra no quarto. Alfonso não
move um músculo, exceto para estender a mão.
— Sou Alfonso Herrera . Você deve ser a mãe de Anahí .
— E por que você acha isso? Tenho certeza de que ela não falou nada a meu respeito. Se
tivesse falado, você pensaria melhor antes de fazer uma palhaçada dessas com ela.
— Basta conhecer sua filha. Isso já depõe a seu favor, por você ter dado à luz e ajudado a
criar alguém como ela.
— Se você tem tanta consideração com Anahí , por que ela está nessa situação?
— Ela está nessa situação porque é uma boa pessoa e quis ajudar alguém. Quis me ajudar.
Ela está aqui porque estou tentando mantê-la em segurança.
— Bem, até agora você fez um ótimo trabalho — diz minha mãe com raiva, empurrando-o
para passar e chegar mais perto de mim. Vejo Alfonso trincar os dentes antes de sentir a mão dela
no meu queixo, meu rosto sendo examinado. — Você está ferida?
— Não, mãe. Eu estou bem. Alfonso e Caio me encontraram e cuidaram de tudo.
— Alfonso, Caio, Christopher. Onde você conhece esse monte de lixo? Pensei que sair de Salt Springs
seria bom pra você, mas você deve ser o tipo de garota que gosta disso... não importa onde more.
— Mãe, não fiz...
— Vejo que a mãe de Anahí chegou. — Dou uma olhada na porta. Caio também apareceu.
Da próxima vez, vou a uma festa com uma toga improvisada. Assim, vou ser a única pessoa
vestida apropriadamente no ambiente.
— E você! Para começo de conversa, foi você quem meteu minha filha nessa confusão. Se
você simplesmente a tivesse levado à faculdade, como ela havia pedido...
Caio abaixa a cabeça diante do comentário, principalmente porque ela tem razão.
— Você não pode culpá-lo por isso, mãe. Ele pensou que estava fazendo a coisa certa. E
obviamente estava, já que foi lá que eu fui atacada.
Minha mãe volta seus olhos frios na minha direção.
— Francamente, você não tem vergonha? Nem orgulho? Nenhum senso de amor-próprio?
Deixar que gente assim diga o que fazer, metendo você em confusão? Prostituindo-se com
homens como estes?
— Chega! — grita Alfonso atrás dela. — Anahí pode ser sua filha, mas isso não lhe dá o direito
de falar assim com ela.
— Ah, dá sim. A única pessoa errada aqui é você. Suponho que você seja o cara com quem
ela anda transando. Você é o cara que anda destruindo a honra da minha filha? Não a respeita o
bastante para se casar com ela. Apenas a usa como uma piranha qualquer.
— Não a estou usando. E eu...
Minha mãe aponta o dedo trêmulo diante de Alfonso de forma autoritária e o interrompe.
— Não estou interessada nas suas desculpas. Estou aqui para pegar minha filha e tirá-la da sua
vida. Vou pedir encarecidamente que você fique fora disso. — Ela se vira para mim e ordena: —
Agora vista-se. Você vai pra casa comigo.
— Não vou não, mãe. Vou ficar aqui. Sou adulta. Você não pode continuar me tratando assim.
— Enquanto você continuar agindo dessa forma, vou continuar tratando você assim.
— Agindo de que forma? Tudo bem, cometi alguns erros, fiz algumas escolhas erradas. É tão
terrível assim? Tão anormal? Você cometeu erros e olhe só pra você. Acha que eu tomaria as
mesmas decisões que tomou para me tornar fria, infeliz e sozinha?
— Não sou nenhuma dessas coisas, Anahí .
— É sim, só que não sabe. Você escolheu o homem perfeito, que te deu a casa perfeita, o
carro perfeito e a vida perfeita, mas você é infeliz. Você amava o papai, mas de alguma forma
meteu na cabeça que ele não era bom o bastante, que a vida em uma fazenda não era boa o
suficiente. Bem, não sou você, mãe. Prefiro uma vida cheia de amor e felicidade a todo o
dinheiro do mundo.
— Por mim tudo bem, mas se você acha que alguém como ele — diz ela, apontando para
trás, por cima do ombro, em direção a Alfonso — é o homem que tem condição de te oferecer
alguma coisa além de sofrimento, pense novamente.
— Mãe, ele arriscou a própria vida pra me salvar.
— Foi ele quem colocou você em perigo.
— Não, eu me coloquei em perigo. Eu sabia do risco, mas quis ajudar.
— O que poderia ser tão importante que a levaria a fazer algo tão estúpido, Anahí ?
— A vida de uma pessoa, mãe.
— Alguém que você nem conhece. Estou certa?
Faço uma pausa.
— Sim, mas...
— Mas nada. Essa foi mais uma decisão que mostra que você é incapaz de se cuidar. Por isso
vou te levar daqui.
— Fiz por amor, mãe. Fiz por Alfonso. Porque eu o amo. Era importante pra ele,
consequentemente, era importante pra mim. Por que você não consegue entender isso?
— Ah, entendo muito bem. Isso só mostra que você escolheu outro príncipe que a fará sofrer
e depois vai te abandonar quando você não for mais uma distração. Ele é desprezível,
exatamente como...
— Mãe, pare! — grito. Ela recua, como se eu a tivesse esbofeteado. — Nem todo homem que
tem certa aparência, que se veste de certa maneira ou age de certa forma é assim. Toda a minha
vida você tentou me direcionar para o tipo de homem com o qual você queria que eu ficasse.
Sempre me fez sentir que eu tinha algum problema por gostar de qualquer um com uma moto,
um carro possante ou que tocasse em uma banda. Mas não havia nada de errado com eles, mãe.
Eles simplesmente não eram pra mim. Eu não queria ficar definitivamente com nenhum deles.
Não mais. Mas você não vê isso. Não vê isso agora e não viu antes. Você nunca conseguiu ser
uma mãe normal, que abraça a filha quando ela chora e diz que um dia ela vai encontrar o
homem certo, que um dia o amor vai valer a pena. Isso estava além da sua capacidade. Você
tinha que fazer de tudo, em cada oportunidade possível, pra me convencer de que o único modo
de ser feliz seria com um homem como Ly le, que é tão concentrado no trabalho e no dinheiro
que não tem tempo para o amor. Mas, mãe, se amar significa se arriscar a ser magoada, então
estou numa boa. Porque finalmente, pela primeira vez, achei alguém que merece o risco. Eu não
trocaria Alfonso por nada nesse mundo, mãe. Alguma vez ocorreu a você que eu precisei de todo
aquele sofrimento, de todas aquelas lágrimas, de todas aquelas tentativas fracassadas para ser
capaz de reconhecer algo verdadeiro quando o encontrasse? Você não pode apenas ficar feliz por
mim e nos deixar em paz?
O silêncio absoluto se instala no quarto. Minha mãe está me olhando como se eu tivesse
esfolado seu coelho de estimação para usar como um chapéu. Mia está carrancuda. Miguel
parece entediado. Caio está sorrindo. E Alfonso parece... que está vindo na minha direção.
Seus olhos estão fixos nos meus conforme ele se aproxima. Ele para bem na frente de minha
mãe. Em seguida me olha por alguns segundos antes de curvar os lábios em um sorriso satisfeito,
que se abre mais ainda quando ele se inclina para mim. Acho que ele poderia rir, mas fica sério
quando estende a mão para tocar meu rosto.
Então me beija. Não é um beijinho. É um beijo pra valer. Um beijo realmente pra valer. Um
beijo que outras pessoas não deveriam estar testemunhando, sobretudo quando estou usando
apenas um lençol para me cobrir.
— Adoro quando você fica enfurecida — diz ele, depois de afastar os lábios dos meus. Seus
olhos estão brilhando como lascas de ônix quando procuram os meus. De maneira delicada, ele
roça os polegares nas minhas bochechas e sorri novamente. Seu sorriso brilha no meu rosto como
o sol, um bálsamo aquecedor. Então, lentamente, ele toma a minha mão e entrelaça os dedos nos
meus, depois se empertiga e se vira para minha mãe.
— Ela vai ficar aqui. Você pode visitá-la sempre porque é a mãe dela, mas, agora, acho que
seria melhor se fosse embora. Vou cuidar bem dela. Dou a minha palavra. Isso pode não
significar muito pra você, mas significa muito pra mim. E pra sua filha também.
Minha mãe olha para mim e para Alfonso algumas vezes antes de se virar e imobilizar todos no
quarto com seu olhar frio e orgulhoso. Com um sorriso tenso, ela fala comigo enquanto caminha
em direção à porta.
— Certo. Se é assim que você quer, Anahí , vá em frente e destrua sua vida. Só não venha
chorando me procurar quando tudo tiver acabado.
— Amo você, mãe, mas deixei de pedir sua ajuda há anos. Nunca me serviu pra nada.
Ela acena a cabeça uma vez, num movimento arrogante, antes de se virar e se retirar
lentamente, sem deixar nada atrás de si, exceto o perfume caro, o ar frígido e alívio geral.
Ninguém diz nada durante alguns minutos até Caio quebrar o silêncio tenso.
— Caraca, que megera. Acho que só agora as minhas bolas voltaram ao normal.
Todos nos entreolhamos e, em seguida, caímos na gargalhada, inclusive Mia. Eu me vejo
prestando atenção nela. Ela parece não tirar os olhos de Miguel . Fico me perguntando se ela
realmente mudou, se esta nova Mia ficará assim por muito tempo ou se a bruxa má a
expulsará com sua vassoura diabólica de maldade e destruição. Só o tempo dirá, mas espero que
esta garota tenha vindo para ficar.
O toque de um celular interrompe o momento. O som vem da cômoda de Alfonso. Ele solta a
minha mão para pegar o aparelho. Eu o vejo apanhar seu celular pessoal, não um dos
descartáveis, e olhar a tela do telefone. Sua testa se franze ao atender a ligação. Fico
imediatamente preocupada quando ele sai do quarto. Ouço a porta do escritório se fechar atrás
dele. Meu estômago se contrai em um nó de medo.
Durante apenas um momento, fui capaz de esquecer o risco que ainda estamos correndo.