Enquanto isso, eu fico parado, vendo-a se afastar, me sentindo um babaca, espumando de raiva.
— Você não vai sem mim — diz Miguel em tom firme.
— Nem sem mim — diz Caio.
— Não vou é o cacete! Alguém tem que ficar aqui pra tomar conta de Anahí . E eu não posso
fazer isso.
— Então vai ter que ser o Caio, porque eu não vou ficar aqui pra ser interrogado por aquela
advogada, prima da Anahí . Não vou responder a perguntas que Mia deveria perguntar a você
— reclama Miguel .
Não foi fácil convencer Mia a voltar à boate mais tarde. Prometi que ela poderia falar
com Miguel a noite toda se quisesse, mas que agora não seria um bom momento. Ela foi embora
de má vontade. Não tenho a menor dúvida de que ela estará de volta assim que a boate abrir.
Obviamente, Miguel acha a mesma coisa. Parece que ele ainda é um cara perceptivo. Embora
tivesse acabado de conhecê-la, ele foi capaz de perceber que Mia era teimosa como um pit
bull. Esta provavelmente é uma das características que fazem dela uma boa advogada.
Por alguns segundos, analiso a ideia de deixá-lo ir comigo. Excluindo-se as hipóteses mais
pessimistas (como a desse cara misterioso meter uma bala nas nossas cabeças), seja como for,
talvez a companhia dele seja uma boa ideia. Dispor de alguma ajuda nunca é demais.
— Tudo bem. Miguel irá comigo. Caio, você fica aqui e cuida da Anahí . — Posso ver que ele
não gosta da ideia, mas fará o que eu decidir. Ele concorda com a cabeça. — Cara, você sabe
que não confio em ninguém mais para protegê-la. E sabendo o que você já fez por ela...
Isso o abranda um pouco. Nós, homens, temos o nosso ego, afinal de contas.
— Eu sei, cara. Vou mantê-la em segurança.
— Espero que dessa vez você faça um trabalho melhor — diz Miguel fazendo um aparte, em
tom sarcástico. Caio dá um sorriso, mas é um sorriso frio. Miguel não o conhece o suficiente para
saber que está pisando num terreno perigoso. Caio pode dar aquele sorriso no mesmo instante
em que aponta uma arma na cabeça da pessoa. Meu pai costumava falar sobre seu modo de
agir. “Frio como gelo”, ele diria sobre Caio. De resto, eu o acho um cara legal. Ele é só um
cara legal que mataria alguém que o contrariasse, ou a seus amigos ou sua família. Só isso.
— Ouça o meu conselho, Miguel — digo, olhando para ele seriamente. Ele ergue as
sobrancelhas, curioso. — Não o irrite. Você pode se arrepender.
Ele acena a cabeça casualmente, enquanto lança os olhos para o lado, na direção de Caio,
que ainda está sorrindo.
— Muito bem, portanto este é o plano. Miguel e eu iremos ao encontro, você fica aqui com
Anahí . Eu volto assim que puder.
— Certo.
Miguel e eu decidimos ir separadamente, a título de prevenção. É impossível prever tudo, mas não
consigo deixar de ficar um pouco desconfiado de... bem, de todo mundo, na verdade. Estou
tentando ser realista sobre a probabilidade de estar prestes a me encontrar com um criminoso. E
criminosos são imprevisíveis. E se este decidir aprontar alguma coisa, contar com um segundo
meio de fuga é uma atitude inteligente.
Antes de sairmos, salvei o número do cara que ligou em um dos telefones descartáveis que eu
tinha comprado. Estou no carro, portanto vou poder ouvi-lo claramente. Miguel está me seguindo,
na minha moto.
Quando estamos na estrada há alguns minutos, eu disco o número.
Ele atende no primeiro toque.
— Encontre-me no estaleiro da Ronin Shipping Company daqui a vinte minutos. — Ele
desliga. De novo.
Merda, isso me irrita pra cacete.
Mas eu trinco os dentes e deixo passar. Não tenho escolha. Tento manter a atenção na estrada
enquanto introduzo a informação no GPS do carro. Ele me aponta o caminho de volta, na direção
da boate. Então pego o primeiro retorno. Miguel está logo atrás de mim.
Menos de vinte minutos depois, chego no portão de entrada do que parece um grande
cemitério de barcos comerciais. Posso ver os enormes contornos das embarcações, como
espíritos escuros, no nevoeiro.
Olho o portão fechado e a cerca alta em toda a volta do terreno, me perguntando como é
possível entrar naquele lugar. Porém, antes que eu possa saltar para falar com Miguel , o portão faz
um ruído metálico e desliza, lentamente, para a esquerda.
Abaixo a janela do carro. Em estado de alerta total, os sentidos tentando captar todos os sons e
movimentos, avanço lentamente com o carro no estacionamento lotado. O nevoeiro é um
elemento a mais na sensação ameaçadora do encontro. Os faróis penetram a névoa, mas só me
dá a visibilidade de alguns metros à frente. Acrescente a isso a sensação claustrofóbica criada
pelos barcos, que se agigantam de ambos os lados, e temos um cenário completamente
assustador.
Piso no freio quando os faróis iluminam uma pessoa de pé, no meio do caminho. O homem se
ajusta perfeitamente ao cenário da noite. Ele está usando uma capa de borracha, velha e preta, e
um boné, também preto, desbotado. Só falta um gancho no lugar de uma das mãos. Ou um
exército de mortos. De uma maneira ou de outra...
Paro e espero para ver o que ele vai fazer. Ele acena com a mão — ainda bem que não é um
pedaço brilhante de metal curvo — e faz um gesto para que eu vá adiante. Eu o sigo. Atrás de
mim, vejo o farol da motocicleta. Miguel está me seguindo de perto.
Atitude inteligente.