O vulto encapuzado nos leva a uma pequena estrutura, semelhante a uma cabana. Talvez
fosse um lugar usado para estabelecer comunicação com operadores de guindaste, ou algo
assim. O homem se vira para mim e faz um gesto para que eu entre. Coloco o carro no modo
PARK e desligo o motor. Saio de trás do volante com os músculos tensos e prontos para darem
umas porradas, se necessário.
Miguel surge à minha esquerda. Eu olho para ele. Sua expressão é séria e mortal. Se não o
conhecesse, eu o acharia intimidador. Bem, não pensaria isso. É preciso muito para me intimidar.
Mas posso ver porque outras pessoas poderiam achá-lo desconcertante. Eu fico me perguntando
o que aconteceu que o fez ficar assim. Ele é tão diferente da criança que conheci.
Acho que ambos somos.
Nós nos aproximamos da porta da cabana. O cara entra e senta na cadeira, atrás de um painel
cheio de botões e alavancas. Em seguida, tira o chapéu e olha diretamente para Miguel .
Eu o reconheço imediatamente; suas feições avermelhadas, o rosto inchado, cabelo castanho
farto e olhos azuis impassíveis. Eu o tinha visto hoje, mais cedo.
Como o ataque de uma cobra, Miguel cola uma arma no rosto do cara. E eu não o reprovo, nem
um pouco, por isso. Mas preciso saber o que está acontecendo antes de permitir que Miguel ponha
uma bala na cabeça dele. Preciso saber por que papai envolveria Duffy nisso, como ele poderia
nos ajudar.
Ouço o suave clique da trava e percebo que Miguel está prestes a perder o controle.
— Miguel , não! Temos que falar com ele primeiro.
— Não precisamos de nada desse cara além de sangue. Muito, muito sangue. — A voz dele é
sinistramente calma.
— Temos que saber o que ele possui que nosso pai acha que precisamos e acredita que nos
pode ser útil.
Pela primeira vez, Duffy, que não parece nem um pouco incomodado pela arma no rosto,
fala alguma coisa.
— Eu era amigo do seu pai. — O sotaque russo é tão discreto que mal dá para perceber.
Mesmo assim, posso notá-lo. Ele deve morar nos Estados Unidos há algum tempo.
— Então você deve morrer por ser um traidor, além de um assassino.
— Talvez por ser assassino, mas nunca por ser traidor. Eu era amigo do seu pai e da sua mãe.
Um amigo leal. Eu sabia o quanto Greg queria sair disso. E não para o bem dele. Era por vocês.
E por Lizzie.
Ouvir aquele homem falar o nome da minha mãe me tira do sério. É como ouvir o próprio
diabo sussurrá-lo.
— Bem, você certamente provou isso quando instalou os explosivos no barco e depois acionou
o gatilho, não é?
— Não era para vocês estarem lá com os suprimentos tão cedo. Eu não tinha como saber que
ela estaria naquele barco.
— Talvez você não devesse ter explodido o barco, pra começo de conversa. Acho que seria
esse o comportamento de um amigo — rosna Miguel .
— O seu pai sabia que eu precisava fazer aquilo, para manter as aparências. Ele sabia que os
caras desconfiariam de todo mundo depois do desaparecimento dos livros .
— Os livros ? Foi você que entregou os livros a ele?
Duffy acena a cabeça e eu me sinto enojado. Quanto mais descubro sobre a minha família,
sobre o meu pai e seus negócios, mais quero ficar fora de tudo, longe de tudo. Longe dele. E
provavelmente de Miguel também.
— Pergunte a si mesmo: se o seu pai realmente não confiasse em mim, ele teria me
chamado, dentre todas as pessoas, para ajudá-lo?
Ele tem um bom argumento, mas ainda não confio em uma palavra do que ele diz. Para falar
a verdade, está sendo difícil entender toda essa merda. Há pouquíssimas pessoas em quem
confiar e muitos criminosos. Há pouquíssimas respostas e muitas mentiras. Muitas, muitas
mentiras.
— Realmente não sei. A única pessoa na qual confio agora é em mim mesmo. Portanto, acho
que o que você deve fazer é nos dizer como pode ajudar e dar o fora daqui. Porque uma coisa eu
posso garantir, na próxima vez que qualquer um de nós o vir, estaremos vendo os seus miolos
também. Espalhados pelo chão.
Duffy acena a cabeça.
— Acho justo. — Sua maneira dócil realmente parece a de alguém que teve de conviver com
a culpa por muitos anos. Assim como o comportamento irracional e meio arrogante de Miguel
parece o de alguém que teve de conviver com criminosos por muitos anos. Criminosos e uma
sede insaciável de vingança.
— Bem, então, por que você está aqui?
— Vou chantagear Anatoli, o braço direito da Slava, para me devolver os livros . Ele é o único
em quem a Slava realmente confia.
— E você acha que quaisquer provas incriminatórias que você tenha contra ele serão o
bastante pra conseguir que ele faça isso?
— Sim, acho. É o suficiente para me matar também. Mas eu devo isso ao seu pai. Ele poderia
ter me dedurado, poderia ter dito a eles que eu tinha pegado os livros , mas ele não fez isso. E,
como forma de agradecimento, eu matei a esposa dele. Eu devo isso a ele, ter essa oportunidade.
— Eu diria que deve mesmo, seu cretino asqueroso — cospe Miguel .
— Mas assim que eu entregar os livros , vocês precisam estar preparados para agir
rapidamente. Posso dar a vocês um pouco mais de assistência, fornecendo algumas listas
importantes que ajudarão a juntar as peças do seu caso, mas o resto é com vocês. Se perderem
esta oportunidade, não há nada que eu possa fazer para ajudá-los, exceto assistir ao enterro dos
dois.
— É bom que você saiba que não acreditamos no que você diz, nem por um decreto, certo?
Duffy acena a cabeça uma vez.
— Vá falar com seu pai. Só tenha cuidado com o que diz. Eles têm gente em todo lugar. Como
você mesmo tem visto.
Ele tem razão. Tenho visto isso mesmo. Da forma mais difícil.
— E depois?
— Depois entrarei em contato, quando tiver os livros e as listas. Depois disso, vocês não terão
notícias de mim novamente.
— Só espero que isso signifique o que eu acho que significa — zomba Miguel .
— Significa que vou desaparecer, de um jeito ou de outro. Este país não será mais seguro para
mim. Para a minha família...
— Ah, dá um tempo, compare sua vida com a minha. Por sua causa, esta é a família que me
resta — grita Miguel furioso.
— Então ficaremos quites. Não vou dever mais nada à sua família.
— Você vai sempre...
— Miguel — digo para contê-lo. Não faz sentido fazer ameaças enquanto não falarmos com
nosso pai. Se pudermos usar esse cara e isso mantiver Anahí em segurança, preciso deixar essa
possibilidade em aberto, por mais que seja desagradável. Anahí merece isso. — Precisamos
falar com nosso pai.
Eu olho para ele, torcendo para que entenda o que quero dizer com o meu olhar. Quando ele
respira fundo e cerra firmemente os dentes, vejo que percebeu. Ele sabe que é assim que tem
que ser, se quiser saciar a sua vingança.
— E é bom você saber que eu não tinha ideia de que era a sua namorada que eles haviam me
mandado pegar. Eu sabia que pegaria uma garota chamada Anahí Townsend, e que ela seria
usada para conseguir alguns livros antes de ser... descartada. Eu não sabia que era você até vê-lo
no armazém.
Agora posso compartilhar os sentimentos de Miguel um pouco mais. Fico puto. Só consigo
pensar que esse cara ia raptar Anahí . O fato de não ter sido ele quem a levou, de ele ter levado
Mia em vez disso, não faz diferença. A questão é que ele pretendia raptar e, em seguida,
matar Anahí .
— Calma aí, mano. Espere até falarmos com nosso pai, certo? — Há um sarcasmo
presunçoso na voz de Miguel . Eu deveria saber que ele gostaria disso. Mas, no momento, não dou a
mínima. Estou me esforçando, com todo autocontrole que possuo, para não espancar esse
homem até a morte e ver seu sangue jorrar por todo o seu rosto e escorrer pela sua camisa
conforme bato nele sem parar, até me sentir melhor até parar de visualizá-lo com uma arma
apontada para a cabeça de Anahí .
Eu me viro e saio da cabana. Preciso de ar. De muito ar e muito espaço. Ficar tão perto do
homem que, não só matou minha mãe, mas que planejava fazer a mesma coisa com Anahí , é
demais, e não consigo suportar isso sem querer cortar a garganta dele. Mas sou inteligente o
bastante para saber o momento em que meu controle está se esvaindo. Então, cair fora é a minha
única opção. Vou deixar Miguel me seguir quando ele terminar. E se ele matar o homem depois
que eu sair, paciência. Encontraremos outro caminho.
Espero.