MENTIRAS. MENTIRAS. Tudo mentira.
Arrastei-me pela casa na manhã seguinte em busca de café, perguntando como poderia
ter inventado tal mentira deslavada sobre não ser do tipo casadoira. O que havia
acontecido comigo desde que conheci Alfonso que me fazia comportar-me como uma pessoa
completamente diferente?O sol do início da manhã se derramava na cozinha de um painel de janelas altas a leste.Um aparador elegante perto da copa exibia todos os elementos essenciais para fazer café,desde uma cafeteira supermoderna até o pote de açúcar.Eu já havia tomado banho e me vestido com a camisa e os shorts que Alfonso me dera no meio da noite, quando invadimos a cozinha para um lanche. Demos cereais um na boca do outro e tentamos transformar os pedacinhos em uma linguagem de estilo hieroglífica.Achei bem divertido ficar escrevendo coisas safadinhas no abdôme nu dele antes de eu…Bem, basta dizer que tentei retribuir a imensa quantidade de prazer que ele tinha me ofertado na cama.A julgar pela reação de Alfonso, acho que desempenhei a tarefa muito bem.Agora, à espera do café coar, passeava descalça pela enorme cozinha.Alfonso tinha escolhido este lugar para nós na noite passada por causa do pátio privativo e da vista.Eu tinha de admitir, a outra metade vivia bem.
– Fugindo de mim já? – A voz de Alfonso me assustou quando ele entrou na cozinha e
falou.Girando perto da janela pitoresca, onde eu estava sonhando acordada, captei seu visual
sem camisa. Ele tinha tanquinho mesmo. Maite estava cem por cento correta.
– Eu poderia fugir, se você não tivesse café – provoquei, apontando para a chaleira, onde
um arabesco de vapor flutuava. – Mas sou uma prisioneira da cafeína. Agora você não vai
me tirar daqui até que o café esteja pronto.
– Excelente notícia. – Alfonso chegou mais perto, um par de jeans velhos caindo baixo nos
quadris estreitos.Era tudo que eu podia fazer para não lamber meus lábios.
– Hum. – Distraída, tentei lembrar do código que criamos com os cereais para: “Vamos
ficar nus.”
– Posso fazer uma observação? – Ele tirou duas canecas de um armário e as colocou
em cima do balcão.
Algo em seu tom de voz desencadeou um pouco de cautela. Ele parecia mais solene
esta manhã. Isso me deixou tensa, porque não estava pronta para que a coisa toda
acabasse. Não tinha tivemos momentos maravilhosos juntos?
Não me esforcei manter as coisas descomplicadas?
– Hum, com certeza. – Sorri até minhas bochechas doerem.
– Você não gagueja quando está comigo. Em especial recentemente.
– Ah. Certo. – Eu não estava esperando por isso. Relaxei um pouco, sentando-me em um
banco embutido perto de uma mesa de canto. Tamborilei os dedos na mesinha em estilo
vintage.
– Você reparou? – Ele pegou a garrafa e encheu as canecas.
– Na verdade, não gaguejo muito perto de pessoas com quem fico à vontade. – Embora
só de pensar em minha gagueira minha língua já ficasse um pouco viscosa, como se fosse
tropeçar nela mesma a qualquer momento. Obriguei-me a falar mais devagar. – Tem mais
a ver com situações novas ou pessoas novas… se eu sentir qualquer tipo de pressão ou
preocupação.
Ele franziu o cenho.
– Então quando nos conhecemos… Eu estava deixando você nervosa?
Lembrei-me de meio que ter contado uma mentira a ele sobre isso, dizendo que eu não
tinha ficado nervosa. Mas que diferença fazia agora?
– Eu…– Respirei fundo quando ele colocou o açucareiro e uma colher na minha frente. –
Eu gostei de você.
Fiquei vermelha e me senti ridícula. Como se minha quedinha por ele fosse uma
novidade.
– Você disse o verbo no passado. – Ele sentou-se na minha frente e misturou o açúcar
em seu café. – O que mudou?
Senti como se não estivesse entendendo nada naquela conversa. Aonde ele queria
chegar?
– Acho que me sinto mais confortável com você agora do que… – Como é que eu
poderia colocar isso? – Quer dizer, parece que você meio que gosta de mim também, se a
noite passada serve de indicação.
Alfonso largou a colher, dando uma risada.
– Não há segredos aqui. – Ele me estudou com seus olhos castanhos - esverdeados, como se
eu fosse um quebra-cabeça a ser solucionado. – O que acho que quero dizer é isso… Se
você for capaz de encontrar maneiras de ficar mais confortável no trabalho, por que não
pode assumir o cargo de Maite na Sphere?
Quase engasguei com meu primeiro gole.
Tossindo, tive de largar a xícara. Sim, essa minha graciosidade feminina era uma das
muitas razões pelas quais não tinha o cargo de Maite.
– Alfonso, não sou gerente de contas. Mal consegui passar na minha entrevista na Sphere,
tropecei tanto nas palavras. – Era humilhante lembrar. – Nunca seria capaz de me reunir
com gente nova o tempo todo e vender nossos serviços.
– Então deixe as vendas para outra pessoa. – Alfonso cobriu a minha mão com a dele, a
pele morena em contraste com meus dedos pálidos. – Mas seus conselhos financeiros são
geniais. Esse e-mail que você me enviou, delineando formas de garantir que eu tenha
capital para a próxima fase do meu modelo de negócios foi brilhante. Você deve ser um
membro altamente valorizado na equipe.
Ele falou com tanta sinceridade que quase acreditei. Mas depois lembrei que o “eu” que
Alfonso conhecia era um híbrido de Anahí/Natalie. Uma versão mais ousada de mim
mesma. Uma ilusão que tinha inventado em um palco. Eu não trazia essa mesma
confiança para o restante da minha vida.
Bebi um gole demorado de café enquanto pensava em como enquadrar minha resposta.
– Estou contente com meu trabalho – falei finalmente. – Embora eu esteja lisonjeada por
você ter considerado meu conselho útil, de fato não me aprofundei da forma necessária…
– Mas poderia ter se aprofundado – insistiu ele. – Se eu quisesse explorar essas opções
para diversificar meus investimentos, você poderia ter me guiado na direção exata, não
poderia?
– Talvez. – Na verdade, era bem difícil ser modesta nessa área da minha vida. Eu era
excelente no meu trabalho. Estudava notícias financeiras com mais afinco do que a
maioria das pessoas na cidade lia a Variety. Isso fazia sentido para mim.
– Quero você no comando da minha conta na Sphere.
– Ah, não. – Levantei-me da mesa e fiquei caminhando na frente do aparador. – Essa
não é uma boa ideia.
– Por quê? Quero meu dinheiro trabalhando a meu favor, e você sabe como fazer isso
acontecer.
– Maite também sabe – lembrei a ele. Além disso, ela iria repassar minhas
recomendações, de qualquer maneira. Seria o mesmo que trabalhar comigo, só que ela era
uma mais articulada, tinha o rosto elegante para o negócio.
– Gosto mais de você – insistiu ele teimosamente.
O nervosismo acionava todos os meus botões de pânico quando eu pensava no quão mal
aquilo poderia acabar. Por que inventei de mandar o e-mail para ele? Se eu simplesmente o
tivesse deixado decifrar suas finanças por conta própria, nada disso teria acontecido e nós
estaríamos tomando um banho longo e voluptuoso juntos agora. Ou talvez perseguindo um
ao outro ao redor da enorme banheira de água quente que tinha visto em um canto do
quintal na noite passada.
– O que acontece quando nós, isto é, quando as coisas não derem certo entre nós,
pessoalmente? – Eu não queria pensar nisso, mas precisava ser realista.Alfonso Herrera era o homem dos sonhos.
Ele se levantou da mesa, capturando meus ombros entre as mãos largas.
– Somos adultos – assegurou ele. – Não vou me transformar em um babaca se você
concluir não querer mais me ver.
Eu? Não querer vê-lo?
Obviamente, ele estava apenas sendo educado.
– Mesmo que quisesse assumir sua conta… – Balancei a cabeça, abordando o problema
de outro ângulo – Não poderia. Não é minha função.
– Se um cliente solicita especificamente por você, Anahí, vai ser sua função. – Ele
beijou meu rosto e algumas das minhas preocupações derreteram um pouco. – Tudo o que
quero saber é o seguinte: você tem objecções em relação a trabalhar comigo?
Agora era minha chance de encerrar aquela linha maluca de raciocínio. Isso só iria
incitar problemas no trabalho. Mas, sendo bem egoísta, gostava da ideia de ainda poder vêlo,
mesmo depois de não estarmos envolvidos romanticamente mais.
E o orgulho nas minhas habilidades profissionais, o qual eu costumava sufocar,
definitivamente estava causando estardalhaço agora. Eu sabia que poderia colocar o
dinheiro para trabalhar a favor dele de forma mais eficaz.
– É claro que não vou me opor – concordei. – Vou fazer o que puder para ajudá-lo a
erguer esse estúdio de cinema.