ASSIM… EU tinha sido dispensada.
Alfonso me deixou para trás sob a poluição da noite pesada, seu paletó de seda italiana
como um pedido de desculpas por ele ter tirado o abrigo de seu braço de cima de mim,
mesmo com o cheiro do tecido estando delicioso… tal como Alfonso . Ele disse que eu não
precisava esperar, e a julgar pela forma como parou ao lado do Escalade, sem me
apresentar, estava me excluindo das partes mais importantes de sua vida.
Duas semanas atrás, eu provavelmente teria saltitado feliz para o utilitário de Alfonso a
fim de esperar por ele, grata por qualquer fração de seu mundo que ele quisesse
compartilhar. Agora? Eu tinha um novo senso sobre meu próprio valor e não queria ficar à
sombra de um sujeito de quem eu realmente gostava. Especialmente não quando a
conversa entre eles começou a esquentar. Alfonso gesticulava e sacudia a cabeça. As vozes
se elevaram, mas não o suficiente para que eu distinguir o que estavam dizendo.
Através do para-brisa do Escalade, encontrei o olhar do Herrera mais velho, o rosto
iluminado pelo azul-celeste das luzes do painel. Fiquei um pouco surpresa ao constatar que
o conhecido produtor não tinha um motorista para transportá-lo pelo tráfego da cidade,
mas daí Thomas Herrera tinha a reputação de ser um homem trabalhador, um
multimilionário que subiu na vida por conta própria. A imprensa adorava suas histórias no
estilo do luxo ao lixo, do menino abandonado pela mãe viciada em drogas que alcançara
fama e riqueza. Era puro Hollywood.
Ele deve ter me apontado para Alfonso , porque só aí este se virou e notou que eu ainda
estava de pé ali no escuro. Era eu, ou ele parecia impaciente? Afastei este pensamento e
me recusei a ficar constrangida. Eu era uma parte da vida de Alfonso ou não?
Mesmo que a resposta fosse não, queria saber a verdade. Eu não poderia me intitular
uma mulher forte e independente, a menos que tivesse a coragem de saber em que ponto
eu estava com o homem com quem estava passando algumas noites muito memoráveis.
Eu consideraria isso parte da minha transformação pessoal. Mesmo que ele partisse meu
coração.
Respirando fundo, me aproximei a passos largos.
– Oi. – Falei a palavra perfeitamente. Claramente. E com convicção. Mas eu meio que
esperava não ter de dizer muito mais. Enfiei minha mão pela janela do Escalade, embora
estivesse num ângulo estranho. – Sou A-Anahi.
Estremeci na tentativa de esconder minha gagueira. As pessoas gaguejavam um pouco
naturalmente quando estavam tensas. No entanto, o alívio desintegrou quando percebi que
havia informado meu nome real a alguém que tinha me visto sair do Backstage em um
traje de dança. E usando máscara.
Ai. Droga. O que eu tinha na cabeça ao dar àquele homem, um homem com quem Alfonso
se desentendia constantemente, o poder de destruir minha vida? Pior, lhe forneci munição
para ferir Alfonso através de sua relação comigo.
Trey passou um braço em volta da minha cintura enquanto eu me aprumava para
apertar a mão de seu pai.
– É um prazer conhecê-la, Anahí . Sou Thomas. – disse ele com a menor ênfase na
segunda sílaba, uma pitada de espanhol em seu discurso. Eu tinha certeza de que um de
seus pais era espanhol, mas não conseguia lembrar qual. O aperto de mão foi forte e
seguro quando ele pegou minha mão, e se achava estranho o fato de eu estar usando
máscara, não mencionou nada.
Ele sorriu para mim, balançando a cabeça ligeiramente. Eu o teria considerado bem
encantador se não fosse a postura frágil de Alfonso ao meu lado. Dava para sentir a fúria
silenciosa na tensão dos músculos do filho.
– Meu pai já estava de saída – explicou Alfonso , mantendo o olhar nivelado ao do pai. – Já
terminamos aqui.
– Pense no que eu disse – falou Thomas, a mandíbula rígida. Sua expressão era o oposto
do calor que ele havia demonstrado para comigo. A metamorfose aconteceu outra vez,
fazendo o caminho reverso, quando o homem mais velho se voltou para mim novamente. –
Talvez veja você amanhã à noite, Anahí . Alfonso vai estar em um baile de gala. Tenho
certeza de que você iria gostar.
Não tive tempo para responder. Ele acenou de modo garboso antes de se recostar no
banco e arrancar com o carro. Felizmente, Alfonso notou as intenções de seu pai e me puxou
longe o suficiente para não haver risco de o Escalade passar em cima dos meus dedos.
– Ele parece tão interessante quanto é retratado na imprensa – falei diplomaticamente,
não muito certa sobre o que mais dizer com Alfonso em silêncio ao meu lado.
Meu palpite inicial era de que ele estava com raiva.
Irritado porque o pai havia me convidado para um evento no qual Alfonso não havia
planejado me incluir? Ou ele estava simplesmente sentindo-se frustrado por ter um pai
autoritário? Tentei não levar para o lado pessoal o fato de ter ficado sabendo sobre o baile
pelos lábios do pai dele.
Mas mais uma vez, tive a impressão de que Alfonso estava tentando me manter afastada
de sua vida pública.
– Ele é interessante – murmurou Alfonso , me guiando para o utilitário. – Vou conceder essa
honra a ele.
Um manobrista veio correndo para abrir a porta do carro para mim. Coloquei um pé no
apoio e me impulsionei para sentar no banco do carona, meu coração cheio de emoções
misturadas. Ainda estava feliz por Alfonso ter ido ao Backstage esta noite. E tão grata por
ele ter me ajudado a escapar daquele encontro estranho com minhas colegas da Sphere.
No entanto, agora me perguntava se ele estava tentando me esconder de propósito das
pessoas que importavam em sua vida. Seu pai era seu rival, e ainda assim Thomas Herrera
sabia mais sobre o paradeiro de Alfonso do que eu.
Alguns minutos depois, seguíamos para oeste pela Santa Monica Boulevard, o tráfego
ficando mais tranquilo conforme deixávamos o centro da cidade para trás. Tirei minha
máscara e a peruca loira, cansada de tentar esconder quem eu era atrás de uma fachada
que não se encaixava. Minha franja se soltou do grampo que a segurava.
– Posso levá-la para sua casa? – perguntou Alfonso , abaixando a janela para deixar o ar da
noite úmida entrar.
– Seria bom. – Eu mal podia esperar para tirar o traje de dança e deixar minha vida
dupla para trás. De agora em diante, não usaria minha Natalie Night interior para me
amparar. Minha confiança precisava vir de dentro.
– Desculpe por não ter apresentado você ao meu pai imediatamente. – Ele encontrou a
autoestrada e acelerou. Não precisei me virar para ver do que ele estava fugindo.
Obviamente, Thomas havia lhe abastecido com alguns demônios poderosos.
– Está tudo bem.
– Não está. – Ele segurou minha mão. Apertou-a. – Mas eu tinha a sensação de que
nossa conversa ia ser desagradável. Além disso, pensei que você ia preferir fazer uma
fuga discreta. Sei que está preocupada com a possibilidade de as pessoas em seu
escritório descobrirem sobre sua dança, e achei que quanto menos pessoas que você
encontrar, melhor.
– Eu sei. – Assenti, reconhecendo a sabedoria daquela cautela. – Mas fui tão pega de
surpresa que esqueci que ainda estava usando a máscara.
– Sério? – Alfonso olhou para mim, a sobrancelha direita arqueando, surpresa. O canto da
boca se ergueu levemente.
Eu gostava de pensar que eu era capaz de me esgueirar através da armadura dele.
– Sério! – Dei um tapa na própria testa para dar enfatizar. – Uma lerdeza total da minha
parte. Fiquei ali, me sentindo ofendida quando você disse que eu poderia ir para o carro,
sem nem cogitar que você tinha um bom motivo para não me apresentar, mas aí já
estava no meio da frase com seu pai, toda vestida de plumas.
Ele ficou em silêncio por um longo instante enquanto ultrapassávamos limusines e
conversíveis, motos e vans de entrega.
– Nosso relacionamento é terrivelmente estranho para você? – soltei, agora tensa.
– Não. – Balançando a cabeça, ele pareceu abandonar quaisquer preocupações que
tivesse. Soltou minha mão para acariciar meu braço. Mesmo através do tecido de seda do
paletó, o toque dele me dava arrepios. – Só espero que isso não fique desconfortável para
você. Meu pai tem bons contatos. Na verdade, ele só sabia onde eu estava hoje graças à
sua vasta rede de amigos ansiosos para lhe fazer favores.
– Não entendi.
– Um dos seguranças no Backstage era segurança particular do meu pai.
Aparentemente, o cara ligou para meu pai quando me viu entrar hoje à noite. – Alfonso pôs
as duas mãos no volante quando o tráfego aumentou.
Perdi a sensação de seu toque. E agora não queria pensar em como o pai bem
relacionado de Alfonso poderia deixar as coisas desagradáveis para mim. Eu estava muito
incensada pela forma como ele tratara o filho.
– Por que ele simplesmente não telefonou, se queria falar com você?
– Por acaso ele teve um jantar nos arredores do clube, por isso não foi uma grande
viagem para ele. Mas fez o esforço de aparecer no clube porque não tenho atendido os
telefonemas dele – admitiu Alfonso . – Encontrei-me com ele na semana passada e senti
como se tivesse chegado… a um impasse.
Franzi a testa.
– Você se importa se eu perguntar o que ele queria?
Alfonso demorou um tempo para responder, pegando a estrada interestadual 405.
– Ele quer que eu volte à Herrera Films para supervisionar a produção de seu novo filme.
– Depois do enorme desentendimento público que vocês tiveram? – Eu tinha lido o
suficiente sobre o racha para entender algumas das ramificações, pelo menos do ponto de
vista empresarial. Incluí algumas de minhas preocupações em meu relatório para Maite. E
agora precisava levá-las em consideração pelo bem-estar financeiro de Alfonso.
– Difícil de acreditar, não é? – Alfonso sacudiu a cabeça, uma mecha de cabelo escuro
caindo numa sobrancelha e lhe conferindo um ar de malvadeza que faria qualquer mulher
suspirar. – Mas é assim que ele trabalha.
– É o filme sobre prisioneiros de guerra que você queria fazer desde o início?
– Claro que não. É o filme dele sobre prisioneiros de guerra, cujos direitos ele acabou de
adquirir. E ele quer que eu o desenvolva com atores rentáveis e uma sensibilidade mais
americana… – Alfonso balançou a cabeça. – Poderia ser um bom filme. Mas não é o meu
filme. E estou pronto para começar a colocar minha marca no meu trabalho.
– Eu também – falei com uma veemência surpreendente. – Quer dizer, quero isso na
minha vida profissional. Colocar minha marca no meu trabalho. – Fiquei envergonhada por
ter me intrometido com meus próprios problemas enquanto ele estava falando sobre os
dele pela primeira vez. – Desculpe por mudar de assunto desse jeito. Só me identifico
totalmente com a necessidade de reivindicar algum reconhecimento.
– Obrigado. – Ele acelerou ao nos aproximamos de Mar Vista, e aquilo significava
alguma coisa, porque ele não perdeu tempo ao deixar o centro da cidade. – Significa muito
para mim que você entenda de onde venho. Houve pessoas na minha vida antes que
realmente defendiam meu pai, sempre supondo que ele tinha a melhor das intenções e
pensando que se eu cedesse poderia ter tido o mundo aos meus pés agora.
Fiquei em dúvida sobre como responder, porque desconfiava que o velho Thomas Herrera
também tinha as melhores intenções para com o filho.
– Quando você diz “pessoas”, se refere a antigas namoradas?
Ele riu, um som quente que roçou minha pele como uma carícia.
– Elas também. Mas houve caras que eu achava serem amigos que realmente ficaram
do lado do meu pai. Muitas pessoas são atraídas pela imagem dele.
– Estou do seu lado – assegurei a ele. – E não só porque você está me pagando. – Parei
de repente, ouvindo as palavras na minha cabeça. – Isso soou meio esquisito.
– Eu entendi o que você quis dizer. – A voz de Alfonso suavizou, os ombros relaxando um
pouco pela primeira vez desde que avistara o Escalade branco em frente ao Backstage. –
Não devia ter colocado você nessa posição tão esquisita… Insistir em trabalhar com você
quando já tínhamos uma relação pessoal.
– Tem sido um bom empurrãozinho para mim, no entanto. – Eu não ia ter problemas em
separar o trabalho da vida pessoal. Pelo menos tinha esperanças de que não. – Se você não
tivesse insistido em trabalhar comigo, ainda estaria presa na rotina. – Ao nos
aproximarmos do meu bairro, indiquei minha rua. – Moro na Ocean View.
– Eu sei. – Ele desacelerou quando se aproximou da minha casa lugar. – Fiz uma
pesquisa no Google a seu respeito quando estava tentando solucionar o mistério de
Natalie/Anahí.
– Sério? – Um arrepio percorreu meu corpo perante ideia de ele me procurar. Pensando
em mim.
– Sim. E procurei ainda mais, uma vez que você começou a lidar com minhas finanças.
– Bem, isso é simplesmente esperteza profissional – assegurei a ele, embora estivesse
um pouco tensa agora. – E o que exatamente você descobriu?
Ele ligou o pisca-alerta esquerdo.
– Sei que você mora aqui. – Ele apontou minha casa corretamente. – E sei que seu pai
cedeu a casa para você no seu vigésimo primeiro aniversário.
– Bem. Tecnicamente, ele me vendeu por um preço módico. – Sem nenhum interesse.
Eu nunca poderia ter comprado a casa de outra forma.
– É um lugar ótimo. – Alfonso desligou o motor antes de vir para meu lado para abrir a
porta.
Olhei para a rua a fim de me certificar de que ninguém estava por perto. O casaco de
Alfonso cobria a maior parte de mim, mas preferiria não ser vista entrando em casa com o
traje de dança e o paletó de um homem.
– Meu pai é negociante de antiguidades e minha mãe, decoradora de interiores. Ela o
ajudou com esta casa quando ainda estavam juntos. – Durante todos os três anos.
Mas tentei dizer a mim que a casa tinha a minha cara, uma das poucas boas
colaborações deles.
Joguei-me nos braços de Alfonso, que estavam à minha espera, meu corpo se aninhando no
dele enquanto ele me abaixava ao chão lentamente. Vagarosamente. Seus olhos
percorreram meu corpo e o desejo que havia se acumulado no clube queimava outra vez.
Eu sentia tudo formigar só de pensar em estar com ele novamente.
– Posso não ser capaz de apreciar plenamente a estética da sua casa esta noite.
– Não? – Mordisquei o lábio inferior dele, e tinha um gosto tão bom que precisei fechar
os olhos para saboreá-lo.
As mãos dele se enfiaram sob o paletó para alisar meus quadris. Quente. Possessivo.
– Então só vou mostrar uma das melhores características da casa e guardar o restante
para outra hora.
– Você é a melhor característica. – Ele sussurrou as palavras calorosamente ao longo do
meu pescoço, e mesmo que não tivesse me beijado ainda, o prazer fumegava em minhas
veias.
– Venha – insisti, pegando sua mão para levá-lo à parte de trás da casa, a fim de evitar
a luz da varanda e do pequeno poste no canto mais distante do meu jardim. – Vamos para
um lugar mais privado.
Eu ainda estava com um pouco de medo da possibilidade de ser o deleite secreto de
Alfonso? A mulher que ele não iria dividir com seus amigos e família? Definitivamente. Mas
isso não iria me impedir de levar aquela atração louca e cálida o mais longe possível.