– AFASTE-SE DO espelho.
Natalie apontou para mim com uma de suas muletas, sua ordem não deixando espaço
para discussão. Encontrei o olhar dela no espelho com moldura de madeira do meu hall de
entrada, onde eu estava mexendo no meu cabelo pelos últimos cinco minutos. Ela olhou
para mim ameaçadoramente antes de pôr uma taça de vinho branco no meu campo de
visão. Ela havia servido a a bebida para mim uma hora atrás, e eu não tinha bebido
nenhuma gota, embora ela insistisse que eu precisava para relaxar.
Conhecendo um comando quando ouvia um, e respeitando que Natalie era bastante sábia,
porque até hoje ela não havia me conduzido de maneira errada, finalmente bebi o vinho e
me deixei cair em uma poltrona esquisita da década de 1970 que meu pai tinha enviado no
meu último aniversário. Ele nunca participara muito da minha vida, mas vinha tentando
fazer as pazes enviando vez ou outra presentes oriundos de seus empreendimentos.
– Estou nervosa – expliquei, me concentrando no relógio agora que o espelho estava fora
de questão. Começamos minha produção no meu quarto, mas como o tempo estava
correndo até a chegada de Alfonso, fiquei muito tensa para permanecer lá em cima, olhando
pela janela a cada minuto, por isso descemos.
Alfonso iria chegar a qualquer momento para me levar ao baile do qual eu queria tanto
participar. Só que desde que eu o convencera a me convidar, fiquei me perguntando por
que tinha insistido naquela prova de fogo louca, uma vez que tinha acabado de começar a
namorar. Uma vez que tinha acabado de começar a me sentir mais confiante.
– Não fique tão tensa – disse Natalie, apoiando o tornozelo na escada. – Você queria ir
para esse baile. Você pode muito bem aproveitar a festa chique e alguns bons acepipes.
Natalie tinha vindo no final da tarde, depois de eu ter feito uma ligação de emergência
pedindo conselhos sobre roupas. Ela chegou com três vestidos seus, me ajudou a escolher
uma peça azul-marinho elegante com um corpete sem alças e saia curta rodada, daí
supervisionou minha maquiagem. Em suma, Natalie fora incrível. Para retribuir, tentei lhe
dar todo meu cachê do meu desempenho na noite anterior, mas ela recusara firmemente.
Consegui enfiar metade da quantidade em sua bolsa quando ela não estava olhando.
Se tentasse devolver, teria de lidar com meu lado teimoso.
Bebi o vinho, fechando os olhos para permitir que o sauvignon blanc frio fizesse sua
mágica para eu relaxar.
– Eu só queria entender por que tive que apressar as coisas para isso.
– Você não está apressando nada. Está namorando esse cara, então por que você não
começar a frequentar eventos com ele? – Natalie sentou-se com cuidado em um degrau
de carvalho polido. – Não é como se você estivesse indo morar com ele.
– Mas disse a ele que seria um momento “ou vai ou racha” para nosso relacionamento.
Que precisávamos saber se me encaixo na vida dele ou não.
Natalie franziu a testa.
– Uau. Que belo jeito de criar pressão em cima de você mesma.
Passei a mão nas contas azuis intricadas bordadas um pouco acima do meu joelho.
– Não sei o que deu em mim. Em um minuto estávamos nos divertindo na
hidromassagem… – nunca mais iria usar aquela banheira de novo sem me lembrar do que
fizemos lá – … e no outro estava despejando coisas como “se eu não puder lidar com os
olhos do público, não pertenço à sua vida”.
Juntamente à minha nova confiança, eu parecia ter desenvolvido um talento especial
para a autossabotagem. Um passo à frente, dois passos para trás.
– Você realmente gosta desse tal Tom, não é? – Ela mostrou a língua para mim, a fim
de me lembrar de que não tinha me perdoado por esconder a identidade de Alfonso, para
começo de conversa.
– Eu… – Ai, Deus. Sabia exatamente o que sentia por ele, mas não estava pronta para
admitir isso. – Eu realmente gosto de Alfonso.
Minha voz soou engraçada, grave e rouca, e desconfiei que Natalie compreendera o que
eu não estava dizendo. Eu amava Alfonso. Talvez fosse o fato de amá-lo que estivesse me
deixando tão aventureira e ousada em todos os aspectos da minha vida. Sábio ou não, o
amor faz você querer correr riscos.
– Então simplesmente tente se divertir esta noite. – Natalie colocou a taça de vinho em
uma mesa no corredor e mancou até mim com a ajuda de uma muleta. – Só porque você
está pensando nisso como uma noite “ou vai ou racha”, não significa que ele esteja.
Ela me deu um abraço, enquanto eu tentava me recompor.
– Tudo bem – concordei, exatamente quando a campainha tocou.
O pânico brotou dentro de mim quando Natalie e eu trocamos um olhar.
Alfonso tinha chegado no horário certinho. Acho que eu não podia adiar mais meu encontro
com o destino.
HOLLYWOOD COM certeza sabia dar festas.
Duas horas depois, eu estava circulando ao redor de uma piscina em Devoe House, uma
casa em Los Angeles alugada para a festa de lançamento de um novo filme chamado
Maybe, Baby, que parecia ser feito para adolescentes e falava sobre o excesso dos jovens
ricos.
Ou talvez eu estivesse confundindo os limites da arte e da realidade. Porque enquanto
observava ao redor da piscina com deque elegante de uma casa que aparentemente
pertencera a Marilyn Monroe, eu via juventude, riqueza e beleza em todos os lugares para
os quais olhava. Aquele mundo era a definição de privilégio e excesso, até os acepipes de
lagosta que vi as pessoas mordiscarem e jogarem fora.
Será que o estômago delas era muito pequeno para mais do que duas mordidas? Ou
será que jogar iguarias pela metade no lixo era uma espécie de símbolo de status?
– Como você está? – Alfonso apareceu com uma bebida para mim.
Havia pedido água com gás e com limão. Não podia me dar ao luxo de beber álcool, já
que precisava ficar atenta. Até agora, tinha sorrido muito e falado pouco. Não era algo
difícil de fazer quando os amigos de Alfonso estavam mais interessados nele do que em
mim. Além disso, não acho que as estrelinhas raquíticas que só comiam metade de um
minúsculo acepipe de lagosta e usavam as melhores joias Harry Winston realmente me
vissem como concorrência por um dos solteiros mais cobiçados da cidade.
E, sim, eu estava me sentindo um pouco na defensiva. Graças a Deus, Natalie tinha me
emprestado um vestido, ou teria chegado usando um dos meus ternos de escritório. Sabia
que nem todas as festas de lançamento eram chiques assim, mas os produtores de
Maybe, Baby queriam manter o tom decadente para o filme.
Alfonso acariciou meu braço levemente.
– Ei? Você ainda está aqui comigo?
– Hã? É claro. – Quase gaguejei, droga. Ele me perguntou alguma coisa, e você acha que
eu conseguia lembrar o que era?
– Você está bem?
Ah, sim. Não era como se ele tivesse me pedido um alucinógeno. Eu realmente
precisava fazer um esforço para controlar minhas emoções.
– Ótimo. As coisas estão muito bem – respondi com um tom entusiasmado demais. –
Quer dizer, obrigada por me trazer aqui.
Alfonso deslizou um braço em volta de mim e nos levou para o parpapeito com uma um
vista deslumbrante do centro de Los Angeles piscando a distância. Ali, tínhamos um pouco
mais de privacidade da multidão e um pouco de sossego, longe do DJ, que tinha montado
sua mesa de mixagem em um pátio suspenso perto da casa.
Alfonso estava lindo de smoking. Seu belo visual clássico e músculos esbeltos pareciam à
vontade com o black-tie. Abotoaduras de prata cintilavam à luz das tochas, e ele parecia
tão confortável, como se estivesse vestindo um par de jeans.
– Obrigado por ter vindo comigo. – Alfonso levou minha mão aos lábios e beijou os nós dos
meus dedinhos, do jeito que você veria Cary Grant fazer em um filme antigo.
Derreti por dentro, meu desfrute por aquele homem afastando minhas preocupações por
ora.
– Mas eu quis vir – lembrei-lhe, me espremendo no parapeito quando um garçom passou
roçando em mim com uma bandeja de bebidas. – Provavelmente pressionei demais para
ser convidada. Não queria pressionar você para me apresentar ao seu universo profissional.
– Estou muito feliz por você estar comigo – respondeu ele simplesmente. – Se tivesse
vindo sozinho, teria passeado e ido embora em 45 minutos. Ter você ao meu lado me faz
querer ficar para apreciar a vista.
Seus olhos estavam em mim enquanto ele falava, e meu coração apertou no peito.
Perguntava-me por quanto tempo mais seria capaz de manter um bloqueio em meus
sentimentos de ternura por ele. Mesmo agora, queria deixar escapar que o amava, jogar
meus braços em volta do pescoço dele e esperar o melhor.
– Então este é o seu mundo. – Ergui minha taça de cristal em direção à Sunset Strip a
um quilômetro e meio abaixo de nós. – É lindo.
Na verdade, agora que conhecia as posses daquele homem também pelo lado avesso,
percebia que ele estava rodeado pela beleza em todos os lugares por que passava, em
vários continentes. Sua vida era de luxo e sofisticação. Eu tinha visto isso no papel, mas
não sentira isso em meu coração até vir aqui hoje. Talvez as mulheres ornadas por
diamantes nesta festa estivessem certas em não me considerar concorrência real para
Alfonso. Mesmo estando lado a lado, nossas vidas nunca pareceram mais distantes.
Ele tilintou sua taça de água com gás contra a minha e se virou para mim, apoiando um
cotovelo no parapeito. Ele pôs a mão em volta do meu quadril para me girar para encarálo.
– Vou pegar sua fala de ontem à noite emprestada – disse ele, se inclinando para
sussurrar ao meu ouvido: – Vejo as engrenagens girando em sua cabeça, Anahí. O que
você está pensando?
Antes que pudesse responder, um homem corpulento usando um terno mal-ajustado veio
cambaleando, colocando sua bebida e derramando tudo no parapeito entre nós, o cheiro de
álcool tão forte que me perguntei se ela poderia queimar o verniz da madeira.
– Desculpe incomodar você, Alfonso – começou ele, batendo no ombro de Alfonso e meneando
vagamente a cabeça para mim num pedido de desculpas. – Realmente preciso falar com
você. Tem um minuto?
Ao mesmo tempo que eu não poderia me encaixar neste mundo, havia lido o suficiente a
respeito dele para reconhecer um dos cineastas mais respeitados da nossa época, Michael
Diereda, um homem que não precisava usar traje de gala para se encaixar naquela
multidão. Se Alfonso ia abrir seu estúdio um dia, devia fazer contatos com sujeitos como
aquele.
– Claro – falei, mesmo quando Alfonso começou a dizer que agora não era um bom
momento. – Eu estava prestes a pegar mais bebida – insisti, lançando a Alfonso um olhar
cheio de significado.
Eu não estava brincando sobre meu compromisso com a empresa dele. O que havia
acontecido pessoalmente entre nós não importava, eu iria torcer por Alfonso
profissionalmente. Mesmo que a ideia de perdê-lo apertasse dolorsamente meu coração.
Trilhando meu caminho através de uma multidão que tinha começado a inflar assim que
o DJ começara a tocar, entrei na casa através de um dos vários conjuntos de portas
francesas abertas. O pessoal do bufê não deve ter precisado usar a cozinha opulenta na
qual eu me encontrava, uma vez que estava imaculadamente limpa, um pequeno bar
arrumado perto da longa ilha de granito.
– Anahí Portilla? – Um vozeirão cortou o ruído da festa e me fez parar.
Virando-me, vi Thomas Herrera II com uma pequena comitiva. O pai de Alfonso usava um
smoking e camisa de seda branca, mas sem gravata, e seu cabelo branco estava penteado
para trás para a ocasião. Uma atriz deslumbrante de Bollywood com cabelo escuro bem
negro e um vestido prateado minúsculo estava de braço dado com ele, de um jeito bem
possessivo, enquanto vários outros homens e mulheres pareciam cercá-lo como satélites
em torno de um planeta maior.
Constrangida, ajeitei meu cabelo. Na última vez que aquele homem tinha me visto, eu
estava usando uma peruca loira e máscara. Como ele me reconheceu?
– Olá, sr. Herrera. – Ofereci-lhe minha mão do jeito que eu faria em uma apresentação
profissional, mas ele beijou as costas dos meus dedos em um gesto perfeitamente
espelhado pelo filho.
Perguntava-me se Alfonso estava ciente do quão semelhantes seus maneirismos eram. Ele
tinha a mesma vitalidade e carisma do pai. Talvez essas semelhanças fossem parte da
razão pela qual batessem as cabeças com tanta frequência.
– Estou feliz que você tenha pedido a Alfonso para trazê-la aqui esta noite. – Ele sorriu e
fez um gesto sutil para seus seguidores, a fim de dispersá-los. Eles se misturaram à
multidão, deixando-nos a sós perto de uma fileira de janelas com vista para o pátio
pontilhado com tochas e agora pelo excesso de fluxo de convidados.
– Como você me reconheceu, sr. Herrera? – Fui direto ao ponto, querendo ter certeza de
que compreendia suas motivações. Será que ele me queria ali esta noite só para poder me
chamar de mentirosa?
– Mantenho o controle sobre meu filho – disse ele, empinando o queixo com orgulho. –
Ele tem estado inquieto e com raiva de mim. Fiquei preocupado com a possibilidade de ele
tomar uma decisão profissional precipitada, da qual pudesse se arrepender, só porque
estava chateado. Então tenho monitorado suas negociações mais recentes. E um dos meus
ex-seguranças tem ficado de olho nele, discretamente.
– Você quer dizer… – Desvencilhei-me do braço dele, não confiava nele. – Você está
dizendo que colocou alguém para seguir Alfonso?
– Não o tempo todo. – Thomas inflou o peito em legítima defesa. – Apenas o suficiente
para descobrir que ele quer abrir o próprio estúdio de cinema para concorrer comigo e que
está namorando uma analista financeira conservadora que solta o cabelo à noite e vira…
dançarina.
Talvez devesse ter me sentir ameaçada. Ele tinha informações que eu estava tentando
manter em sigilo. Ele tinha o poder de me fazer ser demitida. Mas tudo que conseguia
pensar era em Alfonso e no quanto isso iria machucá-lo. Será que o pai não enxergava como
suas atitudes alienavam o filho? De repente, vi Alfonso, sentado em uma mesa à beira da
piscina com o famoso diretor. Como se ciente de que eu estava olhando para ele, virou-se
para a casa de repente.
As luzes estavam concentradas na cozinha, que era ligeiramente suspensa em relação
ao pátio lotado, então ele deve conseguido me ver tão bem quanto eu podia vê-lo. Mesmo
a distância, captei a tensão em sua linguagem corporal quando se levantou do assento.
Ele deve ter notado o pai falando comigo e provavelmente estava vindo diretamente até
nós.
– Sr. Herrera – Coloquei a mão no braço do sujeito para chamar a atenção dele. – Você
parece amar seu filho.
– Ele é sangue do meu sangue – disse Thomas com uma ferocidade discreta. – Dei tudo
a ele.
– Mas não a sua aceitação. – Por que eu deveria medir as palavras com alguém que
estabeleceu novos recordes dentre os cabeça-dura? Graças a Deus meu pai e eu tínhamos
desenvolvido algum tipo de relação pacífica ao longo dos anos. – E não sua fé na
sagacidade profissional dele. Você o mina publicamente.
Se houvesse alguma chance de o velho Herrera manter em segredo a coisa da dança para
meu empregador, eu certamente estava acabando com ela agora. Mas alguém precisava
fazer Thomas Herrera enxergar que ele nem sempre era o mais sábio. Alfonso tinha me
ajudado a encontrar minha confiança, minha voz. Pretendia usá-las agora para ajudá-lo,
mesmo que isso significasse se impor ao seu pai austero.
– Você não sabe do que você está falando. – O sorriso dele sustentava uma gentileza
aparente. Pena que o pulsar em sua têmpora me dizia que ele estava a segundos de
explodir.
– Senhor, não quero ser desrespeitosa, mas me importo o suficiente com seu filho para
não fazer rodeios. Quero que ele seja feliz. Se você ao menos pudesse…
– Não preciso de conselhos de uma estranha sobre meu filho – sussurrou ele, se
afastando para não ser tocado por mim. Vários olhares curiosos se viraram em nossa
direção.
– Não. – Balancei minha cabeça, bem calma na esperança de que aquilo o fizesse baixar
a voz em um tom. – Não sou uma estranha, sr. Herrera. Mas você vai se tornar um pária
em sua própria família se não conseguir enxergar o jeito como…
– Isso é uma bobagem imensa, minha querida – disse Thomas com a condescendência
fulminante que fazia dele uma força temida na cidade. Ele não precisava gritar. Sua raiva
gelava o ar até as quase 50 pessoas em torno do bar ficarem num silêncio mortal.
Todas olhando.
Para mim.
Que ótimo.
Ele inclinou a cabeça para o lado, os olhos semicerrados.
– O que você sabe sobre o amor de um pai? Sua mãe nem sequer fala com você.
Não tinha certeza de como ele sabia isso a meu respeito – era um fato apenas
parcialmente verdadeiro – mas aparentemente ele tinha fuçado um pouco. Como analista
que fazia pesquisas, eu compreendia a necessidade de informação, então não lamentei a
atitude dele. Foi um golpe baixo, sim. Mas o enxergava tal como era: o argumento fraco e
divergente de um homem que não tinha como se sustentar em um debate lógico.
Infelizmente, não tive a chance de dar o golpe derradeiro naquela batalha retórica porque
Alfonso tinha chegado na cozinha a tempo de ouvir seu pai apelar comigo.
E Alfonso não parecia satisfeito. Ele veio se enfiando através do multidão curiosa e ainda
dolorosamente silenciosa para ficar entre nós, cara a cara com Thomas.
– Chega, pai – soltou, com raiva. – Fique longe de Anahí.
A tensão no cômodo era tão densa que era digna de cena de um de seus filmes. Eu
poderia ter apreciado a ironia, se meu coração não estivesse sofrendo por Alfonso.
– Estou bem – assegurei-lhe, esperando que meu olhar significativo fosse capaz de
comunicar a necessidade de discrição pública. – Estávamos saindo para conversar.
Fiquei revezando o olhar entre os dois, indo de um par de olhos escuros e melancólicos
ao outro. Nenhum dos dois parecia inclinado a seguir meu empurrãozinho diplomático.
– Alfonso ? – Apelei ao Herrera em quem confiava. A pessoa me dera coragem de saltar
para a briga, para começar. – Confie em mim. Já resolvi isso.
E eu tinha resolvido mesmo. Que loucura era aquela? Thomas Herrera, a fera do ramo
cinematográfico, havia jogado sua fúria em cima de mim e eu não tinha gaguejado nem
uma vez sequer.
Na verdade, eu queria uma chance de terminar o que tinha começado com o pai de Alfonso.
Uma oportunidade de romper aquela aparência tempestuosa com o amor profundo que eu
suspeitava estar suprimida por baixo. Ele não percebia a firmeza em minha voz?
A mandíbula de Alfonso enrijeceu quando ele se inclinou mais perto do pai.
– Se você chegar perto dela novamente, ou ameaçar o emprego dela de qualquer forma
por causa da dança…
Ele parou no meio da frase, talvez percebendo que estava prestes a me expor na frente
de uma multidão extasiada. Talvez já tivesse feito isso. Eu apostava que seria a garota
mais buscada no Google em Hollywood após a cena de hoje à noite.
Como ele pôde fazer isso comigo? Ele havia prometido guardar meu segredo. A traição
me beliscava por dentro mesmo sabendo que o pai era capaz de despertar o pior lado de
Alfonso. Mais ou menos como minha mãe costumava fazer comigo. Mas eu estava cansada
de viver à sombra dos pais. Do dele. Dos meus. Eu estava cansada.
– Talvez devêssemos levar essa discussão para um lugar particular – insisti. Nenhum
deles sequer olhou para mim. Eles estavam travados em uma espécie de luta por domínio
entre pai e filho, e eu poderia muito bem ser invisível. E se eu tinha aprendido alguma
coisa na semana anterior, era que nunca mais iria me permitir ser invisível. Com um
pouco mais de veemência, disse: – Ou talvez eu devesse simplesmente ir embora.
Ainda assim, Alfonso não desviou o olhar do pai, a mandíbula contraída com tanta força
que ele poderia quebrar uma obturação. Eu sabia que se pressionasse mais, ele iria se
afastar, agarrar meu braço e me levar dali. Mas a coisa com o pai não acabaria. Thomas
iria comandar o estado de espírito de Alfonso pelo restante da noite.
Provavelmente por muito mais tempo. Por que Alfonso não era capaz de enxergar que
estava deixando aquela rixa com o pai tomar conta da sua vida?
E não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer a respeito.
Dando meia-volta, coloquei minha bebida na mesa mais próxima e não me preocupei se
estava fazendo uma saída educada ou não. Finalmente me sentia confortável sendo eu
mesma, só para então perceber que eu estava mais sozinha do que nunca.