AULA DE dança. As luzes, a música, as pessoas de todas as classes sociais fumegando,
exatamente como eu.Só de caminhar no salão minha pressão já baixava e eu me sentia em casa. Aqui,
ninguém me julgava. Você pensaria que este lugar estaria lotado de mocinhas de 20 e
poucos anos aprendendo pole dance para seus namorados lindos. Mas não era nada disso.
As mulheres que vinham para cá muitas vezes eram mais velhas, algumas tinham
acabado de ter um bebê, e todas estavam procurando um jeito de sentir-se bem consigo
mesmas. Não era apenas o pole dancing que atraía aquela clientela. Era nossa instrutora
incrível, Natalie Night, que tinha uma forma de fazer aquela sensação de estranheza ser
bem-vinda ali. Ela era a razão pela qual eu voltava, semana após semana.
– Estamos prontas, meninas? – perguntava ela agora, caminhando pelos tapetes
vermelhos do estúdio em meio à turma avançada. Vestindo um collant preto simples por
baixo de uma camisetinha rosa com o nome de uma banda local, ela ligou a música e se
aproximou do poste.
Fui até o meu, também grata por finalmente ser capaz de tirar Alfonso Herrera da cabeça.
O que havia naquele homem para me deixar tão perturbada?
– Vamos fazer nosso aquecimento em um minuto – garantiu-nos Natalie, envolvendo
uma perna ao redor do poste para se erguer. – Mas primeiro eu gostaria de falar sobre o
movimento que todas nós tivemos problemas para fazer da última vez. Estas suspensões
estão nos matando.
Ela escalou o poste rapidamente para demonstrar a técnica adequada, e sabíamos que
deveríamos esperar para vê-la, para que explicasse o que fazer. Então, de repente, ela
deslizou.
Bam.
A queda aconteceu tão depressa que mal tive tempo de processá-la. Com o coração na
garganta, corri até nossa instrutora.
– Natalie? – Fiquei parada olhando para ela, totalmente em pânico. – Você está bem?
Eu estava pirando ao ver a professora de dança mais ágil, linda e talentosa caída no
tapete debaixo do poste, a perna inclinada em um ângulo apavorante. Duas alunas estavam
atrás de mim, suas múltiplas imagens refletidas assustadoramente nos espelhos que nos
cercavam. A melodia do rap pesado ainda tocava nos alto-falantes, e a música que
normalmente me animava agora parecia terrivelmente inadequada.
– Acho que devemos chamar uma ambulância – sugeriu uma das mulheres. Era novata
na turma avançada, e eu tinha me esquecido do nome dela, mas ela usava um piercing
diferente no nariz a cada vez que a via. Hoje era uma margarida roxa.
– Não – respondeu Natalie finalmente, seu único movimento era o esvoaçar das
pálpebras cheias de glitter. – Acho que é apenas uma torção no tornozelo, mas me
deixem… Deem-me só um minuto, está bem?
– Uma torção? Seu tornozelo parece estar deslocado – murmurei assim que alguém
desligou a música. – Eu estava temendo pelo seu pescoço ou sua cabeça. Você caiu tão
depressa que não sei dizer o que aconteceu.
Então, novamente, fui distraída por pensamentos em Alfonso e por minha saída desajeitada
após conhecê-lo. Mas Natalie nunca tinha caído. Ela era como uma deusa no estúdio de
dança, seu corpo era tão forte e flexível que ela poderia fazer qualquer coisa. Natalie tinha
sido minha primeira professora, desde a época em que fiquei morrendo de medo de
experimentar aquela modalidade louca em uma festa de despedida de solteira de uma das
mulheres com quem eu trabalhava. Eu nem mesmo tinha querido ir para a festa, mas daí
fui arrastada por colegas bem-intencionadas para o estúdio contra minha vontade.
Enquanto as outras mulheres no escritório entraram no espírito da dança sexy, eu fiquei
travada. Mas Natalie fez eu me sentir bem-vinda, dando-me uma aulinha particular para
que eu não ficasse envergonhada. Ela me incentivou tanto que voltei novamente porque,
maravilha das maravilhas, eu meio que era boa em dança. E gostei porque não exigia
qualquer tipo de habilidade verbal.
Surpreendentemente, continuei dançando. Em particular. Secretamente. Ninguém do
trabalho sabia. Mas Natalie fora fundamental para me oferecer esta arena onde me sentia
talentosa. Ela ainda era minha professora favorita, mesmo agora que eu já era uma aluna
da turma avançada.
– Maldito óleo de bebê – murmurou Natalie de maneira sombria, abrindo os olhos para
encontrar meu olhar. – A aula das iniciantes foi aqui, antes da nossa, e alguém
provavelmente usou óleo hidratante para o corpo ou coisa assim.
– Caramba. – Quando comecei a dançar no poste, aprendi que qualquer tipo de creme
era proibido. A gente quer ficar presa ao poste, não escorregar dele. – Posso levá-la ao
hospital assim que quiser.
– Absolutamente não. – Ela segurou minha mão, as unhas perfeitamente manicuradas
com estampa de leopardo, um trabalho artístico que deve ter levado algum tempo. –
Anahí, meu primeiro show no Backstage é hoje à noite.
O olhar urgente em suas íris verde-claras fez eu me lembrar de como aquilo era
importante para ela. Natalie estava tentando invadir a cena noturna há meses; no entanto,
não era fácil se tornar a estrela de um bom show de dança em uma cidade repleta de
atrizes lindas e desempregadas. Mulheres talentosas como Natalie eram contra modelos
lindas menores de idade que mentiam sobre os aninhos de vida e que topariam tirar toda a
roupa entre as séries de dança para arrecadar gorjetas em clubes de cavalheiros.
Natalie teve uma ideia para um show burlesco, algo elegante, que exigia coreografias
vigorosas. Mas ela precisava de alguém para lhe garantir uma “entrada” em um bom clube,
a fim de erguer o espetáculo. A casa de shows Backstage lhe abrira espaço para um
teste, para fazer uma versão abreviada do show, que destacava o pole dancing. Eu a tinha
visto praticar o número, era sexy para diabo sem ser… gráfico.
– Vou telefonar para eles – ofereci, procurando pela minha bolsa de academia, onde eu
tinha enfiado meu telefone. Ficaria feliz em ajudar.
No último ano, eu desenvolvera alguma confiança pessoal muito tardia graças àquela
mulher. Eu devia a ela.
– Anahí, ouça bem. – Ela sentou-se e todas as suas três alunas, eu incluída, nos
apressamos para apoiá-la. Ela nos enxotou com a mão, impaciente, porque era uma garota
teimosa e forte.
– Estou ouvindo – assegurei a ela, apontando silenciosamente para a máquina de venda
automática na parede mais distante, até que uma das outras meninas correu até lá para
pegar uma bebida para Natalie. – Só não exagere até você ter certeza de que não vai
colocar qualquer pressão nesse tornozelo. Ele já está inchado.
– Vou pegar um pouco de gelo – murmurou a menina do piercing roxo antes de
desaparecer.
– Anahí. Querida. – Natalie se inclinou para segurar meu rosto, como se eu tivesse 5
anos. Suas pulseiras tilintaram quando ela empinou o queixo até encontrar meus olhos. –
Você é uma ótima dançarina.
Envaideci-me um pouco por dentro, meu coração se aquecendo por ouvir elogios de
alguém que eu admirava em todos os sentidos.
– É porque você tem sido tão paciente comigo – lembrei a ela, me recordando das
noites em que ela havia ficado muito tempo depois de as outras alunas terem saído só
para que eu pudesse enfrentar o poste sem tantos espectadores.
– É porque você é muito esforçada e tem uma disciplina que nenhuma outra aluna minha
tem.
Preparei-me para dissimular um pouco mais, porque uau. Não tinha habilidades para
enfrentar tantos elogios. Pergunte-me sobre meus mecanismos de defesa para a crítica,
no entanto, e seria capaz de apresentar relatos completos que narrassem minha
experiência, com datas e tudo. Minha mãe, uma famosa decoradora de interiores com um
programa próprio de televisão, me dissera muito cedo que eu nunca deveria falar diante de
seus clientes, de sua equipe de câmeras ou de qualquer outra pessoa em sua vida
profissional porque eu era um constrangimento para ela. Ouvir esse tipo de censura da
própria mãe é… prejudicial, para dizer o mínimo.
Mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, as outras alunas retornaram com a água
para Natalie e o gelo para o tornozelo dela, o qual apoiamos sobre uma toalha dobrada.
– Meninas… – Natalie virou com expectativa para nós três quando finalizamos nossos
esforços de primeiros-socorros. – Preciso de alguém para assumir o número de dança
experimental para mim hoje à noite no Backstage.
Ela estava falando sério? Ninguém era capaz de substituí-la.
Lembrei-me de que tinha que pegar meu celular e ligar para o clube em nome de
Natalie.
– Anahí deveria ir.
– Anahí, você tem que ir no lugar dela. – As outras dançarinas falavam ao mesmo
tempo, e deve ser por isso que meus ouvidos estavam me enganando.
– Hein? – Eu já
estava pegando minha bolsa de ginástica para achar meu celular. – Vou telefonar para o
Backstage…
– Você não vai fazer isso. – Natalie pegou meu telefone, aparentemente encontrando-o
dentro da bolsa antes de mim. Ela o colocou atrás das costas enquanto me olhava pelo
reflexo do estúdio revestido de espelhos. Ventiladores de teto enormes zumbiam
suavemente, agitando o ar viciado, vagamente suado.
Meus batimentos cardíacos ficaram ainda mais altos do que quando Alfonso Herrera apertou
minha mão. E aquele gesto estava dizendo algo.
– Você está louca? – protestei. – Você precisa cancelar.
– Esforcei-me muito para conseguir esse teste. – Ela me encarou daquele jeito firme e
paciente que outrora me dera a coragem de tentar meu primeiro movimento de borboleta
estendida no poste. – Any, preciso daquele emprego.
Eu sabia que era verdade. O ex-marido calhorda de Natalie conseguira arrastar o divórcio
nos tribunais apenas por tempo suficiente para limpar todas as economias dela. Seu
emprego como instrutora de dança provavelmente pagava algumas contas, mas Los
Angeles era uma cidade cara. Natalie fora às alturas de satisfação quando conseguira
marcar a apresentação com o dono do clube.
Uma bola de medo se retorcia em meu estômago.
– Vou estragar tudo para você – sussurrei quando o suor começou pingar em minha
testa.
Minhas colegas de turma discordaram de mim, se intrometendo para apoiar Natalie, mas
eu não conseguia distinguir as palavras delas. Todo meu foco permanecia em minha amiga
e naquele olhar que parecia sugerir tolamente que eu era capaz.
– Prefiro perder dessa maneira do que simplesmente telefonar e cancelar. Pelo menos,
se você fizer o número por mim, vou ter uma chance. Assim que a temporada começar,
no outono, meu tornozelo vai estar melhor. – Natalie tirou a franja de cima dos meus
olhos. – Tenho uma peruca loira que você pode usar. Vai ser como atuar. Só que sem
nenhum diálogo para recitar.
O grande problema da minha amiga querida era que ela sabia exatamente os pontos que
deveria pressionar. E Natalie estava perfeitamente consciente de que uma das maneiras
com que me convenci a permanecer fazendo pole dancing foi assumindo uma nova
personalidade sempre que pisava no estúdio. Quando chegava aqui, não era mais Anahí
Portilla, analista financeira.
Transformava-me em uma pessoa completamente diferente. Alguém capaz de se perder
no ritmo do rap e nos movimentos de pole dancing.
Nesse momento, quase consegui imaginar que uma peruca iria me ajudar a enfrentar a
coisa toda caso eu substituísse Natalie no teste. E vamos encarar: não importava o quão
insegura eu estivesse, não podia dizer não para a pessoa que me dera o dom da dança,
para começo de conversa. Meu desempenho seria um desastre, e eu definitivamente faria
papel de idiota.
Mas por Natalie, iria pelo menos tentar.
– Quero a peruca – falei finalmente. – E todo mundo aqui deve jurar segredo, certo? Vou
ser demitida se alguém…
Qualquer outra coisa que eu pudesse ter acrescentado, outras condições e um rol de
preocupações, se perderam em um abraço esmagador quando as mulheres em torno de
mim gritaram e prometeram levar meu segredo para o túmulo.
Droga.
– Só gostaria de saber uma coisa. – Sabia que provavelmente iria ficar enjoada antes de
dirigir para o Backstage, que era do outro lado da cidade. – A que horas devo ir para lá?