Fanfic: E tudo aquilo que dissemos? | Tema: Romance, Traição, Amizade

Aeroporto Internacional de Brasília / 2016

Gabriela estava sentada sozinha à mesa em frente a uma das lanchonetes do aeroporto. Sua atenção estava na tela de seu celular, onde enviava mensagens de despedida a familiares e amigos distantes. Em pouco tempo embarcaria no voo com destino a Las Vegas, onde iniciaria seu tão aguardado curso de intercâmbio. Seis meses de inglês avançado se seguiriam, para então retornar ao Brasil. O que faria depois? Ela ainda não tinha certeza. A única que tinha no momento era a de que precisava se afastar de tudo por algum tempo e esquecer os últimos dois anos. Dois anos de decepção e incertezas que ela queria apagar.

Ela mal notou quando alguém pousou a mão em seu ombro.

???: Não devia ficar desatenta. Alguém pode levar sua malas, sabia? - disse a voz familiar.

Gabriela ergueu a cabeça, surpresa.

Gabriela: Amanda?! - ela sorriu e se levantou para abraçar a amiga - Que surpresa! O que tá fazendo aqui? Vai viajar também?

Amanda: Vim me despedir de você, ué. "Viemos", na verdade - ela respondeu, alegre.

Gabriela: "Viemos"? - o sorriso sumiu aos poucos - Você e quem mais? O Gui veio com você?

Amanda: Ele, o Daniel, o Lucas, o Rafa, a Ju... Quase todo mundo vai vir - Amanda sabia o que viria a seguir, mas ainda tinha esperanças de que aquilo tudo pudesse ir bem.

Gabriela: Pera aí, pera aí... - a menina se afastou, um pouco irritada - O Lucas e o Rafael estão vindo? Você chamou eles? Amanda, eu não acredito!

Amanda: Gabi... Você vai passar seis meses fora. Pensei que uma despedida seria bom, como nos velhos tempos.

Gabriela: Não vem com essa de "Gabi"! Poxa, Amanda... Eu sabia que não devia ter te falado isso, sabia! Tava tudo indo bem até demais, eu sabia! Velhos tempos? Sério isso? Você chama eles aqui pra eu olhar na cara daqueles dois e o quê? Você quer me dar nojo, é isso?

Amanda pareceu ofendida.

Amanda: Pensei que você tinha superado isso.

Gabriela: E como alguém supera isso?

Amanda balançou a cabeça.

Amanda: Essas coisas acontecem... É bola pra frente agora.

Gabriela: Você diz isso porque não é você que tem um ex-namorado gay!

Amanda: Exato, "ex". Ainda não entendo todo esse seu drama.

Gabriela ia responder, quando foi interrompida por um toque no ombro. A menina se virou, surpresa outra vez, quando recebeu um abraço. Um rapaz alto e forte erguia Gabriela, enquanto ria e dava beijos em seu rosto. Era Guilherme, namorado de Amanda, que agora sorria, aliviada pelo fim da conversa.

Amanda: Você demorou pra chegar. E aí, eles já estão aqui?

Guilherme: Só a Juliana, daqui a pouco ela sobe - ele repondeu e se voltou para a amiga - Gabi! Meu Deus, quanto tempo! - e a abraçou de novo - Não mudou nada. Continua a baixinha com cara de enjoada de sempre.

Gabriela riu e bateu no braço de Guilherme.

Gabriela: Babaca! - e os dois riram, como se ainda estivessem na sala de aula, rindo das histórias absurdas enquanto copiavam a matéria - Faz tempo mesmo, quase um ano. E aí, como você tá? Tá forte hein, andou malhando? - ela disse, em tom de aprovação.

Amanda: Se não sou eu no pé dele, ele passa o dia inteiro jogando com os meninos no notebook.

Guilherme: É, ela consegue ser pior que a minha mãe - e os três riram - Mas eu tô bem sim, nada de muito novo. Na verdade consegui um emprego, se é que isso conta como novidade.

Amanda: É melhor do que o jogo, pelo menos.

Gabriela: Com certeza. Não tenho muita novidade também, digo, além dessa, é claro - ela apontou para as malas, como se deduzisse o óbvio.

Um breve silêncio se seguiu, quebrado por gritinhos de euforia, vindos da escada rolante.

???: GA-BRI-E-LA!! - gritou animada, uma menina, que, apesar do tamanho, era uma das mais velhas do grupo - AH MEU DEUS!!

Gabriela se virou, entusiasmada e correu na direção da amiga.

Gabriela: JULIANA, MULHER!! - e as duas se abraçaram, e riram, e relembraram de como eram felizes quando a vida era apenas a escola.

Juliana: Amiga, eu quase que fico des-mai-a-da quando a Mandinha me falou que tu ia viajar. Fiquei tipo "como assim, meu Deus? Essa vaca viaja e não avisa as amigas?!" Vim aqui te dar uns tapas, porque sou é dessas! - ela disse, no seu típico tom de piada. Gabriela sorriu, embaraçada.

Gabriela: Eu não queria agitação, sabe? Fora que vou chorar daqui a pouco com vocês aqui, me abraçando...

Juliana: Sei, sei... Tu ainda me paga quando tu voltar, só espera - ela então se virou para Amanda e Guilherme - Mano, vocês só vivem grudados, é isso mesmo? Desgruda um pouco aí, eu hein! Já falaram aqui com a menina?

Amanda: Oxe, claro que já. Chegamos aqui primeiro, lembra?

Guilherme concordou, rindo.

Juliana: Mas sim, colega, vamos ficar aqui, em pé mesmo, é isso? Tenho nem vocação pra ser poste, oxe, vamos sentar. Vamos pedir alguma coisa que hoje é por conta da vaca!

Gabriela: Ai ai, tenho dinheiro nem pra pagar o meu, que dirá o de vocês - ela retrucou - Mas peçam aí.

Os quatro sentaram-se à mesa, enquanto continuavam a conversa animada. Gabriela estava esquecendo aos poucos de que mais amigos viriam. Para ela, era bom revê-los, com a exceção de dois: Lucas e Rafael.

Lucas havia sido o namorado de Gabriela no segundo ano do ensino médio e Rafael, um dos poucos amigos - depois de Guilherme - em que Gabriela confiava. Ela sentiu-se traída quando, no ano anterior, os dois haviam assumido a homossexualidade. Havia sido um choque, para amigos e para a família, mas, pouco a pouco, todos iam acostumando-se à nova realidade. Todos menos Gabriela.

E, foi em meio a risos despreocupados e nostálgicos que a garota os avistou.

Lá vinham eles, passos hesitantes e olhares inquietos. Estavam de mãos dadas, mas assim que deram os primeiros passos, soltaram as mãos para evitar constrangimentos. Estavam determinados a serem "normais" - como dizia Gabriela - naquela ocasião.

Juliana se levantou e correu, animada.

Juliana: BICHAAAAAS!! - gritou, e todo o esforço para se manter a aparência "normal" foi posto de lado.

Na mesa, Guilherme e Amanda gargalhavam, enquanto Gabriela forçava um sorriso. Os cumprimentos foram rápidos. Lucas parecia não se importar muito com a situação, já Rafael evitava olhar nos olhos de Gabriela. Os dois sentaram-se à mesa ao lado do grupo, pois este já não tinha mais cadeiras vagas.

Lucas: É... Aqui estamos - um breve silêncio se instalou, quebrado logo em seguida - Você vai viajar pra onde mesmo?

Gabriela: Las Vegas - a reposta veio num tom seco.

Guilherme pigarreou, atraindo a atenção de todos para si.

Guilherme: Bom, agora só falta o Dani.

Juliana: A Carol e a Natália não vão vir?

Amanda: A Natália tá viajando e a Carol nunca aparece mesmo, então acho meio difícil.

Juliana: Ah, se tu tá dizendo, né? - e virou-se para Lucas e Rafael - Mas e aí, vocês dois, me contem como é a vida nova e tal.

Lucas pareceu meio desnorteado, não sabia se devia responder a pergunta ou não. Foi quando Rafael finalmente falou.

Rafael: É diferente... Mas acho que estamos indo bem - e sorriu para Lucas.

Gabriela: Deve ser diferente mesmo - disse, em tom de deboche, não conseguindo conter a raiva - Mas e aí, me contem, quem de vocês é a passiva?

Amanda: Gabriela...

Gabriela: O que foi? Deixa eles contarem como é a nova vida, ué.

Lucas balançou a cabeça, em sinal de descontentamento, enquanto Rafael olhou para baixo, o rosto vermelho. Gabriela notou o gesto.

Gabriela: Agora sabemos - sorriu, ironicamente.

Guilherme: Pra quê isso, Gabi? Poxa...

Gabriela olhou para o amigo, incrédula. Balançou a cabeça e se levantou.

Gabriela: Olha, obrigada mesmo por terem vindo se despedir - e então suspirou, rendida - E desculpem por isso. Eu sei que tô sendo babaca, mas ainda não me acostumei, tá legal? - disse, olhando para Lucas e Rafael - Acho que é melhor eu ir logo pra sala de espera, né? Meu voo sai daqui a pouco... Então... É isso... Hm... Adeus, então.

Juliana: Que "adeus" o quê, para de drama, mulher. Ninguém vai morrer não. Vamos lá, a gente te acompanha até a sala - e se levantou, ajudando a amiga a pegar as malas.

Todos se levantaram, prontos para seguirem Gabriela.

A despedida de fato foi regada a abraços, lágrimas e palavras de carinho e encorajamento. Gabriela tentou esquecer a situação por alguns minutos, mas recusou o abraço de Lucas com educação. Rafael nem tentou um abraço, apenas sorriu. Juliana, mesmo na despedida, continuava com seu jeito disposto a piadas. Guilherme e Amanda demoraram nos abraços.

Amanda: Se cuida, viu? - disse ela, em meio a lágrimas.

Gabriela: E quando é que eu não me cuido? - ela sorriu, lutando contra o choro.

Reunidos a pouco tempo, a saudade parecia falar não pelos seis meses que seguiriam, mas pelos sete anos anteriores. Sete anos de amizades que pareciam eternas. Sete anos de sorrisos e momentos felizes. Sete anos que jamais retornariam. Sete anos eternos na memória de quase todos.

E, nos terríveis momentos que se seguiram após a trágica decolagem, que culminou na derrapagem e colisão da aeronave nos terrenos do aeroporto, os sete anos pareciam distantes, inalcancáveis. Sorrisos que ficavam para trás. (Sirenes e gritos de desespero). Abraços que jamais se repetiriam. (Correria e o caos instalado pelo pânico). Palavras de amor que pareciam nunca ter sido ditas.

Em algum lugar no passado, um grupo de amigos sorria para aquela que seria a última foto de todos reunidos, no baile de formatura.