Fanfic: E tudo aquilo que dissemos? | Tema: Romance, Traição, Amizade

Casa de Juliana / 2013

Gotas de chuva escorriam pela janela do quarto, agora frio. O vento entrava pelas frestas das portas e demais janelas, criando um leve som de assovio. Juliana estava deitada na cama. Olhos fechados, coração inquieto. O volume alto da música nos fones de ouvido abafavam o som da discussão de seus pais, na sala. Ela sabia que eles estavam discutindo. Eles sempre discutiam. Não como outros casais. Discussões pesadas, regadas a duras verdades, ameaças e ofensas cuspidas da boca de ambos. Juliana tentava ignorar, e a música a ajudava um pouco. Estava no refrão quando pensou ouvir o som de algo espatifar no chão. Parecia vidro. Ela virou-se, deitando de lado. Acompanhava a música movendo os lábios. "É preciso amar...". Uma das portas fechou-se com um estrondo. "As pessoas como se não houvesse amanhã...". Sua mãe gritou algum xingamento, enfurecida. "Porque se você parar...". Seu pai respondeu, no mesmo tom. "Pra pensar...". Uma lágrima solitária insistiu em rolar pelo canto de seu rosto. "Na verdade não há...".

Casa de Gabriela / Aniversário de namoro (14 de Abril) / 2015

Gabriela não podia acreditar no que seus olhos viam. As luzes eram absorvidas por seus olhos e a imagem perfeitamente decodificada em seu cérebro, mas ela ainda assim não podia acreditar no que via. Lucas estava sentado na cama, enrubescido. Gabriela iniciou o vídeo na tela do notebook pela quinta vez consecutiva. Virou-se e encarou o garoto. Os olhos vermelhos, os lábios tremendo em fúria e humilhação. Apontou o dedo para a tela.

Gabriela: Que porra é essa? - perguntou. "Intimou" seria a palavra adequada, na verdade.

O garoto balbuciou algo ininteligível. Ela perdeu a paciência.

Gabriela: QUE PORRA É ESSA, LUCAS? - vociferou, controlando-se para não quebrar a primeira coisa que visse pela frente.

Lucas: Eu tava meio bêbado, eu não sei, não me lembro disso! - respondeu, gaguejando e engolindo uma sílaba ou outra.

Ela recuou, uma das mãos na boca. Balançava a cabeça, incrédula.

Gabriela: Bêbado? - lágrimas de raiva brotando em seus olhos - Bêbado?!

Lucas: Gabi, eu... - começou, mas a frase jamais foi terminada.

Gabriela estendeu o braço e bateu no rosto de Lucas, a mão espalmada. O som de carne batendo em carne se ouviu, alto o suficiente para chamar a atenção de qualquer um na casa.

Gabriela: EU OUVI O QUE VOCÊ DISSE ALI!! - gritou, apontando novamente para o vídeo - EU OUVI!!

Lucas olhou para ela. O rosto ardia, mas nada era pior do que a vergonha que o consumia por dentro. Sentia-se sujo, e sabia que não haveria como explicar o porquê de um vídeo dele próprio beijando um de seus antigos colegas de classe. Rafael e Lucas trocavam olhares no vídeo, e, em dado momento, o garoto mais novo dizia "Isso é errado", ao passo que Lucas respondia "Eu sei". E voltavam às carícias. Quem havia filmado? Isso ele não sabia, mas pouco importava para Gabriela quem era o autor do vídeo. Importava que ele estava ali. O seu namorado, ou melhor, agora ex-namorado estava ali, beijando outro garoto.

Gabriela: Dois anos de namoro - havia tristeza e dor na voz, um tom de profunda angústia - Dois anos... E esse é o meu presente? - ela agora lutava contra o choro. Não se humilharia ainda mais.

Lucas: ... - ele chegou a abrir a boca, mas não disse nada.

Ela enxugou os olhos e o encarou.

Gabriela: Sai...

Lucas: Eu só queria...

Gabriela: Sai... - disse, aumentando o tom de voz.

Lucas: Me perdoa, eu...

Gabriela: SAI DAQUI! - gritou, empurrando-o para fora do quarto e fechando a porta violentamente.

Lucas estava perplexo. Seus olhos moviam-se, perdidos em suas próprias ações. Sentia-se mal. Caminhou apressadamente para fora da casa. Estava decidido a sumir. Não suportaria viver com a vergonha e a culpa que aquele momento trazia. Sozinha no quarto, Gabriela deixou-se deslizar até o chão, soluçando, desamparada. Os sons do vídeo ainda reverberavam em sua mente. Ergueu o olhar e levantou-se, tomada novamente pela fúria. Fechou a tampa do notebook de maneira brusca, e, num ato cego de ódio, ergueu-o acima da cabeça e o jogou na parede. Pedaços de plástico e pequenas peças internas voaram após o choque. Ela não se importava. Nada mais importava...

Centro Educacional Novo Amanhã / 2013

Carol estava concentrada em seu livro quando Rafael a chamou. Ela o ignorou. Ele insistiu. Ela suspirou, rendida e ergueu o olhar.

Carol: Oi - disse, num tom seco.

Rafael: Que livro é esse? - perguntou.

Ela, sem responder, mostrou-lhe brevemente a capa, depois lançou seu melhor olhar de "satisfeito?", e voltou à leitura. O garoto não entendia o que estava acontecendo. Já era o quarto dia que ela o tratava daquela maneira. De início pensou que pudesse ser algo relacionado à TPM ou qualquer outra coisa que hormônios deveriam fazer, mas então percebeu que apenas ele era tratado assim. Carol continuava a mesma para todos os outros. Ele perdeu a paciência.

Rafael: Olha, eu fiz alguma coisa errada? - perguntou, um tanto magoado - Fiz algo que você não gostou? Se foi isso, você podia me falar ao invés de me dar gelo - disse, um pouco mais alto do que pretendia. Agora podia sentir os olhares curiosos de alguns dos colegas.

Carol: Você quer mesmo saber? - rebateu, num tom ameaçador.

Rafael: Quero, ué! - disse.

Carol: Meu melhor amigo disse que me ama, e agora eu não consigo ficar em paz com isso! - ela disse, fechando o livro.

Ele ainda não entendia. Se perguntava o que aquilo tinha a ver com a história toda. Os colegas olhavam interessados agora.

Rafael: E o que eu tenho a ver com isso? - perguntou, irritado.

Ela o encarou, balançando a cabeça.

Carol: Você é o meu melhor amigo, idiota! - respondeu, também irritada. Rafael recuou, sem palavras. Pôde ouvir alguns colegas fazendo sons de surpresa e deboche.

Rafael: Eu sou...? - perguntou, sentindo algo entre a alegria e o espanto, e então voltou a raciocinar - Pera, pera! Quando eu disse isso? - perguntou, enrubescido.

Carol: Sabe, vei, quando eu digo que alguma coisa tem álcool, é porque ela realmente tem, sacou? - disse, e afastou-se um pouco - E esse anel - disse, mostrando o objeto - não é uma merda, entendeu? - e sorriu, ironicamente.

Tudo que o garoto queria no momento era sair dali. Seu rosto queimava, sentia o sangue fluindo rapidamente por sua face. Os risinhos abafados de alguns piorando toda a situação. Sem saber o que fazer, ou o que deveria fazer, virou-se para frente e continuou a copiar a matéria. Em sua mente, repetia uma frase, quase como um mantra sagrado.

"Não beber em festas. Não beber em festas. Nunca beber em festas..."

Permitiu-se sorrir, em seu âmago, pelo simples fato de ter chamado o anel de merda. Não que se orgulhasse cegamente disso, mas via o feito como um pequeno trunfo. Uma verdade dita. Um pensamento exposto. Disse a si mesmo, depois de repetir o mantra, que faria isso mais vezes. Só para saber depois o que havia dito enquanto estava fora de si. Doido? Não. Estranho? Talvez. "Ingênuo"...