Fanfic: Vínculos | Tema: Original
Capítulo 16- Tatuagem.
Sábado, 13 de Setembro de 2008.
— Eu não devia ter feito aquilo, foi exagero. — lamentou Mark, visivelmente embriagado.
Joey estava morrendo de vontade de dar um tabefe na cara do irmão e tinha todos os motivos do mundo para isso. Vinha enchendo o saco de Mark há meses para que ele lhe visitasse em sua casa nova e, quando o desnaturado finalmente resolveu aparecer, foi porque estava bêbado feito um gambá e na fossa por causa da briga horrorosa que teve com Skylar.
— Vou ligar para ela! — resolveu, porém teve seu celular tomado de suas mãos assim que o retirou do bolso da calça jeans.
Joey ignorou os protestos e jogou o aparelho na poltrona de vime desocupada ao seu lado.
— Me escuta, Mark. — Segurou-o pelos ombros com bastante força para obrigá-lo a prestar atenção. — Você não vai fazer absolutamente nada, ouviu bem? Você não está raciocinando direito e vai se arrepender.
— Mas eu já estou arrependido! — choramingou.
Joey bufou. Era quase a mesma coisa que lidar com uma criança intolerante a lactose que queria um sorvete, só que pior. Usando os resquícios de sua paciência, falou:
— Não tem motivos para se arrepender, você fez o certo. Só assim a Skylar vai entender que precisa se abrir e ser honesta com você.
Com aquelas palavras, o caçula Thatcher sossegou e Joey finalmente teve paz. Ou pelo menos achou que teria.
Poucos minutos depois, Mark, em todo seu brilhantismo banhado a álcool, levantou-se de supetão e anunciou:
— Estou indo atrás dela!
— Nem pensar! — Barrou o caminho do loiro.
— Deixe-me ir! — Aborreceu-se.
— Mark Benjamin, se você for atrás dela, eu te nego como irmão! — ameaçou, zangado e desesperado ao mesmo tempo. Tinha que zelar tanto pelos interesses quanto pelo orgulho do irmão mais novo, que iriam por água a baixo caso ele fizesse aquela burrada.
— Você não vai fazer isso, sou seu único irmão. — Mark desviou de Joey e continuou seu caminho cambaleante até a porta.
Com suas opções de persuasão esgotadas, Joey se viu obrigado a utilizar seu trunfo.
— Mark! — chamou.
Assim que ele se virou, Joey acertou-lhe um murro na cara, que o fez rodopiar e cair no chão feito um boneco de pano. Após constatar que o loiro estava desacordado, e que a combinação álcool-impacto o faria continuar assim por um tempo, o mais velho o carregou para o sofá.
— Você ainda vai me agradecer por isso...
(...)
— A loira gostosa. — arriscou Ethan.
— Que loira o quê! O cara de boné é quem vai ser o próximo. — afirmou Sheila.
— Lamento decepcionar vocês, mas vai ser o velho tatuado. — disse Nate.
O trio estava amontoado no sofá da sala de Nate assistindo a um filme de terror de péssima qualidade com temática de serial killer. Para não desperdiçar completamente o dinheiro da locação do DVD, eles arrumaram uma maneira boba de se divertir: apostar em quais personagens iriam para a cova.
— Nathaniel. — A mãe de Nate, Gwendolyn, apontou na porta, desviando a atenção dos três. Ela era a versão feminina e mais velha do filho, com belos olhos verdes e um longo cabelo loiro e liso. Sua aparência era tão bem conservada para a idade que muitos não acreditavam que seu filho mais velho tinha quase 19 anos. — Sua tia Aoibheann está no telefone e quer falar com você.
Nate pediu para pausarem o filme e seguiu a mãe para fora da sala.
— Ainda está zangada comigo? — Ethan indagou aos sussurros para garantir que ninguém fora daquele cômodo o escutasse.
Sheila cravou seus olhos castanhos nele como adagas.
— Não seja tolo. — repetiu com sarcasmo a frase de uma semana atrás.
Como se estarem brigados já não fosse ruim o suficiente, Ethan e Sheila ainda tinham que fingir que tudo estava bem na frente de Nate, senão ele iria querer saber o motivo do desentendimento.
— Já pedi desculpas, Shae. Eu estava nervoso, irritado e de ressaca...
— Não é só isso, Ethan! — controlou-se para não elevar a voz. — Como pôde ser tão burro a ponto de confiar na Esther para resolver o seu problema com a Michelle?!
Ethan bufou. Ele tinha sido burro de contar aquilo para Sheila, isso sim. Ainda mais quando ela já não estava lá muito feliz com ele.
— Você é muito implicante! O problema foi resolvido, não foi?!
— Não acha que foi fácil demais? — questionou, demonstrando sua desconfiança.
— Como assim? — Franziu as sobrancelhas.
— Você realmente acredita que alguém como a Michelle admite ser ameaçada e não fazer nada? Ainda mais pela songa monga da Esther, que não põe medo nem na minha sobrinha de três anos? Ela vai aprontar alguma, Ethan. — advertiu.
— Você está sendo completamente neurótica. — desdenhou.
— Quero ver você repetir isso quando a casa cair.
— A casa não vai cair. — disse convicto. — Você só está falando isso porque quer que eu conte a verdade para o Nate.
— Pense o que quiser agora, mas, quando tudo der errado, lembre-se que eu te avisei.
— Seu otimismo é contagiante! — falou com sarcasmo.
— Vai à merda.
— Posso saber o motivo da troca de carinhos? —Nate, que retornara naquele instante, perguntou com uma sugestão de sorriso no rosto.
— Porque...— Sheila, que fez a péssima decisão de ser a primeira a se manifestar, lançou um olhar desesperado para Ethan.
— Eu disse que ela vai ter que colar a identidade na testa quando for na festa de abertura dos jogos universitários para ninguém a confundir com uma penetra de 15 anos. — Ethan não desperdiçou a oportunidade de realmente caçoar da amiga com uma piada que ele estava guardando desde que a data exata da festa foi divulgada.
Sheila fuzilou-o, segurando-se para não atacá-lo com uma série de palavras não muito educadas. Pelo menos Nate acreditou naquilo, tendo caído na risada, o que de certa forma irritou-a ainda mais.
— Idiotas. — resmungou.
Nate, ainda risonho, passou o braço pelos ombros de Shae e a puxou para si.
— Não fica assim, Bela, você sabe que nós te amamos. — Para completar, deu-lhe um beijo estalado na bochecha, feito uma criança.
Naquele momento, o celular da O’Flahertie vibrou com a chegada de uma nova mensagem. Assim que ela leu, anunciou:
— Tenho que ir. — Soltou-se do amigo e calçou seu par de coturnos pretos, que estava jogado de qualquer jeito no tapete felpudo da sala.
— O quê? Como assim? Por quê? — Nate questionou e Ethan fitou-a confuso. Sheila quase nunca os abandonava para fazer outra coisa.
— Ray quer me ver, disse que é importante. — contou, preocupada e curiosa ao mesmo tempo a respeito do que se tratava.
(...)
— Lembra-se da vez que me contou sobre querer fazer uma tatuagem com Robbie Worthington? — começou Ray, olhando para Sheila de rabo de olho. Estavam a bordo de seu Vauxhall Vectra prateado rumo à “surpresa” que preparara para ela. Ela assentiu, o que lhe deu permissão para continuar. — Já escolheu o que vai tatuar?
— Onde quer chegar? — indagou sem se preocupar em esconder sua curiosidade.
Ray sorriu de lado, estava ansioso para ver a reação da garota assim que lhe contasse a novidade.
— Como eu te falei, Robbie é meu amigo. Ele não atende aos sábados, mas eu o convenci a abrir uma exceção para você.
Sheila arregalou os olhos.
— Não brinca comigo...
— Não estou brincando. — afirmou, divertindo-se com a cara incrédula de Shae e ainda mais com o sorriso alegre e um tanto quanto infantil que brotou em seus lábios realçados pelo gloss de cereja. Por um breve momento, teve a impressão de que ela iria pular em cima dele para abraçá-lo e encher seu rosto de beijinhos.
— Raymond Kavanaugh, eu te amo. — brincou. — Estou tentando marcar um horário com ele há meses... Por que fez isso? Quero dizer... Não que eu esteja reclamando ou algo do tipo... Mas por quê?
— Bem... Inicialmente, fiz isso por causa do que aconteceu na última sexta, como um pedido de desculpas, sabe? — admitiu, um pouco constrangido. Passou a última semana remoendo as palavras ácidas e desnecessárias que disse à Shae e sentindo-se um idiota por aquilo, mesmo após terem feito as pazes.
— Eu já te disse que não foi nada demais, foi um exagero meu. Eu também estava te enchendo o saco, se você não se lembra...
— Quem exagerou fui eu, Shae. — falou com seriedade. — Você estava só brincando, eu não devia ter levado tão a sério.
— Vamos esquecer isso, ok? Eu me desculpei, você se desculpou, ninguém está magoado e... — Parou de falar abruptamente. — Não dá para passar na minha casa não? Eu estou sem dinheiro para pagar a tatuagem.
— Não se preocupe com isso. Robbie me deve um favor, então ele vai fazer de graça.
— Por Deus, Ray, eu não posso aceitar! Não de graça!
— Relaxa, garota. — falou na tentativa de acalmá-la. — Considere isso como um presente de aniversário.
Era um pedido difícil de fazer se fosse levar em conta o fato de nem mesmo ele considerar aquilo. Se Sheila lhe dissesse que seu aniversário seria na próxima semana, ainda assim Ray lhe daria outro presente. Estava fazendo aquilo, principalmente, porque não queria vê-la com a mesma cara de frustração que ela fez no Locke Bar quando lhe contou que não conseguia marcar horário com Robbie.
Queria vê-la feliz.
— Meu aniversário é em abril. — Havia um quê de desafio em sua voz.
— De Natal então.
(...)
Não levaram muito tempo para chegar ao estúdio de Robbie. Sheila teve que admitir que a aparência exterior era impressionante: a frente era pintada de preto e exibia obras de grafiti estilo urbano. As janelas de vidro fumê eram tão grandes quanto a porta dupla vermelho escuro. No centro exato do estabelecimento, em cima da entrada, um letreiro luminoso se destacava com os dizeres “W’s Tattoo”.
Ao entrarem, se depararam com o local vazio, o que forçou Ray a gritar por Robbie, que logo apareceu por uma porta preta. Ele tinha estatura média e o físico magro, porém malhado. Seu cabelo negro era raspado dos lados e atrás, dando-lhe um visual moderno e despojado ao mesmo tempo, sendo realçado pelas inúmeras tatuagens espalhadas por seu corpo e pelo alargador 6mm em sua orelha direita. Seu óbvio gosto por preto também se manifestava em suas roupas: jeans surrados com a bainha de uma das pernas dobrada até a metade da canela, coturno democrata preto e regata preta.
Robbie olhou Sheila da cabeça aos pés e concluiu:
— Você deve ser Sheila. — Ela assentiu com simpatia. — Você é mais bonita do que eu pensei. — O comentário saiu acompanhado de um sorriso galante. Ao invés de corar e ficar sem graça, Sheila sorriu divertida e agradeceu o elogio enquanto Ray simplesmente revirou os olhos.
— Já vai começar com as gracinhas, Robert?
— Já vai começar com a chatice, Raymond? — devolveu. — Já escolheu o desenho e o lugar? — voltou-se para Shae, que acenou positivamente com a cabeça.
Robbie os conduziu até uma sala um pouco menor, atrás da mesma porta por onde passara momentos atrás. Nela, as paredes brancas eram decoradas por fotos de tatuagens feitas no estúdio. Fez sinal para Sheila se sentar na cadeira de tatuador e começou a se preparar. Ray se acomodou em uma cadeira de acrílico preta próxima a Shae.
— Como conheceu meu trabalho, bonequinha? — Robbie perguntou para Sheila, curioso, enquanto preparava os materiais para começar com a tatuagem. “Bonequinha” saiu tão naturalmente que nem soou como uma cantada.
Ray limitou sua vontade de censurar o amigo ao seu olhar fuzilante. Conhecia Robbie há oito anos e nunca deu a mínima para quem ele pegava ou não, mas achava melhor ele abaixar a bola com Sheila, já que ela era 10 anos mais nova que ele — Robbie tinha apenas um ano a menos que Ray.
— Minha irmã é cliente sua. Skylar O’Flahertie.
— Skye! — exclamou com um grande sorriso. — Eu adoro aquela mulher! Ela já se casou?
— Ainda não...— respondeu sobre o casamento de forma que indicava certo incômodo, como se ela não quisesse tocar no assunto. E foi isso que Robbie fez.
— Ela sempre trazia os desenhos das tatuagens que queria. Ela me contou uma vez que eles eram feitos pela irmã mais nova dela. É você?
— Só o dragão e o pavão, o resto eu não sei de onde ela tirou.
— Eles ficaram ótimos, você é boa nisso. — elogiou. — Pensa em ser artista ou alguma coisa do tipo?
— É apenas um hobbie. — Deu de ombros. — Prefiro ficar na publicidade, combina mais comigo.
— É uma pena...— lamentou.
Depois disso, Robbie, já com a parafernália pronta, pediu para Sheila lhe explicar o desenho e onde ela o queria. Ela não foi muito detalhista, mas para o Worthington era suficiente.
— Nervosa? — Ray perguntou baixinho para Shae, que encolheu os ombros e deu-lhe um sorriso amarelo.
— Um pouquinho, para falar a verdade.
Um pouquinho coisa nenhuma, já que quando a agulha tocou a pele de sua costela direita poucos minutos depois, ela mordeu o lábio inferior e, em um ímpeto, agarrou a mão de Ray com força.
— Me contem alguma coisa, quero me distrair. — pediu olhando para ele, que só não disse nada de imediato porque o amigo o cortara.
— Alguma sugestão, bonequinha? — consultou sem perder o foco em seu trabalho.
— Sei lá... — Ponderou um pouco. — Como vocês se conheceram?
Com o pedido de Shae, Ray não pôde deixar de se lembrar de uma sitcom que assistia vez ou outra, chamada How I Met Your Mother, que nada mais era que um cara contando aos filhos a história de como conheceu a mãe deles. E era exatamente a isso que Sheila estava se assemelhando.
— No aeroporto. — Ray falou. — Nos mudamos para Limerick no mesmo dia e dividimos um apartamento por mais de um ano.
— De qual cidade vocês são? — questionou, imaginando que, no caso de Ray, seria Dublin ou Cork.
— Eu sou de Bristol e ele de Glasgow.
A origem do tatuador não surpreendeu Sheila, já que o sotaque denunciava sua origem inglesa. No entanto, o mesmo não podia se falar sobre Ray.
— Você é escocês?! — Sheila voltou-se para Ray, que confirmou, pouco à vontade com o rumo da conversa. Escócia significava casa; casa significava família; família significava calamidade. — Mas você não tem sotaque!
— Perdi com o tempo. — respondeu com cautela. O mais correto, na verdade, seria: “Fiz de tudo para perder”.
— Não tem essa! O Robbie não perdeu. — argumentou em tom petulante.
— Eu gosto de você, garota, de verdade, mas não me compare com o Robbie. — disse em falso tom desanimado, que arrancou uma risada de Shae.
— Ele não merece tal honra. — provocou Robbie.
— Ninguém merece. — zombou.
— A sua sorte é que essa agulha tá na bonequinha aqui, não em você.
— Que amizade linda! — Sheila caçoou, rindo. Ou pelo menos tentou, já que, nessa mesma hora, sentiu uma pontada mais forte da agulha em sua costela. Isso fez sua cara de riso se misturar com a de dor, dando-lhe uma aparência bizarra que fez Ray gargalhar. — Agora você ri, né, desgraçado?
O celular de Ray tocou naquele exato momento e ele teve que se retirar da sala, sob o olhar feio de Shae, para atender.
Era Scott, puto da vida, despejando seus problemas sobre ele que não entendeu quase nada, já que o amigo estava falando tão rápido que suas palavras saíram emboladas. Pelo pouco que captou, era algo sobre uma briga com Mia, ou a banda que iria tocar no casamento, ou o Buffet, ou os três juntos. O ponto era: Scott queria que ele fosse até lá para ajudá-lo a resolver seja lá o quê.
Como melhor amigo dos noivos e padrinho do casamento, recusar o pedido não era uma opção. Todavia, não pôde deixar de sentir certo aborrecimento. Ultimamente, era ele quem estava tendo que correr atrás dos preparativos para a cerimônia, já que o mal planejamento de Scott e Mia, fora as brigas constantes, fazia com que eles tivessem pouco tempo para lidar com muita coisa. Dessa forma, acabava sobrando para Ray, que, desgostosamente, estava começando a achar que o casamento era dele também. Não que ele se importasse em auxiliá-los — era para aquilo que serviam os amigos, oras! —, mas a situação já estava ficando ridícula.
— Tenho que ir. — anunciou ao retornar à sala. — Scott está com um probleminha e precisa da minha ajuda. Eu volto aqui para te levar para casa. — dirigiu-se à Sheila.
— Não precisa se preocupar, eu posso muito bem pegar um ônibus ou ligar para a minha irmã...
— Ou eu posso levar ela. — Robbie, sem perder tempo, ofereceu.
— Naquela moto? De jeito nenhum!
Ray sentiu-se o maior dos caretas quando disse aquilo. O problema não era a moto, nem o fato de Robbie ser um motorista terrível, e sim sua atitude em relação à Shae. Diferente de Ray, a idade da garota não significava nada para o Worthington, e estava se sentindo um tolo por ter acreditado no contrário. Tinha quase certeza que ele a chamaria para sair depois da tatuagem ou algo do tipo, por isso não queria deixá-la sozinha com ele por muito tempo.
Para Ray, Sheila não era e estava longe de ser uma garota bobinha ou uma donzela em perigo. Mas, pelo o que ela lhe contou sobre seus relacionamentos passados, que só perdiam para os dele no quesito desastre, sabia que o que ela menos precisava era de outro canalha em sua lista. Robbie ser seu amigo há oito anos não anulava o fato de ele ser o tipo que corre atrás de todo e qualquer rabo de saia.
Não queria vê-la machucada.
— Eu sei me cuidar, Ray, não sou de porcelana. — disse Sheila, visivelmente irritada.
— Volto em duas horas. — sentenciou, dando as costas para os amigos e deixando a sala.
(...)
Ao retornar ao estúdio, encontrou Robbie e Sheila exatamente do jeito que previra: conversando largados no sofá preto de couro da recepção. Animados demais. Próximos demais.
Segurou a vontade de bufar. Eles podiam não estar aos beijos, mas, ainda sim, Ray sentiu que falhou. Os olhos de Sheila tinham um brilho diferente e seus lábios, agora sem o gloss, apresentavam com um sorriso que dançava sobre a linha que separava o doce do malicioso.
Aquilo não era um bom sinal.
Robbie e Shae estavam tão entretidos um com o outro que Ray teve que pigarrear para chamar a atenção.
— Gostou da tatuagem? — indagou à Sheila quando ela saltou do sofá e foi até ele.
Em vez de responder com palavras, ela pegou a barra lateral esquerda de sua blusa cinza e levantou até à altura das costelas. Por baixo de um plástico transparente, havia três passarinhos multicoloridos voando um ao redor do outro como se estivessem brincando.
— O que acha? — Ela exalava satisfação.
— Ficou ótimo. — disse, aproximando-se para admirar melhor os traços detalhados e as cores vibrantes. Robbie era um verdadeiro artista. — Tem algum significado ou você só acha legal?
— Os passarinhos não têm nenhum motivo em especial, a importância verdadeira está no número três, porque ele me dá sorte.
Ela, Nate e Ethan. Ela, Skylar e Amethyst. O dia de seu aniversário... O número três costumava aparecer para Sheila de diversas formas.
— É lindo. — Ray reafirmou com um sorriso. Logo em seguida, perguntou por Robbie, dando falta do amigo.
Sheila, que também acabara de se dar conta do sumiço do tatuador, abaixou a blusa e chamou:
— Robbie?
Assim como antes, ele apareceu quase imediatamente pela mesma porta preta. Dessa vez, porém, ele estava com dois papéis dobrados em mãos.
— Me desculpem, eu fui procurar isso aqui. — Balançou os papéis.
— O que é isso? — Sheila perguntou de imediato.
— Veja. — pediu, entregando-os para ela.
Sheila desdobrou os dois papéis e viu do que se tratavam: os desenhos que fizera para Skye.
Na folha da frente, estava um dragão chinês verde-água com olhos dourados. Os espaços em branco da folha, os que não eram ocupados pela criatura, eram preenchidos por peônias nas cores vermelho, rosa e branco. Essa era a tatuagem do braço direito de Skylar.
Na folha de trás, estava a tatuagem das costas. Um pavão de corpo azul cobalto que tinha as penas da cauda semiaberta pintadas de um verde que se degradava em dourado.
— Ah, Robbie, obrigada! — Abraçou-o brevemente.
— Não precisa agradecer, eles são seus, no final das contas...
— Vamos? — Ray pronunciou-se.
— Vamos. — Sheila concordou. — Às cinco? — voltou-se para Robbie.
— Às cinco. — confirmou com um sorriso. — Até amanhã.
— Até! — despediu-se.
Quando já estavam dentro do carro, Ray questionou, mesmo adivinhando qual seria a resposta:
— Vocês vão sair juntos amanhã?
— Ele me chamou para ir ao jogo de Munster contra Connacht.
— É um encontro? — Novamente, o Kavanaugh fez uma pergunta quase retórica.
— Talvez... — Abriu um sorriso travesso, mirando Ray. — Por que o interesse?
— Nada, só fiquei curioso...
Ele fracassara em todos os sentidos. A única coisa que lhe restava agora, era torcer para que aquilo não acabasse em desgraça e corações partidos. O de Shae, mais especificamente.
— Ei... — Sheila chamou-lhe a atenção de forma terna. — Obrigada por hoje, você é incrível.
Ray sorriu sem perceber. Talvez, ele não tivesse fracassado completamente, afinal, ela estava feliz. Era aquilo que importava.
(...)
O relógio de pêndulo da sala de espera já badalava oito horas da noite e Cabhan O’Grady, assim como sua jovem secretária, já se preparava para retornar ao conforto de sua casa quando o distinto homem chegou ao seu escritório de advocacia, insistindo em vê-lo. A secretária tratou de anunciá-lo à Cabhan imediatamente pelo telefone. Se fosse qualquer outra pessoa, ela teria pedido educadamente para retornar no dia seguinte, mas aquele não era o caso.
Edmure Kavanaugh, definitivamente, não podia ser chamado de “qualquer”. Além de ser um velho amigo de O’Grady, ele também era o cliente mais importante.
Apesar do cansaço, Cabhan recebeu-o de braços abertos e com um sorriso amistoso. Desde o momento em que pôs os olhos em Edmure, notou que ele parecia um tanto quanto abatido. A falta de brilho em seus olhos cinzentos, as olheiras, a magreza e o domínio quase completo dos fios brancos, que aumentaram bastante desde a última vez que o viu, em sua cabeleira castanha contribuíam negativamente para sua imagem.
— Está tudo bem, Eddie? — indagou quando, assim como o amigo, se sentou em uma das cadeiras de mogno estofadas do escritório.
— Está. — Edmure não olhou para Cabhan quando respondeu. — Sei que você deve estar esgotado, então vou direto ao assunto. Quero alterar meu testamento. — comunicou com seriedade.
O velho advogado franziu o cenho em estranhamento. A última, e única, vez que Edmure mexera no testamento foi há seis anos, devido a problemas familiares.
— O que deseja fazer? — Resolveu esperar para saber do que se tratava antes de questionar qualquer coisa.
— Incluir Raymond entre os meus herdeiros novamente.
— Por quê? — Não pôde deixar de perguntar, afinal, a modificação no testamento de seis anos atrás foi exatamente para deserdar o filho mais velho de Edmure, Raymond, e dividir sua parte entre a mãe e os dois irmãos. Cabhan sempre acreditou que Edmure estivesse magoado com o filho, já que, além de o ter deserdado, ele quase nunca tocava em seu nome.
— Porque eu percebi que cometi um erro. Deixá-lo de fora do testamento não vai mudar nada. Além do mais, eu ainda tenho esperanças de que ele volte. — admitiu com um olhar distante, que enxergava mais do que via e mais do que havia no recinto.
— Grace sabe disso? — questionou, ignorando a atmosfera melancólica.
Edmure meneou a cabeça negativamente.
— Prefiro que não saiba por enquanto. Ela não vai ficar feliz quando souber que perdeu uma parte da herança, mesmo que seja pequena, se comparada ao que ela já tem. Aquela megera... Sempre quer mais, nada lhe é suficiente. — Havia amargura em sua expressão.
— Nunca entendi o porquê de nunca ter pedido o divórcio. — confessou Cabhan.
— Eu tentei me separar dela há oito anos, mas foi um fracasso. Tive que desistir, já que a Grace transformou minha vida em um inferno. Ela ameaçou acabar com tudo que eu tinha, desde a empresa até meus filhos...
Cabhan não sabia daquilo. Mesmo sendo seu amigo há anos, Edmure não compartilhava muitas coisas sobre sua vida privada.
— Eram apenas ameaças de uma mulher histérica, Eddie. Hoje você estaria livre daquela bruxa se tivesse se mantido firme.
Edmure mergulhou-se em um silêncio quase fúnebre por um curto período de tempo antes de dizer:
— Não foram apenas ameaças.
A cara de choque de Cabhan teria sido engraçada se não fosse pela situação tensa.
— O que você quer dizer com... — Parou de falar quando lembrou-se de um evento de também oito anos atrás. — O incidente com Raymond foi culpa dela? — falou lentamente, desejando que seu palpite estivesse precipitado. Todavia, o olhar de Edmure deu-lhe uma confirmação que não queria. — Tem certeza?
— Nada me tira da cabeça que foi ela. — Cabhan sentiu uma pontada incômoda no peito com a dor que o amigo demonstrava sutilmente. — Continuando o assunto do testamento... — Edmure levou a mão ao bolso interno de seu sobretudo preto e tirou de lá dois envelopes e os entregou para o O’Grady. Um deles era lacrado com cera e tinha a letra D grafada na parte de trás. — No envelope aberto está mais alguns meros detalhes que eu quero modificar no testamento. Quanto ao lacrado, vou precisar de um favor seu. — O advogado concordou, permitindo que Edmure continuasse. — Caso Ray não volte e eu morra ou fique incapacitado de administrar a empresa, quero que entregue esse envelope para Daniella Fraser. Apenas isso.
Como o tom de Edmure deixava claro que ele não queria mais perguntas a respeito de seus problemas pessoais, Cabhan apenas guardou os envelopes em sua pasta de couro e prometeu que faria o que lhe foi pedido.
— Só mais uma coisa... Você não podia ter esperado para vir aqui amanhã? Por que essa pressa toda?
— Não posso perder tempo.
Cabhan franziu o cenho, preocupado. Edmure estava se comportando de modo cada vez mais estranho.
— O que quer dizer com isso? Eddie... Você está doente?
Ele negou após alguns instantes de silêncio.
— Não... Apenas tenho um mau pressentimento.
Autor(a): Lilie
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Capítulo 17- Lápide Quinta-feira, 02 de Outubro de 2008. Antes mesmo de se levantar da cama, Skylar já pressentia que aquele seria um dia de merda. O senso comum diria que seu estômago embrulhado e a dor de cabeça eram resultantes da garrafa de vinho que tomou sozinha naquela madrugada enquanto assistia à reprise de uma ...
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