Fanfic: Vínculos | Tema: Original
Capítulo 4- Branco
Quinta-feira, 07 de Agosto de 2008.
Sheila estava furiosa.
Sua maneira de andar, em passos rápidos e pesados, e o jeito como apertava uma das alças de sua mochila roxa evidenciavam isso. Ela visava deixar logo os domínios da universidade, porque se permanecesse mais tempo do que o necessário naquele lugar acabaria pulando no pescoço de alguém.
Desde a reinauguração do Corrach Mad, no último fim de semana, a morena vinha sendo alvo de olhares acusadores, caras feias e comentários indiscretos vindos dos jogadores do time de rúgbi da UL*, o Dullahans, e de seus torcedores e simpatizantes.
O motivo?
Simples.
Sheila era o motivo da briga entre Vincent Harvey e Logan Hartley, que acabou resultando no pulso quebrado de Logan.
E por que o fato de Logan ter quebrado o pulso direito era tão importante?
Simples.
Além de jogar hurling ocasionalmente, ele era o fly-half do Dullahans, o cérebro da equipe. Sem ele as chances de classificação do time para o campeonato de final de ano caiam drasticamente, mesmo que achassem um bom substituto ainda não seria a mesma coisa.
Isso fez com que a O’Flahertie passasse a semana ouvindo comentários do tipo: “se o Dullahans não conseguir se classificar para o campeonato, vai ser tudo culpa dessa vadia!” ou “eu não acredito que o Hartley foi burro a ponto de trocar a McMahon por essa vadia!”.
Enfim, tudo tinha vadia no meio.
Para piorar ainda mais a situação, Sheila brigara com Ethan na terça-feira por causa da demora do amigo para contar a Nate sobre o ocorrido com Esther. A discussão fora tão feia que a morena decretou que, em hipótese alguma, falaria com Ethan até que ele revelasse toda a verdade a Nate. Por mais infantil que tenha sido sua decisão, foi a única coisa que conseguiu pensar para convencer o amigo.
Ela só não imaginava que ficar sem o moreno fosse tão difícil.
Sheila e Ethan se viam quase todos os dias desde que se conheceram. Cortar o contato repentinamente foi no mínimo impactante.
A garota esperava do fundo de seu coração que o Harvey contasse logo, antes que ela cedesse, fazendo com que sua estratégia fosse por água a baixo. Shae sabia que não aguentaria manter o pacto de silêncio por muito mais tempo, Nate e Ethan significavam o mundo para ela, ficar sem eles era o mesmo que ter seus órgãos arrancados.
A única coisa minimamente animadora fora que conseguira o emprego no Reagan’s. Era para Sheila começar a trabalhar apenas na segunda, mas como uma das garçonetes adoecera, ela acabou sendo convocada mais cedo. Ela não reclamou disso, na verdade era até uma desculpa para deixar a universidade imediatamente após o fim de suas aulas, sem ficar largada em algum bar ou lanchonete conversando com Faith como era habituada a fazer.
Apressava o passo na medida em que se aproximava do Reagan’s. Faltava mais de quarenta minutos para que seu turno começasse, mas mesmo assim ela queria estar lá cedo para causar uma boa impressão. Principalmente se levasse em conta que seu atual vestuário — blusa rendada branca, sapatilhas e um micro short jeans — não a ajudava a continuar com a imagem de boa moça deixada na entrevista de emprego.
O restaurante estava lotado, o que era incomum naquele horário (5h00pm). Assim que chegou, o afobado gerente deu-lhe algumas instruções, apresentou-lhe rapidamente às outras garçonetes, entregou o uniforme e indicou a localização do banheiro dos funcionários para que ela pudesse trocar de roupa. Mesmo que se turno ainda não tivesse realmente começado, Sheila não reclamou.
Foi até o banheiro nos fundos do estabelecimento, colocou o uniforme, — calça preta, blusa de botão branca e um colete verde-musgo com um grande “R” em dourado do lado esquerdo — guardou as roupas na mochila e foi até um grande espelho retangular colado acima da cuba de mármore para prender o cabelo em um coque firme.
Após fazer o penteado, apoiou as duas mãos na cuba e respirou fundo tentando manter a calma. Ela precisava se sair bem. Nem tanto pelo trabalho em si, trocava de emprego tanto quanto trocava de roupa, era mais pelo bem de sua autoestima. Passou a semana inteira se sentindo um lixo por conta dos acontecimentos da última noite de sexta-feira para sábado. Pelo menos uma coisa tinha que dar certo aquela semana.
(...)
A imponente estrutura de concreto se destacava na Keane St., maravilhando quem se dispusesse a observa-la. O edifício era mais do que digno de ser a sede da Fall’s, uma prestigiada editora da província de Munster. A empresa publicava vários títulos, desde jornais diários até revistas com temas de abrangência nacional, com destaque para a amada e odiada Unmasked, que atingira grande fama por todo o território irlandês graças às suas polêmicas e chocantes matérias de cume investigativo.
Por tratar de assuntos extremamente sérios, a equipe se reunia religiosamente na semana após a publicação de cada edição para discutir o que fariam na próxima. Essas reuniões costumavam se estender por horas, tornando-se extremamente maçante para os envolvidos.
E era em uma dessas que Skylar se encontrava, bebendo xícara após xícara de café e lutando para continuar prestando atenção no que o Hugh Leopold falava. Depois de uma tarde inteira, a figura do diretor de redação discutindo propostas enquanto andava de um lado para o outro em frente a grande mesa de reuniões passou de séria e comprometida para irritante.
Skye trabalhava como repórter investigativa na Unmasked há quase três anos. Ainda não conseguia entender como diabos sua entrevista de emprego e seu artigo-teste sobre o mercado negro da falsificação de arte foram considerados melhores que os de jornalistas experientes com diplomas de renomadas universidades. Skylar, na época com 23 anos e recém-formada em jornalismo, se candidatou apenas como um teste, nunca imaginou que pudesse realmente ser contratada. Foi pura sorte. A surpresa fora tão grande que Amethyst achou que a irmã tinha dormido com o dono da Fall’s para conseguir o emprego.
Lembrava-se direitinho da briga que teve com Amy por causa disso. Pratos voaram.
Literalmente.
— ... se você está com tanto medo assim de ser processado, sugiro que peça demissão senhor Rhett. Não temos lugar para covardes aqui. A função dessa revista é expor a verdade e não agradar a aqueles engravatados metidos a besta! — Humilhado, Karl Rhett abaixou a cabeça. Hugh era mestre na arte do “esculachamento”. A própria Skylar já havia tomado várias dessas catracadas por encher a cara nas vésperas de reuniões.
— Prosseguindo — Ajeitou a gravata azul, o que Skylar considerou um tanto quanto irônico, e continuou falando como se não tivesse acabado de “arrancar o couro” de alguém. — Como todos aqui já devem estar sabendo, Leonard Matson pediu demissão semana passada, deixando para trás as investigações a respeito de Oscar Doherty. — Hugh fez uma careta involuntária ao falar do ex-funcionário. Segundo boatos, os dois quase saíram no tapa quando Leonard manifestou seu desejo de sair da revista. — Esse artigo é de grande importância para a Unmasked e por isso ela não pôde e nem poderá ser encerrada por causa de uma arregão feito o Matson...
Ele parou a frase no meio e pôs-se a fitar analiticamente o lado esquerdo da grande mesa de carvalho, onde se encontravam dez dos dezoito jornalistas da revista. Apenas seis deles estavam interessados no que ele iria dizer, os outros pareciam mais preocupados em torcer para que ele tivesse uma diarreia e encerrasse logo a reunião. Continuou:
— Depois de uma troca de ideias com os senhores Tremblay e Penn, acabei optando por deixar a continuação da matéria a encardo da Srta. O’Flahertie. — decretou.
Skylar, surpresa, derramou um pouco de café em seu blazer preto. Obrigou-se a engolir uma série de palavrões ao sentir o peso de vários pares de olhos a encarando. Quase todos a miravam com um misto de pena e alívio. A inquirição de Oscar Doherty, apelidada de “O Caso dos Vinte Anos”, era considerada uma maldição pelos jornalistas da Unmasked.
— Quero que você vá para a minha sala amanhã cedo para que possamos discutir a respeito da reportagem. Fui claro, O’Flahertie? — O tom de voz ríspido de Hugh irritou Skylar.
— Quase transparente, Sr. Leopold. — disse entredentes, o que não passou despercebido pelo diretor de redação.
Ele lançou lhe um olhar feio e em seguida começou a falar sobre um possível tema para a próxima edição, o que captou a atenção das pessoas, esvaindo assim o clima tenso presente na sala minutos atrás.
Enquanto todos, até os que estavam anteriormente alheios, se concentravam no que Hugh tinha a dizer, a O’Flahertie se ocupava em verificar se algumas gotículas de café não haviam voado também em seu vestido coral. Essa atitude era ridiculamente inapropriada para uma profissional, mas ela sabia que não conseguiria se concentrar na reunião mesmo se tentasse. O anuncio de que seria responsável pelo Caso dos Vinte Anos fritava seus miolos.
(...)
— Nate!
O loiro virou-se e viu Esther correndo em sua direção. Ela vestia uma blusa de alcinha azul bebê, shorts jeans claro, vans azul escuro, pulseiras coloridas e seu clássico par de óculos de armação preta.
— Posso saber o motivo dessa pressa toda, Rapunzel? — questionou bem-humorado assim que ela o alcançou.
— Você. — respondeu ajeitando seus cachos dourados que se bagunçaram com a corrida.
— Eu? — Apontou para si.
— Sim, para irmos para casa juntos. Não sei se você sabe, mas moramos há apenas três quarteirões de distância um do outro. — disse sorridente.
— É claro que sei! Já fui algumas vezes à sua casa na época da escola, não se lembra?
— Lembraria melhor se você me visitasse com mais frequência. — O tom sugestivo da garota fez Nate enrubescer. — Enfim... Podemos aproveitar o tempo da caminhada para botar o assunto em dia. Não te vejo desde o Corrach Mad, Nate. Estava começando a ficar com saudades!
— Saudades? Quando foi que você ficou tão carente?
Esther não respondeu sua pergunta. Deu um meio sorriso e pôs-se a andar em direção à saída do campus, após alguns passos ela olhou para Nate por cima dos ombros e indagou:
— Você vem ou não?
(...)
— E o que vocês fizeram?
— Assim que ele começou a gritar de dor, o Ethan chamou uma ambulância e eu fui atrás da Faith para contar o que tinha acontecido. — Nate encerrou seu conto sobre o acidente de Aaron no jogo de hurling. — Sério que você não sabia disso?
— Mais ou menos. Eu o vi andando engessado pela faculdade, mas não sabia o que tinha acontecido. A Britty ficou se coçando de curiosidade.
— Existe uma coisa nesse mundo que Brittany Barnes não saiba? Agora eu fiquei surpreso! — Brittany era a típica rainha da fofoca de filmes adolescentes, nem a ida para a universidade fez com que ela mudasse.
— Não tanto quanto eu.
O tom alaranjado do céu de fim de tarde contribuía para a atmosfera tranquila da rua, onde, estranhamente, não havia uma alma viva. Apenas o casal loiro caminhando vagarosamente, absorto em conversinhas bobas.
— Eu não sei o que vocês garotos veem nesses esportes violentos, mais cedo ou mais tarde voc...— Parou de falar ao ver que Nate cessara seus passos.— Por que você parou?
Ele começou a rir. Esther franziu o cenho, não entendendo a graça.
— É aqui que eu moro, Rapunzel. — apontou para a casa de dois andares branca com janelas alaranjadas. — Que ironia você ter esquecido!— A garota sorriu amarelo.
— Eu não me esqueci. — defendeu-se — Eu me distraí com a nossa conversa, isso é diferente.
— Sei...
— Está duvidando de mim, Nathaniel James? Desse jeito eu vou ficar magoada! — Cruzou os braços e fez um biquinho infantil forçado, que não combinou nem um pouco com ela.
— Não precisa ficar assim, Esther Lynn. — rimou a frase intencionalmente, fazendo com que o bico de Esther fosse involuntariamente substituído por um sorriso. — O que eu preciso fazer para que você me perdoe?— a garota se aproximou dele.
— Que tal ir ao cinema comigo amanhã à noite?
— Seu desejo é uma ordem. Que filme você quer ver?
— Tanto faz, não vamos prestar atenção mesmo.
— Como assim? Por que ir ao cinema se não vamos ver o filme? — perguntou confuso. A garota reprimiu a vontade de revirar os olhos, mesmo sendo amigo de dois depravados como Ethan e Sheila, Nate era consideravelmente ingênuo.
— Para fazer isso. — Colocou as duas mãos no rosto do loiro e o beijou.
Ele ficou chocado com a atitude da garota num primeiro momento, mas logo relaxou e correspondeu o beijo, passando as mãos por sua cintura e puxando-a para mais próximo de si.
Dois jovens se beijando ao por do sol, uma cena linda!
Menos para Ethan, que estancou na esquina da casa do amigo ao vê-los. Ele respirou fundo tentando manter a calma, deu meia volta e foi embora antes que os pombinhos o vissem.
E pensar que há poucos minutos ele se preparava para contar a Nate sobre ter dormido com Esther...
(...)
Anotar o pedido, encaminhar para a cozinha, esperar que fique pronto, leva-lo até os clientes, entregar a conta e limpar a mesa após eles se retirarem.
Já havia feito isso tantas vezes aquela noite que estava começando a ficar enjoada. Por Deus, como ela iria continuar nesse emprego se no primeiro dia já estava assim?
Sheila quase se ajoelhou no chão e agradeceu a todos os santos possíveis quando ouviu de um cliente que já passava das 10h30min. Isso significava que em trinta minutos ela poderia ir para sua humilde residência, tomar aquele banho quente e desmaiar na sua cama.
Ela até podia sentir a sensação da água escorrendo por seu braço. Gelada. Com direito a cubos de gelo.
— Ai meu Deus, me desculpe! Eu me distraí e não te vi, Shirley! — A voz apavorada de Sinead junto ao som do copo de vidro se espatifando no chão tirou Sheila de seus devaneios. Foi quando percebeu que a garçonete tinha derrubado a bandeja com um copo de suco gelado em cima de si.
— Não tem problema. — Tentou acalmar a colega de trabalho, nem se dando ao trabalho de corrigir seu nome.
— Acho melhor você tirar essa roupa molhada. — A garçonete sugeriu enquanto se agachava para limpar a bagunça.
— Eu vou fazer isso. — Sheila deu alguns passos em direção à área dos funcionários antes de se lembrar de um detalhe importante. — Onde eu arrumo outro uniforme?
— Não precisa pegar outro, coloque suas roupas normais. Pode ir embora mais cedo. — Sinead disse levantando a cabeça e fitando-a.
— O Sr. Reagan não vai achar ruim não? Falta um tempinho ainda para que o meu turno acabe.
— Não se preocupe com isso, o restaurante já está quase fechando. A essa altura do campeonato não vai chegar mais nenhum cliente e se chegar eu cubro o seu turno, é o mínimo que eu posso fazer por ter te encharcado. — Sheila sorriu para Sinead em agradecimento e foi para a sala nos fundos do restaurante.
Entrou no cômodo e pouco antes de fechar a porta o som da porta de entrada panorâmica do estabelecimento se abrindo chegou a seus ouvidos, junto a uma voz masculina que lhe era estranhamente familiar. Deu de ombros. Era apenas um cliente sem noção de horário, e quanto à voz...
Bem, o cansaço devia estar afetando sua sanidade.
Vez ou outra pensava se não seria mais fácil se casar com um milionário assim como Amethyst fez, isso a pouparia de passar horas servindo mesas, mas ainda sim era apenas uma louca e improvável possibilidade. Ela jamais faria isso, apenas se divertia pensando a respeito.
Enquanto ia até o armário de ferro pegar suas coisas, pensou em roupas de grife.
Imaginou joias tão caras e valiosas quanto carros enquanto trocava de roupa.
Cruzeiros e viagens internacionais vieram a sua mente enquanto desfazia o coque e ajeitava seus cabelos.
Bolsas de couro ocupavam seus pensamentos quando deixou a sala dos funcionários.
Quando Sheila pousou seus olhos no homem que estava de pé a poucos metros dela, e vice-versa, uma coisa engraçada aconteceu:
Tanto os pensamentos de Sheila quanto os de Ray ficaram em branco.
Autor(a): Lilie
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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Capítulo 5- Ponto alto. Quinta-feira, 7 de Agosto de 2008. Nunca em toda a sua vida Ray fora protagonista de uma sequência de desastres e confusões como aquela da madrugada do último sábado, afinal, terminar um quase namoro, ter o carro rebocado e se meter numa briga de estranhos não era para qualquer um. Depois de tudo ele ...
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